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quarta-feira, novembro 09, 2011

Feriados

A igreja católica portuguesa acaba de anunciar que "aceita a mudança de data de dois feriados religiosos se o Governo renunciar a outros dois civis".

Devo dizer que nunca esperei assistir, em dias da vida, a uma "marchandage" deste teor. Mas já nada me espanta!

No que me toca, que fique claro: como feriados oficiais ou como dias descontados nas minhas férias, comemorarei sempre, nessa exatas datas, o 25 de abril, o 1 de Maio*, o 10 de junho, o 5 de outubro e o 1 de dezembro. Feitios!

Em tempo: Quase simultaneamente, Otelo Saraiva de Carvalho "ameaça" fazer uma nova Revolução. Perdoai-lhes, senhores, que não sabem o bem que fizeram! 

*Um anónimo lembrou-me - tinha-me esquecido! - o 1 de maio! Era só o que faltava eu não o comemorar...

segunda-feira, novembro 07, 2011

A opinião do "Público"

O "Público" decidiu mudar alguns dos seus colunistas, o que é sempre saudável e refrescante num órgão de comunicação social. E assume que o faz para garantir a "necessidade de respeitar o equilíbrio e pluralidade das várias sensibilidades e tendências de opinião na sociedade portuguesa". Como jornal privado, o "Público" está no pleníssimo direito de convidar quem quiser para nele escrever. Até podia, se assim apetecesse a quem o dirige, escolher apenas colaboradores de uma única lateralização ideológica. O "Público", apesar do nome, não tem o dever de se sujeitar às regras de pluralismo do "serviço público". Mas fá-lo e isso é louvável.

A liberdade, que não o direito, que assumo pela minha qualidade de leitor e admirador do jornal desde a primeira hora (embora já nele tenha havido bem melhores dias, devo confessar), que sou e continuarei a ser, leva-me a dizer que a continuação da insistência na presença, como "colunistas", de figuras no exercicio ativo de funções político-partidárias (algumas das quais meus amigos, outras pessoas que muito respeito, pelo que estou mais à vontade para dizer o que digo) é um fator que, não só pouco acrescenta ao jornal, como é mesmo um pouco redutor, independentemente da indiscutível qualidade pessoal, intelectual e de escrita, dos eleitos. É óbvio que muitas dessas pessoas não são, nem serão, meros "porta-vozes" partidários, que algumas delas até podem não estar em consonância constante com as direções das forças políticas a que pertencem, mas, na minha opinião, que não é, pelos vistos, a opinião do "Público", estaremos sempre perante perfeitamente dispensáveis "tempos de antena" partidários. Ainda por cima, pagos.

E, de passagem, num outro contexto similar, permitam-me que lembre o que escrevi aqui.

sábado, novembro 05, 2011

Os herdeiros do défice

Os excessos de endividamento são uma pecha que atravessa o mundo. Já agora, diga-se, não apenas em Portugal, como creio que os últimos debates europeus bem demonstram. Em França, o primeiro-ministro anunciou ontem que o orçamento de 2012 será um dos mais mais rigorosos desde o pós-guerra.

A dívida pública, além de ter um peso nos défices anuais, porque neles incide o respetivo "serviço", isto é, os juros que há que pagar em cada ano, transmite-se para as gerações seguintes, que serão obrigadas a liquidar parte dos encargos anteriormente assumidos. Por isso se assume, numa "convenção" que é vulgarmente aceite, que uma dívida equilibrada para um país é a que não exceda, por regra, 60% do PNB (produto nacional bruto). Mas, vale a pena repetir, nenhum país deixa de ter a criação de dívida como fazendo parte da sua estratégia de gestão financeira. O défice faz parte da vida das nações.

Vistas as coisas de uma forma simplista, pode parecer "criminoso" estar a assumir despesas que serão os sucessores desta geração a pagar. O argumento tem, contudo, uma ligeira fragilidade. É que, no caso de se tratar de despesas de investimento, essas gerações futuras, quando assumirem a sua responsabilidade temporal de gestão do país, lá encontrarão, já construídas e utilizáveis, as autoestradas, as universidades, os hospitais e outros equipamentos, que não necessitarão de ser elas a fazer e a custear na totalidade. E se acaso parte desses investimentos foram bem canalizados para melhores e mais generalizados sistemas de saúde ou de ensino, então fácil é concluir que essas gerações também já beneficiaram parcialmente de tais investimentos, quer por usufruto direto ou por formação adquirida, pelo que tem lógica e justiça que também contribuam, embora de forma apenas residual, para a sua liquidação espaçada no tempo. Por isso, o argumento emocional e piedoso dos "encargos para as gerações vindouras", muito presente em certos discursos, deve ser moderado pela razão e pelo bom-senso.

Pensem nisto!

terça-feira, novembro 01, 2011

As frases e os mitos

Na memória coletiva sobrevivem, por vezes, expressões que, não tendo nunca sido pronunciadas, passaram a constituir-se como mitos. Recordo o "play it again, Sam", que Rick nunca disse no "Casablanca", ou o "elementary, my dear Watson", que ninguém encontrará, posto na boca de Sherlock Holmes, em nenhuma linha de Conan Doyle. 
 
