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segunda-feira, julho 30, 2012

Dormir na Régua

"T'ás maluco? Vais dormir à Régua? 'Ninguém' dorme na Régua!". Foi esta a reação quase insomníca, de ontem à tarde, assumida por um vila-realense empedernido, quando lhe anunciei que, por uns dias, ia ficar num hotel da Régua, para acompanhar uma missão da UNESCO que vai avaliar da compatibilidade da construção de uma barragem na foz do Tua com o estatuto de "património mundial" do Alto Douro Vinhateiro.

Por natureza identitária, um vila-realense que se preze não gosta da Régua, melhor, "ignora" a Régua, da mesma forma que se "irrita" com essa "irrelevância" regional que é Chaves. Para um cidadão de Vila Real, a sua cidade é um fenómeno isolado, porque entende que Trás-os-Montes (e o Alto Douro) apenas pode, e deve, ser representado pela sua ímpar urbe. E isto não se discute, por mais modesto que um vila-realense possa e queira ser. Há Vila Real e, depois, só há, para lá do Marão, o Porto. E é tudo! É claro que, um pouco mais "lá para cima", há, mas já bem depois, uma "coisa" a que se chama Bragança (e, de caminho, Mirandela e Macedo, além de umas adjacências onde "não se vai", a não ser a caminho de Espanha). Mas tudo isso já é muito "diferente".

A Régua esteve situada a 29 km de Vila Real (hoje já é bem menos), pela "estrada velha", que passava por Santa Marta e cujas curvas nos causavam enjoos infantis. Em alternativa, fazia-se quase uma hora de viagem, pela velha linha férrea do Corgo, para ir aí apanhar, até aos anos 60 (quando a camionagem do Cabanelas nos passou a fazer enjoar pelo Marão), o comboio para o Porto. Mais tarde, a Régua ficou um pouco mais próxima, quando se ia pela encosta contrária, por Nogueira. Mas vamos ser justos: por que diabo um vila-realense ia à Régua? Para nada, a menos que fosse para passar para Viseu, ou para ir a à Senhora dos Remédios a Lamego, num assomo de romaria. Ou, como experiência etnológica, se decidisse passar por lá para comprar rebuçados, às mulheres aventaladas à porta da estação e fotografar a mais pequena barbearia do mundo (que deixo a imagem, ontem registada). Às vezes, em fins de semana invernosos, também se passava pela Régua para "ver" as cheias, quando o Douro, antes das barragens (já estou a fazer política "unescal", como notaram), alagava a marginal.

Nós, em Vila Real, o que é que conhecíamos da Régua? Praticamente, só as "pequenas". Por um excedente de produção de qualidade que nunca ninguém soube explicar, a Régua enviava para Vila Real, para estudar, algumas das mais bonitas garotas que o liceu Camilo Castelo Branco alguma vez teve (e que olhos, senhores!). Os irmãos ou os primos desse "pequename", assumindo uma espécie de "template" automobilístico, vinham sempre à "Bila" de NSU, que traziam aos ralis, às gincanas ou apenas, como dizíamos, para "armar aos cágados", à porta da Gomes, em dias de circuito, a aquecer ruidosamente os escapes. Por essas e por outras é que eu, durante anos, quase que me convenci que, na Régua, não era "gente" quem não andasse de NSU, como se por aí estivesse estabelecido o principal consumo mundial dessas viaturas. "For the record", convém dizer que essas simpáticas colegas vinham cuidadosamente "policiadas" por uma austera (mas muito competente) professora de matemática reguense, a Dona Raquel. Ah! e por falar em policiamento, é também muito importante recordar aqui os "polícias da Régua", tidos como dos mais rigorosos da região, sempre de farta bigodaça e pança proeminente, os quais, dizia-se, eram ferozes a derimir questiúnculas pesadas na zona do Peso (a Régua chamava-se, ou chama-se ainda, nunca percebi bem onde o debate toponímico ficou, Peso da Régua), onde, dizia-se, os ciganos imperavam. "É pior que um polícia da Régua!" era uma frase que, por décadas, se ouvia em Vila Real, para designar alguém com mau feitio. E da Régua chegava, pela voz melodiosa de Carlos Ruela, a "Rádio Alto Douro", para despeito vila-realense, onde imperava um deserto radiofónico.

