quarta-feira, julho 01, 2020

O futuro do Turismo



Na minha vida como diplomata, a divulgação das virtualidades do turismo em Portugal fez parte, com a promoção do comércio e a captação do investimento estrangeiro, do "triângulo" permanente da nossa ação económica externa. Em quase quatro décadas de profissão, com ciclos políticos muito diferenciados, esse módulo de interesses permaneceu constante, com maior ou menor alocação de meios para o impulsionar.

Devo confessar, contudo, que a explosão turística da última década constituiu, para mim, uma imensa surpresa. Se bem que, teoricamente, pudéssemos conceber que Portugal estava a reunir um conjunto invejável de atrativos para captar turistas estrangeiros - da segurança pública à qualidade da rede hoteleira, da afabilidade à gastronomia e vinhos, do sol & praia à rara especificidade dos novos destinos (Douro, Açores, turismo verde) - havia sempre a ideia, felizmente errada, de que outros conseguiriam suplantar-nos nesse campeonato.

Ainda há menos de uma década, como embaixador em Paris, tutelei várias campanhas para conseguir motivar os franceses a visitarem o nosso país. Os números de crescimento eram prometedores, mas nada que indiciasse o "surto" que veio a verificar-se.

Desde o início do desconfinamento, tenho visitado algum Portugal turístico. Já estive instalado em hotéis, fiz algumas refeições em restaurantes. Mas, como produto de essa experiência, quero dizer que estou cada vez mais apreensivo com os efeitos da pandemia na nossa indústria turística.

Olho, com profunda admiração, a reconversão estoica das unidades hoteleiras, que ousam abrir portas num mercado rarefeito, quase sem estrangeiros. Tenho apreciado o esforço fantástico de muitos restaurantes, não obstante os custos de adaptação ao rigor das exigências sanitárias. E posso imaginar o efeito que a atual situação acarreta para setores como os transportes, as indústrias de lazer e um conjunto de muitas outras atividades colaterais.

A prolongar-se o presente estado de coisas por muito tempo, é quase certo que vamos ter um recuo muito forte num domínio que representava já uma fatia muito importante da nossa riqueza nacional. E da nossa identidade.

Sei que alguns apoucam e desprezam o setor turístico português, que o olham com sobranceria, que acham agora graça às ruas desertas de estrangeiros. Talvez esses "génios" pudessem informar-nos onde Portugal pode ir buscar um produto substituto para captar recursos para o país.

PS - Deixo aqui uma palavra de saudade pelo fim da "Casa Aleixo", um marco histórico na restauração do Porto.

9 comentários:

António disse...

Podíamos ser uma potência tecnológica. Podíamos ser uma força pesqueira com os recursos do muito mar que temos. Podíamos ser um hub portuário entre o continente americano e europeu. Em vez de nos fiarmos só no que Deus nos deu, e que nos pode tirar a qualquer momento, como se está a ver.

Anónimo disse...

E não olhará FSC com sobranceria aqueles que, pura e simplesmente, não gostam de ver as suas cidades transformadas numa espécie de parque de diversões? Gosto e razão não têm de andar de mão dada (como sabe qualquer sportinguista).

Paulo Guerra disse...

O Turismo em si é uma actividade económica, ponto. Que como diz o Sr. Embaixador e muito bem, já com uma grande expressão no PIB e sobretudo na balança comercial. E com uma enorme margem de crescimento em quase todo o território nacional. E nunca devemos esquecer que a dívida externa é há muito tempo o maior problema da nossa economia.

Nem devia ser diferente, para qualquer um que trabalha no sector, servir um estrangeiro ou um nacional. O que não deixa de ser triste é ainda hoje a maioria dos portugueses não terem rendimentos suficientes para se hospedarem em muitas das novas instalações turísticas. Mais descaradamente em paraísos como a Madeira para os madeirenses. Mas isso não é um problema do sector do Turismo que trabalha sempre para a procura global mas um problema estrutural do país. Os baixos salários, o maior cancro da economia portuguesa.

O que também se pode tornar um problema e também não vale a pena tentar escamoteá-lo, é a sobrelotação em algumas regiões pelos desequilíbrios que provoca e/ou acentua. Também para o próprio turismo. O que não faltam no mundo são destinos turísticos completamente exauridos por muita ganância e muito pouco travão. E já aqui ao lado em Espanha, algumas estâncias que assistiram a um grande boom de um dia para o outro e nunca tiveram tempo nem vontade para criar infraestruturas que suportassem ¼ do turismo que tiveram de suportar durante muito tempo.

