segunda-feira, julho 20, 2020

Dois amigos


Conheço Carlos Costa há bastantes anos. Recordo-me da primeira conversa que tivémos, em Bruxelas, a meu pedido, em casa de João de Vallera, no final de 1995, tinha eu acabado deve entrar para o governo. Ele era então chefe de gabinete do comissário europeu Deus Pinheiro e eu pretendia algum “insight” sobre os equilíbros dentro da Comissão. Ao contrário de alguns outros portugueses que operavam nas instituições comunitárias, que se deliciavam a afirmar a sua “neutralidade” perante os interesses do país de onde eram originários (não me obriguem nunca a usar a memória sobre isto, por favor!), Carlos Costa foi sempre de uma grande lealdade face a Portugal. Acho que já posso revelar que, durante a delicada negociação da Agenda 2000 (o quadro financeiro plurianual entre 2000 e 2007, cuja negociação foi concluída em 1999), o tivémos em “alta voz”, numa chamada telefónica de Bruxelas, com Guterres como interlocutor, num conselho de ministros. Não tenho competência técnica para me pronunciar sobre o seu papel como governador do Banco de Portugal, mas não me custa admitir que possa ter cometido, com a sua equipa, alguns erros na forma e no tempo das suas funções de regulação. Mas tenho a certeza absoluta de ser um homem que sempre agiu, bem ou mal, tendo o interesse do país como referente da sua ação. Envio-lhe um abraço de amizade, neste momento.

Mário Centeno é um conhecimento mais recente. Fizemos dupla num debate, na Universidade Nova de Lisboa, creio que em 2013, sobre o processo de ajustamento da Troika. Nunca antes o tinha visto, embora tivesse lido coisas que publicou. Disseram-me então que era um quadro superior do Banco de Portugal e lembro-me que me impressionou pela simplicidade culta e profunda com que desenvolvia os seus argumentos. Voltámos a cruzar-nos em bastantes outras vezes, a partir de então. Mário Centeno demonstrou, nos anos seguintes, toda a sua capacidade técnica, mas também política, quando soube desenhar, com maestria, a planificação orçamental que permitiu compatibilizar o cumprimento estrito das obrigações europeias a que o Estado português estava comprometido com as medidas de política que permitiram ao PS garantir um apoio parlamentar, ao longo de toda a legislatura. Não foi só o país que apreciou o trabalho de Centeno: os seus colegas do Eurogrupo deram-lhe a presidência desse órgão, o que representou, simultaneamente, um raro reconhecimento e uma forte prova de confiança. A sua ida para o Banco de Portugal não é um prémio: é algo que deveria ser uma coisa óbvia para o país. Por mim, quero enviar-lhe uma saudação de amizade, com votos de muitas felicidades.

Só a medíocre chicana política em que está mergulhado o debate público em Portugal pode justificar a polémica que se criou a propósito da ida de Centeno para o Banco de Portugal. A inveja, o despeito e o horror ao sucesso alheio, que fazem parte da matriz comportamental de muita gente que por aí vegeta, no tempo que vivemos, procuraram criar obstáculos a que o antigo ministro das Finanças viesse a ter o destino a que melhor estava destinado. Ainda bem que António Costa não hesitou nunca nessa decisão. E que o presidente da República o apoiou. 

Ao que se sabe, Carlos Costa e Mário Centeno não são, entre si, os melhores amigos do mundo - e isto é um “understatement”... A mim, dá-me prazer tê-los a ambos como amigos.

5 comentários:

Anónimo disse...

Estou estupefacto! Então, agora, já mudou de opinião sobre a missão dos portugueses em organismos internacionais? A sério? Bem vindo à razão! É que, até aqui, só o vi a "desdenhar" daqueles que acham que os portugueses em cargos internacionais estão lá para servir Portugal!

Anónimo disse...

Olhei para a fotografia e veio-me à cabeça "lavar as mãos"...

Jaime Santos disse...

Carlos Costa deixou, Sr. Embaixador, um rasgado elogio a Centeno quando admitiu que tinha certamente as qualidades necessárias para ser seu sucessor. Isso mostra grandeza e uma capacidade notável de leitura dos tempos políticos.

Não acho que tenha sido um bom Governador, mas também sei que juridicamente lhe faltavam os instrumentos perante a hecatombe do BES. Deixa melhor impressão que Vítor Constâncio. Seja como for, coube-lhe a ele desempenhar a amarga tarefa que deveria ter cabido a Passos Coelho...

Ou seja, teve que ter, enquanto Governador, uma coragem que faltou aos políticos. E só por isso merece um aplauso...

Tomás L. disse...

Centeno é certamente uma pessoa com um bom currículo para o cargo, mas a questão não é essa.

Os Bancos Centrais têm de ser independentes. Um ministro de um governo não deveria poder obter um cargo tão importante no Banco de Portugal. Existe um conflito de interesse enormíssimo.

Anónimo disse...

No tempo do governo do Dr. Cavaco e da bancada parlamentar do PSD (BP e CMVM), iam e foram de avião a jacto. Não ouvi, nem a ponta de um corno. ...E o burro sou eu?

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