Muito mais tarde, fomos "descobrindo" que a Régua também tinha, além do vinho do Porto (ninguém, nessa altura, bebia vinho do Porto, confessemos!, salvo no Natal, casamentos e batizados), o Douro e a sua beleza natural, a qual, lamento ter de dizê-lo, nunca contribuiu muito para melhorar a imagem da (agora) cidade, que é um eterno objeto arquitetónico sem grande interesse, com pontes e viadutos a mais. Da Régua vamos ouvindo ainda, SIClicamente, nas televisões, os protestos às 13 ou às 20 horas (horas oficiais dos protestos, no Portugal contemporâneo) dos produtores de vinho da região, sempre cuidadosamente filmados em frente ao "estadonovense" edifício da Casa do Douro, com lavradores querendo mais "benefício" (o conceito demoraria algum tempo a explicar aqui) e, claro, apoios do Estado.

Mas, atenção!, na Régua, ou perto dela, comeu-se quase sempre bastante bem (e este bloguista não é indiferente ao tema, como é sabido). Mais recentemente, ia-se ao "Douro In", agora vai-se ao "Castas e Pratos" (fui lá ontem e foi um jantar soberbo!), sito nos velhos armazéns da estação ferroviária. Mais longe, lá para a Folgosa, o Rui Paula continua a dar cartas no "DOC" (depois de as ter dado no "Cepa Torta", em Alijó, e mesmo mantendo o "DOP", junto à Bolsa do Porto). Para uma experiência um pouco mais "radical", porque terá de se defrontar inevitavelmente com o mau feitio do dono da casa, e sempre avisando com antecedência, vá-se pelo cabrito à "Repentina", já fora de portas. E, para melhor discutir a barragem que por aqui nos traz, poder-se-ia acabar a tarde no "Calça Curta", bem junto à velha estação do Tua.

Eu sou um vila-realense atípico: sempre achei alguma graça à Régua. E hoje vou cá dormir, pensando (sem nostalgias, garanto!) no que será feito das belas reguenses do meu tempo. Boa noite!

sexta-feira, julho 27, 2012

A "Caras" em Pyongyang

O surgimento de Ri Sol-Ju, confirmada como mulher do novo líder norte-coreano Kim Jong-Un, é uma imensa novidade no mundo cinzento daquele regime. E começa já a ter os seus efeitos públicos no exterior.

Ontem, no "Lameirão", em Vila Real, dei-me conta, por um diálogo, da popularidade na nova primeira dama:

- Provaste um rissól?

- Não, comi um bolo de bacalhau. Ri Sol está a dar mas é na Coreia. "Chinoca" mas bem gira...

Passe o comentário xenófobo do meu conterrâneo, que não resisti a transcrever, por aqui se vê como a "silly season" já abala a Trás-os-Montes. E este blogue com ela.

quarta-feira, julho 25, 2012

Bom português

Abespinharam-se, há dias, alguns comentadores e outros atentos leitores  deste blogue quando por aqui fiz uma curta listagem de quantos, na nossa imprensa, entendo que escrevem um "bom português". E logo alguns inquiriram o porquê dessa escolha.

Pode ser que esteja enganado, mas julguei detetar, em algumas dessas observações, que os juízos se estabeleciam na direta dependência da simpatia pessoal que os escribas suscitavam nesses leitores. Ora, se se olhar o conjunto dos nomes que referi, fácil é verificar que se trata de gentes de diversas e até de contraditórias orientações, o que prova que, pelo menos no que a mim me toca, julgo não poder ser suspeito desse desvio opinativo.