Os booms têm muito que se lhe diga em quase todas as actividades e devem ser geridos sempre com pinças. E podem acontecer em qualquer parte do mundo como em Portugal. Nomeadamente até nas nossas duas maiores cidades. Barcelona também é muitas vezes citada como demasiada assoberbada de turistas. Eu julgo que Lisboa e Porto ainda estão muito longe disso. Um excesso de AL muito pontual nem de longe nem de perto equivale a um excesso de turistas numa determinada cidade. Mas era bom que aquele que foi considerado internacionalmente como o melhor destino do turístico do mundo nos últimos três anos consecutivos, antes da pandemia, também estivesse atento a uma das maiores problemáticas do próprio sector. O fundamental é continuarmos sempre a perceber em que cidade estamos. Porque já há muitas ruas iguais, sempre com as mesmas "griffes", em muitas cidades europeias. Como diziam os antigos, tudo deve ser gerido com conta, peso e medida. Quase tudo, digo eu.

Afonso Brás disse...

Exmo. Senhor Embaixador,

Escrevo-lhe a pedido de um grupo de Professores da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa para lhe perguntar se seria possível disponibilizar-nos o seu endereço de email, com o objetivo de lhe dirigirmos um convite formal para participar num Curso como orador.

Tentamos obter o email do Senhor Embaixador, mas sem sucesso, razão pela qual lhe dirigo esta mensagem.

Muito obrigado, desde já.

Com os melhores cumprimentos,

Afonso Brás

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Afonso Brás. Preferia que me contactasse por mensagem no FB ou que me desse o seu email

Anónimo disse...

os tempos são de incerteza
deixo aqui votos de muita força e de ânimo aos nossos governantes e aos representantes dos partidos políticos para que, em conjunto com as organizações e entidades económicas,
não baixem os braços, na procura de soluções para os vários desafios que se apresentam
à economia e aos portugueses,
desejando a todos coragem e sucesso
e que, com os profissionais de saúde e agentes de segurança, garantam que haverá saúde e condições de bem-estar para a população do continente e das ilhas
muito obrigado

Paulo Guerra disse...

Se me for permitido um off-topic actual e que nem está assim tanto desligado do assunto do post. Nunca é fácil a um país enviado para os braços do FMI pela própria UE, portanto com tantos problemas para resolver, nos bancos, ao nível do desemprego, etc, etc, etc, pensar em tudo e mais alguma coisa ao mesmo tempo. Sobretudo porque nunca há disponibilidades financeiras para tal num país tão endividado.

Mas acho muito sinceramente que Lisboa tem um grande problema com a habitação há décadas. E o Sr. Medina, em vez de andar a fazer de Rui Moreira, que tão bem criticou ainda há muito pouco tempo, clamando por mais união para superarmos a pandemia, devia pensar mais nas políticas públicas camarárias de que a capital tanto precisa e menos em servir de papagaio a alguém. Sobretudo quando também conhecemos todos os cortes a que tem estado sujeita toda a administração pública em geral e a área da saúde muito em particular nas últimas décadas em Portugal.

E sobretudo depois da excelente resposta à pandemia dada pelas nossas autoridades da saúde, que eu até me atrevo a dizer, poucos estariam à espera. E diga o Sr. Medina o que disser, já todos devíamos ter percebido que os recentes números referentes à pandemia em Lisboa – que eu continuo a pensar que não são tão anormais como isso num cenário de desconfinamento – ainda assim têm muito mais a ver com problemas estruturais da região do que com algumas falhas das autoridades de saúde.

Nomeadamente as bolsas de pobreza na periferia relacionadas com a falta de políticas de habitação social. Mas que também se fazem sentir na cidade. Onde evidentemente ninguém gosta de ver o património edificado a ruir mas onde muitas vezes não se verificou o equilíbrio necessário com vista a proteger e manter os que mais precisavam. A verdadeira alma da Capital. Daí algumas limitações por parte da CML – é bom dizer - e nomeadamente ao AL, mais associado a um tipo de turismo que nem representa uma mais-valia por ai além mas que já surgiram muito tarde.

Afonso Brás disse...

Senhor Embaixador,

Muito obrigado. Já tinha tentado pelo Facebook, mas sem sucesso. Aqui fica o meu email: afonsobras@fd.ulisboa.pt.

Mais uma vez, muito obrigado.

Afonso Brás

Luís Lavoura disse...

Concordo totalmente com este post. Também eu estou muito preocupado. Por um lado com o desemprego brutal que se avizinha em regiões que eram quase totalmente dependentes do turismo, como o Algarve e a Madeira. Por outro lado com o rombo brutal que a nossa balança de pagamentos externa está a sofrer.
Não vale a pena ter ilusões, este verão está em grande medida perdido.

O futuro