O debate político também se faz, muitas vezes, em torno de alguns desses mitos: Salazar nunca proferiu exatamente a frase "para Angola, rapidamente e em força", contrariamente ao que muitos portugueses pensam.

Vem isto a propósito da circunstância de, desde há muito, ter visto atribuída uma frase ao antigo presidente da República, Jorge Sampaio: "há mais vida para além do défice". À volta desta frase tem emergido, ao longo dos últimos anos, uma imensidão de comentários. Porque tinha curiosidade em perceber o que fora efetivamente dito (e o contexto em que o fora, o que não é despiciendo), fui à procura do texto verdadeiro. E o que é que descobri?

Primeiro, Jorge Sampaio nunca terá proferido a frase "há mais vida para além do défice". 

Segundo, a frase verdadeiramente dita pelo antigo presidente - "há mais vida para além do orçamento" - foi proferida num contexto específico que merece ser ponderado:

"Mas como já disse, o problema orçamental da economia portuguesa, merecendo embora exigente e necessária atenção, não é o único. Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas. O aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia portuguesa é fundamental para o nosso futuro e requer o esforço continuado e empenhado de todos: governantes, empresários e trabalhadores. Uma economia competitiva não é a que se baseia em baixos salários, mas sim a que dispõe de um sistema produtivo moderno, inovador e tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade e bem valorizados nos mercados internacionais."

Alguém discorda?

Para alguns, "os fins justificam os meios". O diabo é que também esta frase nunca foi, contrariamente ao que a História acolheu, escrita por Maquiavel...

domingo, outubro 16, 2011

Negar a mentira

Há muitos anos que leio, publicadas em jornais, "cartas ao diretor", destinadas a retificar escritos. Tanto quanto me lembro, só por duas vezes me senti motivado a utilizar essa figura: uma primeira vez em 2002 e outra hoje. O que não deixa de ser curioso. Em ambos os casos, para denunciar coisas flagrantemente falsas, sem o menor apoio em factos. Nada de particularmente grave ou preocupante, atenta a notória falta de credibilidade daquilo que foi publicado. Mas apenas porque achei importante "to set the record straight". Para desmentir. Etimologicamente: para negar a mentira.

domingo, outubro 02, 2011

Ainda o défice

Passo, às vezes, pelos blogues da política portuguesa, um espaço que se assemelha a uma guerra de trincheiras, onde os índios e os cow-boys se revezaram há pouco. Com louváveis exceções, trata-se de um terreno virtual de guerrilha, às vezes muito pouco urbana, feita de uma imensidão de ressentimentos e de vontade de "explorar o sucesso", de muito mau-perder e de muito mau ganhar. Velam-se espetros e incensam-se aparições, num mundo maniqueu de "bons" e de "maus", com os erros de uns a transformarem-se, patética e patetamente, no gozo dos outros. Esses uns agora esquecendo, como já antes essoutros esqueciam, que, no final da linha, há por aí um país e que, quando as coisas correm mal, correm mal para todos! Também isto faz parte do nosso défice.

Lisboa em 48 horas

1. A Madeira continua nas notícias. E nós com ela.

2. Ainda bem que está calor, dizia-me ontem uma amiga, sempre se evita testar a próxima fatura de aquecimento.

3. Um autarca é preso. O autarca é solto. Foi um erro. O processo pode prescrever. As televisões mostram a nossa Justiça em direto.

4. Colóquio na Gulbenkian. Bela discussão. Disse o que pensava, sem "langue de bois". Houve quem não gostasse, claro.

5. A coleção Berardo e os seus dinheiros suscitam novos problemas. Desde o início, sempre suspeitei que isso ia acontecer e lembro-me de o ter dito ao António Mega Ferreira. Cabe agora ao Francisco José Viegas a nova "batata quente". "Bon courage"!

6. Nesta passagem por Lisboa, fiz uma rara "greve" ao Procópio. Com o Nuno Brederode "de molho", a "mesa dois" perde toda a graça. Um forte abraço para ele e para a Céu. 

7. Muita gente na rua, na manifestação sindical. Jornada com ordem. É muito importante que assim continue a ser. 

8. Com o Porto a descer e o Benfica a subir, veremos onde chega este ano o Sporting. Embora a rua da Esperança só seja famosa por andar ao passo dos seus caracóis.

9. Deu-me para ouvir "Lisboa que amanhece".

10. ... e, sei lá porquê, para ver, em vídeo, uma obra prima com Peter Sellers, o "Goodbye, Mr. Chance".

segunda-feira, setembro 19, 2011

O MES

Acabo de receber uma "convocatória" para um almoço em Lisboa, a 12 de novembro. Nessa data se celebrarão 30 anos passados sobre um jantar com que um partido decidiu encerrar a sua (já então muito escassa) atividade. Comemorar um jantar com um almoço é uma saudável redundância gastronómica.

Assim, e se tudo correr como espero, lá irei de Paris a Lisboa, para estar presente nesse repasto (escolham um sítio de decente amesendação, por favor!) onde muitos nos encontraremos, sem nostalgias nem proclamações, para lembrar essa "improvável aventura" a que, para sempre, ligámos a nossa juventude e a nossa esperança.