O que é o "bom português"? Sei lá! Para mim, é uma escrita que me agrade, por uma sábia combinação de substância e forma, alinhada de forma escorreita, não pretensiosa, sem demasiados ademanes estilísticos. Para ser sincero, é o português que melhor se aproxime do modo como eu próprio gostaria de saber escrever e que, sem qualquer inveja mas com basta admiração, me dá gosto ler. E mais não digo, porque estas coisas são assim mesmo, bem simples. 

terça-feira, julho 24, 2012

Camaradas

Há poucas semanas, em Moscovo, logo atrás da Praça Vermelha, deparei com uma manifestação do Partido Comunista local, que agora já não é "da URSS". A minha incorrigível curiosidade por estas coisas fez com que decidisse aceder ao espaço vedado, que estava reservado para o comício (com prévia passagem por um estrito controlo de metais...), por forma a observar mais de perto o ambiente. Eram uma escassas centenas de pessoas, com muitas bandeiras e tarjas vermelhas, junto a um palco onde peroravam algumas figuras - ao que me foi dito para protestarem contra os malefícios da alternância entre Putin e Medvedev.

A memorabilia à venda tinha escassa graça, tanto mais que, para espanto dos vendedores, eu andava à procura de coisas do tempo de Stalin, para oferecer a um amigo que ainda é fã do "pai dos povos". 

Ao sair do inesperado evento, dei comigo a pensar que, desde há quase um século, o Partido Comunista continua a ser, na Rússia, a única força política com o privilégio de poder organizar livremente as suas manifestações públicas.

Para o meu amigo (ainda e sempre) estalinista, e na impossibilidade de lhe ofertar, como desejaria, um "recuerdo" do "Zé dos Bigodes" (cujo busto, note-se, continua a figurar junto à muralha do Kremlin), deixo esta fotografia da placa da "rua da ditadura do proletariado", que recolhi na ex-Leninegrado. Pelos vistos, é quase tudo quanto que vos resta, "tovarich"...  

quarta-feira, julho 18, 2012

Viana

Viana do Castelo é uma terra à qual o nome de Pedro Homem de Melo ficará para sempre ligado, quanto mais não seja pelo poema que Amália cantou e que a imagem mostra.

O poeta tinha uma casa em Cabanas, perto de Afife, a poucos quilómetros da cidade. Hoje, ao passar na praça da República, lembrei-me de uma história que o meu pai, testemunha presencial, sempre contava.

Pedro Homem de Melo passeava-se com amigos. Do outro lado da praça surgiu José "Rancheiro", uma figura conhecida da cidade, senhor de palavra fácil e de uma voz forte. E que, alto e bom som, fez ecoar pela praça o seguinte poema (cito de cor), que está num azulejo em Cabanas, junto à casa de Homem de Melo:

"O rio passa em Cabanas
por entre fragas
tão lindo
que mesmo que vá descendo
parece que vai subindo".

Acabada a curta declamação, José "Rancheiro" acrescentou, também bem alto: "Belo poema!". Ao que Pedro Homem de Melo, visivelmente lisonjeado, reagiu, com aquela voz rouca que tinha: "... dito por Vossa Excelência!".

Não deixava de ser bonito um certo cavalheirismo de um outro Portugal. 

quinta-feira, julho 12, 2012

Cova da Moura

Há semanas, em Lisboa, no Chiado, em frente à FNAC, entrei num táxi (para responder a um comentador: é verdade que ando muito de táxi, em Portugal) e disse ao motorista: "Leve-me à Cova da Moura, por favor". O homem voltou-se, olhou para mim com um ar de surpresa, e retorquiu: "À Cova da Moura? Desculpe, mas para aí não vou!".

Por um segundo, fiquei suspenso. O equívoco desfez-se quando percebi que o homem tinha entendido que o meu pretendido destino era um subúrbio com o mesmo nome, para lá de Benfica, na periferia de Lisboa, tido como um lugar altamente perigoso. Mas, afinal, eu estava a referir-me ao palácio da Cova da Moura, perto da avenida Infante Santo.