É claro que não estaremos todos por lá: alguns já se foram, outros saíram para outros destinos, uns poucos, ainda, deixaram-se tomar pela indiferença. Mas seremos mais do que os suficientes para nos revermos nessa ideia que continua a unir-nos, muito para além das conjunturas e dos percursos que cada um decidiu seguir.

O partido de que acima falei, o MES, o "Movimento da Esquerda Socialista" (ironizava, ao tempo, um amigo de outras ondas políticas: "mas há uma direita socialista?"), juntou muito boa gente nesses tempos pós-abril, pessoas vindas das lutas académicas, do sindicalismo menos alinhado, do catolicismo inquieto. Gente que não se revia noutras linhas então dominantes no mercado das opções políticas. Com o tempo, cada um de nós escolheu o seu caminho, embora a grande maioria quase sempre para o mesmo lado. Alguns revemo-nos de tempos a tempos, outros quase nunca se encontram. Mas, para sempre, somos todos, com imenso orgulho, "do MES".

Um dia, ao tempo do primeiro governo Guterres, o então primeiro-ministro, numa viagem de trabalho ao estrangeiro, em que o Augusto Mateus e eu o acompanhávamos, perguntou: "Neste governo, há uns seis ou sete antigos militantes do MES, não é?". Olhei para o Augusto e respondi, sem ter a certeza exata do que afirmava: "Um pouco mais, julgo que somos aí uns 14". António Guterres olhou para nós, verdadeiramente surpreendido. Nunca se havia dado conta que, em pouco mais de 40 ministros e secretários de Estado havia essa elevada percentagem de antigos membros do MES. Creio que, por um segundo, deve ter pensado que convivia com uma eventual "quinta coluna". O que estaria bem longe da verdade.

A inexorável lógica quantitativa do voto nunca foi o forte do MES. Como alguém diria, mais tarde, o nosso voto era um "voto de qualidade" ou a expressão de uma "imensa minoria". Em 1975, nas primeiras eleições, para a assembleia constituinte, no auge da sua expressão política, as urnas conferiram ao MES uns impressivos 1,02% de votos, o que conduziu um seu dirigente a uma declaração que ficou histórica: "Com esta votação, só temos condições para crescer...". Nesses tempos de façanhudos dirigentes políticos, cheios de pronunciamentos de rotunda gravidade, o MES teve sempre muito poucos votos mas imenso humor.

domingo, setembro 04, 2011

Festas

A "Festa do Avante", que teve lugar este fim de semana em Lisboa, segue o modelo da francesa "Fête de l'Humanité" (criada em 1930), que também inspirou a italiana "Festa dell'Unità" (criada em 1945 e que durou até 1991). Originalmente destinadas a coletar dinheiro para os jornais oficiais dos respetivos partidos comunistas, acabam hoje por ser importantes fontes de financiamento partidário.

As festas portuguesa e francesa são considerados dos maiores eventos do género em toda a Europa. A sua assistência foi sempre muito para além das pessoas ligadas às forças políticas que pretendem apoiar, tendo hoje uma forte população jovem. Em ambos os países, os espetáculos musicais que apresentam, bem como algumas outras iniciativas culturais, atraem uma público heterogéneo. Para além, convém não esquecer, das tasquinhas e lojas regionais, onde se come muito bem e se encontram excelentes produtos. Quem para aí estiver virado, até pode ouvir falar de política...

Estive numa "Fête de l'Huma" (como aqui se designa), em 1980, numa passagem por Paris. Recordo ter por lá comprado um excelente presunto de Auvergne, que levei para a Noruega, onde então vivia, bem como a primeira edição brasileira, hoje rara, de "A Questão Agrária em Portugal", um livro de Álvaro Cunhal, de 1968.

Em Portugal, fui à primeira Festa do Avante, realizada na FIL, em 1976. Creio que em 1978, voltei à festa, então no Jamor. E, em 1986, recordo-me de ter estado numa edição na Ajuda. Nunca fui ao local onde a festa hoje tem lugar, na Atalaia.

Achei sempre muito interessante passear por essas festas comunistas, que são retratos sociológicos impressivos de um mundo muito especial, feito de histórias, de lutas, de mitos, de ilusões e de realidades muito duras. Não me recordo de, em alguma das visitas, ter assistido a nenhum comício político. No caso português, sempre aproveitei as ocasiões para equipar a minha (agora) imbatível coleção de discos de música portuguesa de inspiração política, dos "anos da brasa" de 1974/75, bem como para obter alguns livros em falta. E, também sempre, para me encher de poeira e cansaço, o que me não entusiasma a repetir a experiência no futuro.

Da festa no Jamor, quando a Revolução portuguesa estava ainda "fresca", tenho na memória uma cena passada no stand transmontano onde, naturalmente, fiz questão de ir jantar. Estava eu por lá entretido a degustar uma alheira com um razoável tinto da região quando vi aproximar-se um velho colega de escola primária, de Vila Real, que eu sabia "responsável" do PCP local. Mostrando-se um pouco surpreendido com a minha presença, e suspeitando-me - e bem! - como simples "turista político", fez-me a seguinte, mas algo sofisticada, pergunta: "Vieste cá por vir ou vieste porque devias vir?". Saiu-me esta resposta: "Olha! Eu vim porque me apeteceu. E tu?". Não me recordo se me respondeu. Com as voltas que o mundo comunista entretanto deu, tenho a impressão que ele já por lá não andou este ano.

sábado, setembro 03, 2011

Notas de fim de semana

1. É muito bem escrita, como sempre, a crónica de ontem de Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias". Esta é sobre o estilo de discurso do professor Vitor Gaspar, o novo ministro das Finanças. Já conhecia o tempo e modo desse estilo quando, há já bastantes anos, fiz com ele parte de um júri, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O que a mim mais me impressiona, na forma da sua expressão, que agora é algo de verdadeiramente inédito na política portuguesa, é o ritmo desarmante que sustenta, impávido, perante os estímulos provocatórios dos interlocutores. 

2. Sei que vai chocar algumas pessoas que se diga isto. Mas a revolução líbia só ficará consagrada, na plenitude das suas credenciais de tolerância, no dia em que puder haver rádios, jornais e partidos políticos que critiquem abertamente, sem sentirem o medo de quaisquer represálias, as novas autoridades, ainda que transitórias, que vierem a assumir o poder em Tripoli. E isto, claro, antes de quaisquer eleições.

3. Recomendo vivamente o texto (não tem link livre) de Pedro Mexia, no "Expresso" de ontem, intitulado "Os Alfonsos Guerras". E, mais ainda, recomendo o já antigo livro de Jorge Semprún, que serve de pretexto à crónica - "Frederico Sanchez vous salue bien" -, no qual ele conta a sua experiência de homem do mundo da cultura inserido na política. Só não o recomendo a Francisco José Viegas porque sei que ele já leu tudo.

4. É excelente a notícia de que os trabalhos fotográficos de Gérard Castello-Lopes, de cerca de meio século de atividade, vão ser apresentados no novo Centro Cultural Gulbenkian, em Paris, em abril de 2012. A partir de última semana de outubro, a Gulbenkian de Paris abandonará as instalações da avenue d'Iéna e passará a estar aberta num prédio no boulevard de La Tour-Maubourg.

sexta-feira, setembro 02, 2011

O regresso de Monsieur Morisi




Num café de Montreuil, nos arredores de Paris, a surpresa foi imensa, nesses últimos dias de abril de 1974. As imagens que a televisão trazia da "révolution des oeillets", que, à época, marcava a atualidade portuguesa em França, mostravam a chegada triunfal ao aeroporto de Lisboa de um homem de cabelos brancos, gabardine parda, olhar firme e determinado:

- "Mais c'est Monsieur Morisi!", exclamaram, surpreendidos, alguns clientes.

Era Álvaro Cunhal, o líder histórico dos comunistas portugueses, que tinha vivido clandestinamente em Montreuil nos últimos anos antes do 25 de abril, quando muitos achavam que essa figura mítica se encontrava em Moscovo ou em Praga. Para a vizinhança, ele era apenas o discreto "M. Morisi", como ontem me contou o deputado Jean-Pierre Brard, que foi "maire" da localidade e que, como militante comunista, conheceu pessoalmente Cunhal. 

Está ainda por fazer, de forma organizada e não sectária, a história do papel desempenhado pela França como terra de acolhimento dos exilados portugueses durante a ditadura. Neste tempo de "Festa do Avante", que tanto diz aos militantes comunistas portugueses, aqui fica esta pequena nota, dos tempos de um certo "M. Morisi". 

sexta-feira, agosto 19, 2011

Feiras

Num debate na Assembleia da República, o líder do CDS/PP tinha feito uma crítica a alguns aspetos da presidência portuguesa da União Europeia que então decorria, nesse início do ano de 2000, em que eu tinha alguma responsabilidade na matéria. Não era nada de muito radical, mas apenas o tom habitual dos partidos de oposição, que sempre procuram certos "nichos" de divergência pontual, mesmo quando subscrevem, por razões de Estado, o essencial da ação do governo na área externa. Como era o caso.

Nesse seu discurso, a que o primeiro-ministro estava a dar resposta aos temas substantivos, o líder oposicionista tocara, em moldes que recordo críticos, a questão da distribuição geográfica das reuniões europeias que a presidência portuguesa estava a realizar pelo país, como era habitual nesses longínquos tempos em que os Estados membros ainda pesavam alguma coisa no exercício das presidências semestrais. Já não recordo bem, mas talvez porque Aveiro não estivesse nesse mapa...

Da bancada do governo, fiz então chegar, discretamente, àquele lider partidário uma pequena nota manuscrita, que dizia basicamente o seguinte: "Achei muito injusta a sua crítica ao mapa de reuniões comunitárias no território português. Com efeito, deve ter notado que a cimeira final da presidência portuguesa está marcada para uma determinada cidade, num gesto que pretende ir ao encontro daquilo que se sabe ser objeto de um carinho especial da sua parte. Não foi por acaso que escolhemos Santa Maria da ... Feira!".