O palácio da Cova da Moura é um belo edifício, prémio Valmor em 1921, construído para moradia, que passou, em data que não posso precisar, a ter serventia pública. Em 1961, era aí que se instalava o Ministério da Defesa Nacional e nele teve então lugar a tentativa de "pronunciamento" titulada pelo general Botelho Moniz, que pretendeu, em abril desse ano, substituir Salazar na chefia do governo. Em 25 de abril de 1974, o espaço acolhia o Secretariado-geral da Defesa Nacional e foi escolhido para sede da Junta de Salvação Nacional. Como militar, nomeado assessor de um dos membros dessa estrutura de liderança formal da Revolução, aí estive por alguns meses, até que a Junta desapareceu, na ressaca do chamado "28 de setembro", nesses tempos "quentes". Mais tarde, julgo que alojou a Direção-geral da Administração Pública, para, nos anos 90, passar a ser a sede da Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus. Aí trabalhei - bem! -  por seis anos e meio e por aí ainda tenho muitos e bons amigos - principalmente amigas, porque há muito mais mulheres que homens a tratar das questões europeias, vá-se lá saber porquê.

quarta-feira, julho 11, 2012

Contraditório

Por via de uma vida que me obriga regularmente, com algum gosto, a expor e debater ideias, fiz e continuo a fazer parte de painéis de um imensidão de colóquios, congressos, seminários ou coisas similares. Às vezes bem interessantes, outras vezes nem por isso.

Nesse mundo, há uma figura pública portuguesa, que já teve experiência governativa, com quem me cruzo, desde há muito. Temos visões políticas opostas, olhamos as coisas de maneira muito diferente, raramente coincidimos no modo de abordar as questões. Conhecemo-nos há mais de quase quatro décadas, temos modos muitos diversos de estar na vida e, por coisas que não vêm para o caso, cultivamos ambos uma espécie de insustentável tendência para nos "picarmos" em público. No meu caso, entretenho-me a procurar descortinar pontos que considero fracos no seu argumentário para depois os tentar desmontar de uma forma crítica, quase sempre sem me poupar a alguma ironia. No caso dele, julgo que é pior: quase nem precisa de ouvir o que eu digo para logo me atacar. Andamos neste "jogo" há anos.

Um dia, numa universidade americana, onde ambos éramos convidados para uma conferência, estávamos colocados em painéis diferentes, o que reduzia as hipóteses de um aberto conflito público. Eu fiz a minha apresentação, após o que a pessoa que dirigia a sessão abriu o debate ao auditório. Desse mesmo auditório, levantou-se então esse meu contraditor de estimação que, com ênfase, deixou logo claro que não concordava com o essencial do que eu tinha afirmado e com a perspetiva que eu defendera. E partiu daí para uma longa intervenção, disfarçada em pergunta, na qual, devo confessar, eu reconhecia muito pouco daquilo que tinha dito. Nada que fosse novo.

A meio dessa intervenção, sempre bem articulada e até com alguma graça, um colega de painel, creio que francês, disse-me ao ouvido: "Não percebo por que razão ele o está a contestar!". Divertido, respondi: "Não se surpreenda. É sempre assim. Já é uma velha história, entre nós". Ao que ele esclareceu: "Não é isso! É que ele não ouviu nada do que você disse. Ele entrou na sala no momento em que você estava precisamente a terminar a sua intervenção..."

Ontem, em Lisboa, cruzámo-nos, por acaso, e, naturalmente, saudámo-nos com a cordialidade conflitual que nos torna eternos adversários de estimação. 

A crise

Comentário de um taxista lisboeta, esta manhã, notando que o trânsito está mais fácil:

"Os que não sentem a crise estão de férias e, por isso, não andam de carro na cidade. Os que estão em crise também deixaram de andar de carro e nem têm dinheiro para fazer férias".

É capaz de ter razão...

sábado, julho 07, 2012

Maria José

A Maria José partiu há um ano, mas parece que nos faz falta há já muito mais tempo.

sábado, junho 30, 2012

Pousar em Elvas?