Não deixarei de perguntar ao meu atual ministro se se lembra da gargalhada sonora que deu ao ler a minha nota, para imensa perplexidade de deputados de várias bancadas e dos meus colegas de governo.

segunda-feira, agosto 15, 2011

Cosmopolitismo

Não é a primeira vez que, em alguns comentários a este blogue, recebo remoques pelo facto de utilizar palavras ou expressões estrangeiras, que vulgarmente identifico entre aspas. Devo dizer, desde já, que eu próprio me não sinto muito confortável com o recurso regular a esses termos. A realidade, porém, é que há determinados conceitos que me parecem tão bem sintetizados e tipificados em algumas línguas estrangeiras que reconheço que me dou frequentemente ao luxo de não ter de procurar, para eles, um equivalente em português. Aceito ser esta uma óbvia fragilidade, mas é também o preço de ter de optar por uma escrita rápida, imediata, que permite um ritmo diário de posts, sem grande burilamento ou beleza estilística.

Na vida diplomática, o recurso a expressões estrangeiras - principalmente inglesas, mas também francesas - faz parte do nosso dia-a-dia, o que, naturalmente, marca o discurso corrente e acaba por aparecer, de forma quase abusiva, em todas as apresentações que fazemos. Acredito que este meu "defeito" venha daí.

A este respeito, recordo-me de uma história, de que hoje não me orgulho muito, não tanto pelo facto em si, que até foi divertido, mas principalmente pela circunstância do meu interlocutor ter já, infelizmente, desaparecido.

A cena passou-se na comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República, creio que logo no final de 1995. Como responsável governamental pelo setor, eu estava a ser interpelado sobre dossiês que estavam em discussão em Bruxelas. Tinha feito uma intervenção inicial de, creio, cerca de meia-hora e ouvia as questões que, de seguida, me estavam a ser colocadas pelos deputados.

O deputado do PCP, Lino de Carvalho, para além das normais críticas oposicionistas à política do governo que eu ali simbolizava, disse algo parecido com isto: "O senhor secretário de Estado, nesta sua intervenção, mostrou alguns desagradáveis vícios de cosmopolitismo, recorrendo, com frequência, a expressões estrangeiras. Em poucos minutos, contei uma boa dezena delas, como "phasing-out", "leftovers", "acquis", "leverage" e outras do género. Eu sei que a profissão de V. Exa. conduz a um convívio intenso com o estrangeiro, mas devo dizer-lhe que acho lamentável estes excessos de cosmopolitismo. A meu ver, um representante governamental português tem a obrigação de vir para aqui falar exclusivamente a sua língua aos seus deputados".

Eu era um novato nas lides parlamentares e achei que, no contexto de um debate em "petit comité" (lá estou eu a usar expressões estrangeiras...), que decorria de forma solta e descontraída, me poderia permitir uma graçola política. Só que, como irão ver, o tiro saiu-me pela culatra.

Assim, interrompi o deputado, cuja intervenção ainda não tinha terminado e, pedindo autorização ao presidente da comissão, que creio que era o José Medeiros Ferreira, disse: "Eu quero pedir perdão ao senhor deputado pelo uso excessivo que fiz de expressões estrangeiras. Com efeito, reconheço que incorri num condenável vício de cosmopolitismo. E sei que isso toca fundo no património de memória do partido que V. Exa. aqui representa, o PCP. Com efeito, todos recordamos bem que, nos "processos de Moscovo", Estaline fez condenar à morte, por crimes de cosmopolitismo, muitas pessoas. Vou, assim, tentar conter-me, futuramente, na utilização de expressões estrangeiras".

O que eu fui dizer! Lino de Carvalho, com o ar grave que a sua barbicha leninista lhe conferia, sentiu-se ofendido com a minha intervenção, considerou-a "provocatória", "arrogante" e "insultuosa". E o agravamento do ambiente que o incidente projetou sobre a sessão, que até aí decorrera morna e sem polémicas, fez com que os sorrisos que a minha graçola inicialmente provocara se transformassem numa sólida, se bem que silenciosa, solidariedade parlamentar, em apoio à honra ofendida do colega deputado, como era patente na expressão facial coletiva à volta da mesa. Mesmo nos deputados que apoiavam o governo que eu ali representava denotei um visível incómodo com o insólito da situação criada.

Não me recordo como tudo acabou, mas tenho claro que falei, mais tarde, com Lino de Carvalho, junto de quem procurei justificar-me. A partir de então, e com o tempo, as nossas relações acabaram por normalizar-se e, nos anos que se seguiram, tive-o por um interlocutor muito sério e sabedor sobre questões de agricultura europeia. A sua morte deixou saudades no nosso parlamento e o nosso bate-boca fez-me aprender uma bela lição. 

sábado, julho 30, 2011

Passos perdidos

Café de S. Bento. Fragmentos de um discurso ocioso.

- É incrível, o tipo lá conseguiu ser eleito outra vez deputado. Na legislatura anterior, não abriu o bico. Nem nas comissões! E põem-no outra vez nas listas. É um escândalo!

- É preciso dar tempo ao tempo. Consta até que já está a preparar um projeto de lei.

- Não acredito! É um calaceiro. Não é capaz de apresentar nada. Que lei é?

- A lei do menor esforço...

quinta-feira, julho 21, 2011

Iliteracia política

Alguma curiosidade levou-me a ler um livro, recentemente publicado, sobre a vida do nosso parlamento, com historietas nele ocorridas. Literatura de férias...

O mais surpreendente na publicação foi a ausência de um "editing" eficaz, que permitisse evitar erros como dizer que foi "Costa Gomes" quem fez o 28 de maio de 1926, que o presidente da Câmara Corporativa se chamava Luís "Pico" Pinto ou, finalmente, que Casal Ribeiro ainda perorava no plenário dos anos 80.

E não se pode exterminá-los?

quarta-feira, junho 22, 2011

Geração à frente

A eleição de Assunção Esteves para a presidência da Assembleia da República, bem como o facto da média etária dos integrantes do novo governo ser bastante inferior à do anterior, constituem prova de que está a processar-se um interessante salto geracional na sociedade portuguesa. Verifico isso também nos empresários que por aqui passam.

Este assumir (estava tentado a escrever "esta assunção") de altas responsabilidades por figuras na casa dos 40 anos - os "quadra", como dizem os franceses - e início dos 50 pode ser sintoma de um apressar da maturidade que, deseja-se, simbolize também uma crescente afirmação de novas ideias.

Mas voltemos à eleição de Assunção Esteves, uma ótima surpresa, não só por ser uma pessoa de convicções, por ser uma mulher e, perdoe-se-me o regionalismo, por ser transmontana, como o seu assumido sotaque de Valpaços orgulhosamente revela - embora só "iniciados" saibam distinguir, no seio de um "som" comum ao norte de Trás-os-Montes, as subtis diferenças entre quem é de Chaves, de Valpaços, de Mirandela ou de Bragança. 

Parabéns, felicidades e um forte abraço, Assunção!

terça-feira, junho 21, 2011

A chamada

A reunião da Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP), de que eu era vice-presidente, decorria já há mais de duas horas. Estávamos em outubro de 1995 e um novo governo entraria em funções dentro de semanas, após recentes eleições legislativas. Desde há muito que a ASDP andava às voltas com um projeto de um novo Estatuto para a carreira diplomática e queríamos aproveitar a existência de uma nova equipa ministerial para a convencer, logo no início, de algumas das nossas reivindicações. Sob a presidência de António Santana Carlos, a discussão ia longa e intensa. Caminhávamos artigo a artigo, com divisões entre nós, fruto do confronto de diversas sensibilidades. 

Desde meados dos anos 80 que eu tinha estado envolvido em grupos de trabalho que haviam desenhado vários projetos de "estatuto", uns mais ambiciosos do que outros. Muito mais do que reivindicações de natureza económica, pretendíamos regular com maior rigor o funcionamento da carreira, os processos de transferências e promoções, os direitos e deveres dos funcionários, acautelar uma imensidão de questões relativas à situação dos familiares, etc. À época, eu tinha ideias muito assentes sobre todos estes aspetos até porque, meses antes, tinha feito parte da equipa negocial que, sem sucesso, tentara um acordo com o governo que agora ia cessar funções.

A certo passo da discussão no seio da associação sindical, fiquei isolado. Num determinado artigo desse projeto, creio que o 28º, eu tinha uma posição completamente oposta à da generalidade dos meus colegas de direção. Expus os meus argumentos, mas, embora não convencido, fui vencido. E passámos à frente.

Íamos nós já na análise do "wording" de outros artigos quando o telefone tocou, numa mesa da sala de reuniões. A chamada era para mim. Atendi, verifiquei que não podia ter a conversa naquele ambiente de debate, tomei nota do número, pedi um telemóvel emprestado e saí, para ligar de outro local.

Minutos depois, regressei à reunião, que já tinha avançado pelo articulado adiante. Numa pausa, pedi ao António Santavna Carlos se poderia reabrir o debate sobre o artigo 28º. Houve um coro de protestos. Não apenas a vontade coletiva era esmagadora no sentido de consagrar a solução encontrada para aquele artigo como a minha tentativa de retomar uma questão fechada punha em causa a metodologia de trabalho acordada por todos, comigo incluído.

Com dificuldade, consegui adiantar uma explicação para a minha estranha atitude: "O problema, meu caros, é que a solução que vocês pretendem impor nesse artigo não creio que possa ser acolhida pelo novo governo".

A sala explodiu em perplexidade: "Essa agora!", "como é que sabes?", "ainda não iniciámos a discussão com eles!".

Aí, com um sorriso, deixei cair: "Sei isso porque acabo de ser convidado para fazer parte do novo governo, aceitei e nele vou defender a minha solução".

Era verdade. E, para quem se possa surpreender pela ousadia da revelação imediata do convite, esclareço que não estava a quebrar nenhuma promessa de silêncio, porque havia sido acordado que, naquele preciso momento, a indigitação seria revelada à imprensa. 

segunda-feira, junho 20, 2011

O senhor Ferreira

Quando o novo governo entrar hoje em funções não encontrará, à sua chegada à residência oficial do primeiro ministro, a figura discreta, educada e prestável que, durante décadas, fazia o primeiro acolhimento a todos os visitantes: o senhor Ferreira. 

O senhor Ferreira ocupava um pequeno espaço, à esquerda de quem entra na residência, acompanhado por um polícia, à paisana. Em tempos que por lá andei mais, era uma senhora. O senhor Ferreira conduzia os visitantes que não fossem conhecidos e não soubessem os cantos da casa à sala de espera, ao elevador ou à escadaria que acede ao primeiro andar - onde se situam os principais gabinetes e onde Marcelo Caetano criou uma sala onde reunia o conselho de ministros. Essa sala, que tinha uma mesa em forma de U fechado, foi, no tempo de António Guterres, mudada para a cave. Era nela que, muitas vezes, reunia o conselho de ministros, em alternativa ao edifício existente na rua Gomes Teixeira, perto dos Prazeres.