As fortificações e o centro histórico de Elvas foram ontem designados como "património mundial", numa reunião da UNESCO, que está a ter lugar em São Petersburgo. A saudável teimosia da autarquia local, ao longo de vários anos, foi o fator propulsor deste êxito, que confere a Elvas, a partir de agora, uma visibilidade internacional bem diferente.

Desta notoriedade vai, com toda a certeza, resultar para a cidade uma muito maior movimentação na área do turismo. Ironicamente, vale a pena perguntar se será por essa razão que as Pousadas de Portugal decidiram, há tempos, fechar a mais antiga de todas as Pousadas portuguesas - a Pousada de Santa Luzia, em Elvas -, que, nomeadamente, ficou conhecida como um dos marcos da restauração nacional? 

A propósito: será que as autoridades turísticas portuguesas já fizeram a conta às unidades da rede das Pousadas de Portugal foram alienadas (ou "franchisadas") desde que o grupo Pestana assumiu posição proeminente e, pelos vistos, preeminente na empresa? Custa-me muito ter de tratar, neste registo, um grupo hoteleiro de prestigio nacional, que, em particular, desenvolveu um notável trabalho no Brasil, e que então tive o maior gosto em apoiar. Mas, como cidadão "amigo das Pousadas", vejo-me obrigado a destacar a sua evidente responsabilidade na triste liquidação que tem vindo a ser feita de um dos mais ricos patrimónios histórico-turísticos que o nosso país possuía. Desde 1942. Até quando? 

quinta-feira, junho 28, 2012

Bolas!

Há países com azar? Há países com sorte? Nós temos azar e os espanhóis têm sorte? Isso só é assim na aparência. Tem azar quem não tem sorte e ter sorte é uma coisa que dá muito trabalho. As bolas não entraram, quando deviam ter entrado? Pois é, a isso chama-se futebol. Depende e não depende de nós.

Pronto, já passou! Vamos agora ao jogo do défice e da dívida. Esse é o "euro" que não quero perder.

segunda-feira, junho 25, 2012

Portugal no mundo

Um dos aspetos curiosos da vida como diplomata é observar o modo como Portugal é visto pelos outros, que imagem de nós está criada pelo mundo, o que ficou da nossa História em países cujo passado cruzámos. 

Há dias, ao efetuar uma diligência junto de um colega estrangeiro, e para além da eventual racionalidade daquilo que era a nossa pretensão, fui confrontado com a seguinte e espontânea reação: "Vocês podem sempre contar conosco! Eu nasci ao lado de uma fortaleza construída pelos portugueses. Desde criança que me habituei a admirar a vossa aventura pelo mundo".

Esta é uma riqueza não se mede em cifras do PIB e que, seguramente, vai durar muito para além da nossa dívida.

quinta-feira, junho 21, 2012

Portugal em Paris

Acaso seria "bonito" ver o embaixador de Portugal, Campos Elísios abaixo, buzinando em uníssono com dezenas de automóveis, cheios de portugueses com bandeiras e cachecóis, a comemorar a vitória de Portugal sobre a República Checa?

De facto, era capaz de não ser. Mas foi...

quarta-feira, junho 20, 2012

Grécia

Na história política grega, uma aliança governamental entre o partido conservador Nova Democracia e os socialistas no PASOK é um caso inédito. As raízes profundas de ambas as formações partidárias apontam para direções bem opostas, fruto de linhagens familiares próprias, de clientelas divididas e de outros fatores de "balcanização" em que a sociedade grega é useira. Só uma ameaça exterior (como será a da imediata bancarrota ou seria a da Turquia) terá levado a este quase milagre político, que se anuncia muito conjuntural.

Em Portugal, a experiência do Bloco Central (1983/1985), uma coligação governamental entre os dois maiores partidos que a democracia havia feito emergir uma década antes, acabou por se revelar uma solução positiva para garantir uma expressão de vontade política maioritária, capaz de enfrentar uma situação de grave emergência nacional.