A figura do senhor Ferreira, que passei a conhecer melhor nos anos 90, sempre me fascinou. Soube um dia que tinha entrado ao serviço ao tempo de Salazar. Como se teria dado com a senhora Maria? Que histórias, se as quisesse e soubesse contar, o senhor Ferreira não teria, olhando o mundo político daquela portaria, desde os anos 60?! Mas o senhor Ferreira era um homem discreto, com a lealdade essencial que os servidores do Estado devem ter, para além dos regimes e governos que servem. Várias vezes "puxei por ele", tentando saber coisas desses tempos antigos, memórias esparsas que pudessem ajudar a desenhar um retrato dessa época. Salvo coisas vagas, nunca me contou rigorosamente nada.

Um dia, nuns minutos de conversa que pudemos ter, quem lhe contou uma história fui eu. Tinha-se passado em 1975, pouco antes do Natal. Terminava então um dos anos anos mais turbulentos da política portuguesa, em todo o século XX. A Revolução, iniciada em abril de 1974, tinha atravessado imensas peripécias - e imagino os tempos "épicos" que o senhor Ferreira não deve ter tido, à beira de vários ataques de nervos, naquela portaria de S. Bento, nesses tempos do PREC (o crismado "processo revolucionário em curso", para elucidação dos leitores mais novos), com fardas e barbas a entrar de roldão, com golpes e contra-golpes a prenunciarem-se e a pronunciarem-se pelo corredores e gabinetes, nas várias encarnações governativas do general Vasco Gonçalves.

Como disse, 1975 ia terminar. O movimento "retificativo" de 25 de Novembro já tivera lugar e o VI governo provisório, que vira a sua existência ameaçada desde a sua formação, em setembro, entrava finalmente nas suas primeiras semanas de verdadeira velocidade de cruzeiro, chefiado pelo almirante Pinheiro de Azevedo.

Eu trabalhava então, destacado pelo MNE, no Gabinete Coordenador para a Cooperação, a primeira estrutura de ajuda pública ao desenvolvimento, criada após a Revolução, voltada para as relações com as colónias africanas recém-independentes. O projeto de um determinado diploma legislativo havia sido por nós preparado e havia urgência em que fosse entregue, em mão, ao então secretário de Estado responsável por aquela área, o comandante Cristóvão Moreira, que deveria entrar para a reunião do conselho de ministros, em S. Bento, dentro de minutos. Fui encarregado de levar o texto e de lhe transmitir oralmente algumas curtas informações complementares. 

Cheguei à residência num velho Mercedes preto. Os portões abriram-se de imediato e, sob continência dos polícias, o carro avançou até ao fundo da escadaria exterior, que dá acesso à entrada do edifício. Estranhei a facilidade com que a viatura foi admitida, sem qualquer pergunta, identificação ou controlo, mas tomei isso à conta de ser, provavelmente, uma matrícula conhecida. Na pequena área no alto da escadaria, o dr. Almeida Santos falava para televisões (perdão, para a televisão, porque então só havia uma...). Procurei alguém que me indicasse como é que eu poderia chamar o comandante Cristóvão Moreira. Foi-me dito para subir ao primeiro andar. Aí, repetida a pergunta, indicaram-me uma sala. Era o conselho de ministros. Estava prestes a iniciar-se a sua reunião, com o primeiro ministro Pinheiro de Azevedo já no topo da mesa, alguns membros do governo sentados, outros em conversas entre si ou com colaboradores. Descortinei o meu secretário de Estado, inconfundível na sua teimosa camisola de gola redonda, entreguei-lhe o documento, dei-lhe a mensagem e saí.

Ao abandonar o edifício, ainda aturdido pela incrível facilidade que tivera, no acesso desde a rua à sala do conselho de ministros, sem nunca mostrar a minha identificação e sem o mínimo controlo de segurança, perguntei quem era o responsável pela portaria. Foi-me então apresentado, pela primeira vez, o senhor Ferreira. Sorridente, muito agradável no trato, ouviu o comentário pelo qual eu lhe transmitia o meu espanto, respondendo assim: "O senhor doutor (presumiu que o era) tem toda a razão. É verdade, não há quase segurança nenhuma! Mas sabe o que é que acontece? Nunca houve um governo tão grande como este. Entre ministros, secretários e subsecretários de Estado são 84 pessoas! Fora os membros do conselho da Revolução! Todos têm chefes de gabinete, adjuntos e assessores que entram frequentemente por aqui dentro e, se lhes perguntamos quem são, ficam quase ofendidos por não os conhecermos. Por isso, temos alguma dificuldade em controlar estas coisas...". Percebi então melhor o embaraço do senhor Ferreira.

Contei-lhe esta história em 1995. Obviamente, não se lembrava da conversa que, vinte anos antes, tivera comigo. Mas recordava-se bem desses tempos complicados da política portuguesa, que atravessara, profissional e discretamente, na portaria de S. Bento. Reformou-se já há uns anos. Se ainda por lá estivesse, e a partir de hoje, ter-se-ia cruzado com o mais pequeno governo da história política portuguesa pós-25 de abril, por contraste com aquele imenso VI governo provisório.

Não sei se o senhor Ferreira ainda é vivo. Espero bem que sim e que possa receber o meu abraço. 

domingo, junho 19, 2011

Notas dominicais

1. Há dias, o "Libération" notava, com perplexidade, o silêncio das autoridades da generalidade dos países árabes, mesmo dos novos regimes tunisino e egípcio, perante as atos de barbaridade que estão a ser cometidos pelo regime sírio sobre a sua população.  O caso, segundo o jornal, é tanto mais estranho quanto o regime sírio esteve sempre longe de ser popular no seio do mundo árabe.

2. Foram várias as centenas de portugueses que ontem encheram a catedral de Notre-Dame de Paris, na tradicional missa anual que, desde há alguns anos, aí tem lugar, por ocasião das festas portuguesas em França, nesta época. Notei ser gente de média ou avançada idade, apenas com alguns jovens pelo meio. Há semanas, quando tive a almoçar na Embaixada os sacerdotes que trabalham junto das comunidades portuguesas em Paris e seus arredores, foi-me dado perceber que há uma mudança muito importante no comportamento dos portugueses em França face à religião católica, que não favorece o proselitismo nas novas gerações.

3. Foi há um ano que desapareceu José Saramago. É triste dizê-lo, mas cada vez tenho mais a sensação de que o posicionamento ideológico do grande escritor acabou por ser um fator altamente limitativo da fixação, no imaginário nacional, de um legítimo orgulho que o reconhecimento universal da sua magnífica obra imporia. Mas também acho que José Saramago pouco se importaria com isso. E gostei muito da frase de Leonor Barros, no Delito de Opinião, segundo a qual "os escritores não morrem, apenas deixamos de os ver".

4. A posse do novo governo português, num calendário muito curto, justificado pela excecional situação nacional que se vive, demonstra que ainda há margens de flexibilidade na lei que o bom-senso pode mobilizar. Como cidadão, e fazendo as contas ao tempo de decorreu entre a demissão do primeiro ministro e a data em que o novo governo vai tomar posse, acho que deveria ser feito um urgente esforço interpartidário para refletir neste assunto, para dar uma maior modernidade e eficácia ao quadro legal em que estas coisas se processam. Mas tudo isso teria de ser feito já! Dentro de alguns meses ninguém se lembrará de nada, da insensatez dos prazos previstos na nossa legislação para cada etapa. E, quando houver novas eleições, lá estaremos nós a reclamar de novo! Isto faz-me lembrar os discursos feitos, todos os verões, sobre as medidas a tomar quanto às florestas... que só vamos ouvir de novo quando surgirem os novos fogos. Confesso que sinto grande inveja do Reino Unido, que sempre realiza as suas eleições legislativas numa 5ª feira. Logo no dia seguinte, o novo primeiro ministro vai à raínha e, às 14 horas dessa 6ª feira, apresenta-se no parlamento para o seu primeiro debate*.

5. A França é um país em que a questão da energia nuclear, desde o general de Gaulle, passou a constituir um elemento identitário do seu posicionamento internacional, quer a nível da "force de frappe", quer no tocante ao nuclear com finalidades civis. As preocupações ecológicas e a sua retoma por parte de certas forças políticas tem vindo a abrir um debate, se bem que limitado, sobre o nuclear civil. Porém, e curiosamente, a tragédia japonesa teve escasso impacto no modo como a questão tem sido aqui abordada. Não tenho, contudo, a menor dúvida que a atitude radical do governo alemão, no sentido de abolir a produção nacional de energia nuclear até 2020, pelo impacto que acabará inevitavelmente por ter nas reflexões futuras em matéria de uma eventual política energética à escala europeia, vai, a prazo, potenciar de uma revisitação séria do problema em França.

Em tempo: no Reino Unido, como lembra um comentador, da última vez, excecionalmente, a formação do governo demorou três dias. Uma eternidade...

quarta-feira, junho 15, 2011

Votos

Uma locutora da conhecida escola do jornalismo ofegante, presente na sala onde hoje se contam, com toda a serenidade, os votos das comunidades portuguesas no estrangeiro, afirmava há pouco, numa televisão, de forma jornalisticamente irresponsável, que o ambiente vivido na sala parecia o de uma "eleição africana" (aquele telejornal é transmitido também por toda a África, pela SIC Internacional). 

Ora o ambiente era idêntico ao de qualquer local de contagem manual de votos, em todo o mundo. Com o seu comentário, a senhora em causa, para além do seu triste e preconceituoso eurocentrismo, lançou uma nota de injusto descrédito sobre o sistema eleitoral português, cuja eficácia está acima de toda a suspeita, tanto mais que tem todos os mecanismos de fiscalização e controlo necessários para o apuramento rigoroso da vontade popular.

A locutora já se deve ter esquecido da "africana" Flórida...

Botão errado

Foi ontem à tarde, na Fundação José Saramago. A homenagem ao Nuno Júdice era no 4° andar. Distraidamente, carreguei no botão do 3° andar. Ia...