A prazo, sabe-se que os modelos de "unidade nacional" têm os seus limites, em particular temporais, porque juntam "água e azeite", porque são contra-natura face à normal canalização individualizada de diferente projetos políticos e, muito em especial, porque têm como inevitável consequência fazer crescer as oposições que deles ficam fora, as quais sempre aproveitam para federar o descontentamento que a implementação de políticas impopulares sempre gera.

domingo, junho 17, 2012

As Europas

Hoje, há eleições legislativas em França e na Grécia. Se, nas primeiras, poucas incertezas há quando ao respetivo desfecho e às suas consequências em termos de orientação política do país, já ninguém tem dúvidas que, do que emergir das segundas, resultarão consequências muito importantes, e imprevisíveis, não apenas para a Grécia mas igualmente para todo o resto da Europa comunitária.

Uma das grandes fragilidades do projeto europeu continua a ser a sua dependência do curso da História em cada um dos países que o integram, dos diferentes calendários eleitorais, da força muito diversa dos governos que resultam desses mesmos processos internos, para além das naturais divergências entre os programas políticos sufragados pelos votantes nacionais, mobilizados por agendas de preocupações frequentemente muito afastadas entre si. Dir-se-á que não há muito que se possa fazer para obviar a isto: cada país tem a sua tradição constitucional própria, nalguns casos resultante de processos políticos bem anteriores à criação das próprias instituições europeias. Estas, aliás, quando foram instituídas, estavam muito longe de ter uma ambição, em termos de projeto político e económico, como aquela que marca a União Europeia de hoje. E, salvo em pormenores, as ordens constitucionais nacionais pouco se alteraram, por virtude da pertença ao projeto continental.

Desde há muito, todos temos vindo a dizer que a Europa deve aprender a viver com a sua diversidade, que é, indiscutivelmente, a sua grande riqueza. Mas se é verdade que os países não estão preparados para ceder no essencial das suas tradições constitucionais - e sendo isso verdade para um, sê-lo-á para todos -, deixando-se marcar por uma espécie de "template" europeu, criado em torno dos seus tratados, também não deixa de ser evidente que, cada vez mais, se torna difícil tomar decisões importantes no seio dessa mesma diversidade.

Que se há-de fazer? Ninguém sabe e, por isso, vamos andando, um pouco numa "navegação à vista", que dá aos cidadãos uma imagem de uma Europa à deriva, zigzagueando num insolúvel labirinto, imagem que naturalmente também os não mobiliza para entregarem ao projeto europeu o essencial do seu destino.

Isto não está fácil! 

quinta-feira, junho 14, 2012

Armamento

Estive hoje à tarde numa grande exposição internacional de material de defesa, perto de Paris. Portugal tem lá uma empresa, fabricante de veículos de elevada qualidade, já com contratos em curso com alguns países. Esta é uma área da nossa indústria que, ao que apurei, muito deve já à aprendizagem feita pela tropas portuguesas que têm estado envolvidas em operações de paz de natureza internacional, com grande honra para as nossas Forças armadas e com grande prestígio paralelo para o nosso país - muito em especial para a nossa política externa, convirá sublinhar.

Ao atravessar os imensos espaços onde se publicitam as vantagens de uma incrível gama de produtos para uso militar e em áreas de segurança, desde carros blindados a armas ligeiras e pesadas, numa impressionante parafernália de meios sofisticados de combate, dei comigo, subitamente, algo chocado ao olhar um video, repetido num écran, no qual se via o efeito fortemente destruidor de um míssil sobre um edifício. 

Estou longe de ser um pacifista radical, sei respeitar e defender as "guerras justas" e a necessidade do uso da força para impor os valores que consideramos fundamentais a uma ordem internacional mais justa, mas devo confessar que, por um instante, senti-me menos bem ao ver aquele filme laudatório de uma arma terrivelmente letal, quiçá idêntica às que, nos dias de hoje, liquidam a fome de liberdade dos cidadãos da Síria.

O mundo é o que é, mas isso não nos impede a que, por vezes, sintamos mais fundo as suas (e as nossas) contradições.  

segunda-feira, junho 11, 2012

Lusofonia

Ontem, ao falar com os promotores do festival cultural que, em Toulouse, é este ano dedicado à Lusofonia, dei comigo a pensar que este conceito, sendo hoje banal, era muito pouco utilizado há umas décadas atrás. Porquê? Porque afirmar um conceito se sugerisse como federador de realidades culturais suportadas, simultaneamente, pela antiga "potência" colonial e pelos novos países emergentes da descolonização era um risco que muito poucos arriscavam então assumir. 

Foi o 25 de abril, aliado ao bom-senso e à posterior "desmarxização" que levou à atenuação de uma agenda radical anti-portuguesa em alguns desses recentes Estados, que foi gerando este descomplexado sentimento comum que faz com que, nos dias de hoje, um cantor angolano, um escritor moçambicano, um cineasta português, uma bailarina brasileira ou sei lá quem mais de Cabo Verde, de Timor, de Macau, de S. Tomé, da Guiné ou das várias diásporas possam encontrar-se, e sentir-se bem, em conjunto. 

Se os outros, os estrangeiros, nos qualificam como lusófonos, quem somos nós para recusar esse epíteto? Viva a lusofonia, esse fundo de riqueza de países de onde sempre se vê o mar, com culturas saudavelmente diferentes e muitas vezes distantes mas que, no essencial, se reúnem, com uma cada vez maior naturalidade, à volta de uma língua - mas também de uma bacalhauzada bem regada ou de um pastel-de-nata.

domingo, junho 10, 2012

Toulouse e o Concorde

Uma história ligada ao Concorde - avião em que, infelizmente, nunca viajei - persegue-me, há anos.

Numa tarde do final do mês de julho de 1969, andava eu pelas ruas de Toulouse e, olhando para o ar, vi passar um Concorde. Até aí, nada de particular: perto de Toulouse ficavam as instalações da Aerospatiale onde se sabia que o avião supersónico estava a ser preparado. O primeiro e bem famoso voo de teste do primeiro protótipo do Concorde havia tido lugar em 2 de março desse ano, também sob os céus de Toulouse, sabendo-se que várias outras viagens experimentais tiveram lugar, a partir daí. Ao longo dos anos, em conversas, sempre referi a curiosidade de, naquela que fora a minha primeira visita a Toulouse, ter avistado o novo avião supersónico, bem antes ainda da sua entrada ao serviço comercial, que apenas ocorreu em 1976.

Mas a que propósito escrevo hoje isto? Por duas razões.

A primeira é porque temo que a história que me habituei a contar não seja verdadeira. Porquê? Porque, nessa deslocação, eu ia acompanhado de várias pessoas que, casualmente inquiridas mais tarde por mim, não têm a mais leve ideia de terem visto o Concorde, na ocasião. Pior do que isso, todas juram a pés juntos que, na altura, eu não terei feito a mais leve referência a esse facto. Terei sonhado? Como sabemos, há coisas que nos convencemos que ocorreram sem que tal tenha acontecido (Talvez um dia, como tira-teimas comigo mesmo, me disponha a tentar obter um calendário dos voos de teste do Concorde, cruzando-os com as datas dessa viagem. E mesmo assim...).

A segunda razão é mais simples, é de mera oportunidade. É que hoje e amanhã vou estar em Toulouse, primeiro para uma cerimónia na "Mairie" com a comunidade portuguesa e, depois, para um espetáculo por ocasião do lançamento do festival cultural "Rio Loco", que este ano a cidade dedica à Lusofonia. Só tenho uma certeza: não verei o Concorde nos céus de Toulouse, porque o avião deixou de voar desde 2003.

Eu, a Alemanha e a bola

Portugal perdeu com a Alemanha. Todas as pessoas que entretanto encontrei, desde essa hora, foram unânimes: podíamos ter empatado. Melhor!: com alguma sorte, até podíamos ter ganho. Pois é, mas, no final, perdemos. E, quando se perde - mesmo que estivéssemos "à bica" de ter empatado ou, mesmo, de ter ganho -, a verdade é que... perdemos.  Podia ter sido diferente, pois podia!, mas não foi.

Claro!, mas, c'os diabos!, perdemos contra a Alemanha da senhora Merkel, a Alemanha do velho marco (de que o euro é um mero pseudónimo em europês), a Alemanha onde fica o BCE e quem nele manda, a Alemanha que nos faz ver os eurobonds por um canudo! Todos sabemos que ganhar à Alemanha seria sempre muito difícil, que empatar até seria bem bom e perder (vá lá!) até já é quase normal. Não fica mal perder contra Alemanha em futebol (alguns, historicamente, teimam em não perder com a Alemanha noutros campeonatos), em especial quando, em "jogo jogado" (que saudades tenho do Gabriel Alves, que nos dizia isto tão bem, num futebolês suave, sem o MBA do inenarrável Rui Santos, a quem só falta usar o "alavancar" do léxico dos gestores espertalhotes), "não ficámos atrás". É verdade, saímos "de cabeça levantada", jogámos "taco-a-taco", aquela bola na trave esteve "quase lá"! Pois é. mas, desculpem estar sempre a lembrar isto, no final, perdemos!

Provavelmente, um embaixador português não deveria dizer este tipo de coisas, devia estar aqui "puxar" pelo ânimo do país, a ser tão otimista como um espanhol até ontem, até à véspera do pedido de resgate. Mas, confesso, já não tenho paciência - deve ser da idade, embora eu suspeite que é também por outras razões - para edulcorar os meus sentimentos profundos: enquanto nos não libertarmos desta miserável, e também miserabilista, linguagem "sportinguista", das "vitórias morais" e do "quase", não vamos lá. No futebol, aliás, como no resto.

Isto é Portugal, não no seu melhor, mas no seu real que, infelizmente, parece ser, de facto, o seu melhor. Um Portugal que é tão verdadeiro como o daquele "patriota" que, na assistência, exibia meio garrafão de vinho na cabeça, pintado a verde e a vermelho, "representando" o seu país. Significava um país que, não por acaso, também é o meu. Mas não havia no estádio alemães com cornos e capacetes ridículos? Claro que havia! Mas com o ridículo dos alemães posso eu bem... Porquê? Não percebem? Porque ganharam, caramba! Como o diria o Ricardo Araújo Pereira: "estou chateado? É claro que estou chateado!". Ainda não tinham percebido?

quarta-feira, junho 06, 2012

Sem agenda

Um dia, António Guterres explicou-me que "numa entrevista, a nossa pior frase será sempre o título". Sei isso bem, e, em geral, tenho-me precavido. Só não consigo evitar que títulos que se tornam deliberamente enganosos possam desvirtuar o que digo.

Hoje, leio na net: "Embaixador em Paris: Portugal sem agenda para a política francesa". Ó diabo, dirá qualquer leitor, particularmente aquele que nem chega a ler o texto. Então não temos "agenda"? Isso deve ser uma coisa má! Afinal, o que é que o embaixador anda a fazer por lá, sem "agenda"?

Vai-se ao texto e o que é que eu digo à Lusa: que Portugal não tem uma agenda nacional para projetar na política francesa. O que quer isto dizer? Quer dizer que a defesa dos interesses portugueses em França não passa pela afirmação de quaisquer reivindicações em matéria de execução de políticas que se reflita na ação legislativa das estruturas parlamentares que vão sair das eleições para a Assembleia Nacional, cuja primeira volta tem lugar no próximo domingo. No que eu disse, deixei uma única exceção: o nosso interesses em procurar sensibilizar o governo francês com vista a ver aumentados os lugares de professores de português no ensino oficial, por forma a garantir linhas de continuidade ao tratamento da língua portuguesa nos diversos patamares desse mesmo ensino.

Mas que se há-de fazer! Vender jornais obriga a estes jogos ilusionistas de palavras, a estas "jongleries" circenses para captar as atenções. Vale tudo!

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...