quarta-feira, julho 15, 2020

Lembram-se?


Alguns não se lembram, outros nem se querem lembrar, muitos desconhecem. Por esta época, nas revistas “do social”, era o período áureo das festas de verão, dos “dias nacionais” das embaixadas lisboetas, dos que “recebiam”, era o início dos eventos chiques da “saison” algarvia, um mundo cheio de nomes sonantes, uns porque sim, outros porque eram repetidos à exaustão. A Comporta só veio mais tarde, o Norte nunca foi muito “in”, salvo no registo de quem ia para os nevoeiros nobilitadores do Moledo.

Era o Portugal “dourado” da época, assente nos fundos europeus e na nova classe política, nas fortunas antigas ou no dinheiro novo, das empresas na moda aos ”cromos” da noite de Lisboa. Era o estatuto do novo regime. 

Em noites resplandecentes, eles viam-se de smoking ou de calças vermelhas e camisas abertas até à cruz no peito, elas surgiam “produzidas”, longos cabelos loiros, peles escurecidas, sorrisos de circunstância, guarda-roupa muito cuidado. Alguns lutavam para aparecer nessas ocasiões e para a sua presença ser citada, às vezes notados pelos “nicknames” que eram meio caminho andado para o reconhecimento. Os menos poderosos e mais arrivistas metiam cunhas aos fotógrafos ou a umas senhoras, reverenciadas e mimadas por quem queria aparecer, que iam dando indicações sobre de quem guardar a imagem para essa efémera posteridade, se me permitem a contradição. Outros estavam lá pela ordem natural dessas coisas, pelo apelido, pela “função” social, porque era assim. Depois, com maior ou menor destaque, lá saíam todos, ao final da semana, em papel “couché”, no “Olá Semanário” e revistas parecidas, num arremedo do que se fazia em Espanha, uma terra com mais aristocracia e mais “grandes” para mostrar.

Nos dias de hoje, a “Olá”, que até chegou a ter alguma graça, desapareceu já há muito, mas surgiram entretanto os seus sucedâneos, mais modestos mas, nem por isso, menos coloridos e a puxar para o glamoroso iluminado. Era um tempo em que ainda apareciam crianças nas fotografias, hoje, pudicamente, mostradas com as caras glicerinadas, como nos quadros do Noronha da Costa. 

A sociedade - que, a certa altura, tinha já sido substituída por reportagens de casamentos e batizados de ignotas famílias, que pagavam o frete a metro - deixou definitivamente o lugar aos atores e atrizes das telenovelas, aos futebolistas, às figuras televisivas, aos saídos dos “big brother”. Reportam hoje separações, óbitos, azares, doenças, namoros, ciúmes, intrigas, perdas de emprego, programas que começam ou acabam, coisas assim. Para quem não segue muito esses mundos, chega a não ser fácil saber quem é essa “beautiful people” de nova extração. Mas que há quem ainda goste, lá isso há!

Por que me lembrei disto? Foi ontem, ao ver nas televisões as imagens de arquivo do caso BES. Recordei-me que há um mundo que, por um novo e receoso pudor, temente à inveja que campeia e à crítica raivosa da ostentação dos outros, tida como ofensiva para as desigualdades, passou a viver as suas festas atrás de muros e a ter uma vida social em voz mais baixa. Hoje, mostrar os cavalos ou os carros de última gama, as festas de champanhe e caviar, ostentar as jóias e tudo o que possa ser lido como sinais exteriores de riqueza, como belas mansões e até excessiva alegria passou a não estar no “l’air du temps”, no politicamente correto. É uma hipocrisia, deixemo-nos de coisas!, mas é assim mesmo. Essas pessoas passaram a ter de ser mais discretas, mais contidas na exposição da sua imagem. É a nova vida!

5 comentários:

Dulce Oliveira disse...

Olhe o que se foi lembrar!
A Olá era uma referência da gente bonita da nossa praça e eu "papava" todas as festas, casamentos e baptizados que por lá desfilavam.
Eram muitas as kikis, cocós etc seguido de apelidos sonantes que mostravam as suas toilettes e penteados.
Era bonita a Olá
Nunca mais se fez nada parecido embora se vá tentando, mas com fraco resultado
:))

Anónimo disse...

Pois é....”recordar é viver” mas, tem toda a razão foi s altura em que começaram a surgir os kitsch montados nos fundos europeus que foram atribuídos sem qualquer critério e eram, por isso aplicados em sinais exteriores de riqueza. A “sociedade” convivia de forma um pouco incomodada com esta nova classe que, de “classe” na maior parte das vezes tinha muito pouco! Contudo em família a Olá era um belo entretenimento. A descrição sempre existiu num
Meio muito restrito, hoje alguns praticam-na mas porque os seus automóveis/Joias/ etc...serem de proveniência muito duvidosa! Contudo entre muros exibem sem qualquer pudor o último modelo e exibem ainda uma arrogância bacoca...enfim! A classe está com quem sempre a teve, felizmente!

Luís Lavoura disse...

Essas pessoas passaram a ter de ser mais discretas, mais contidas na exposição da sua imagem.

No outro dia, numa edição da revista Economist, dizia-se que na Suécia, ao contrário daquilo que acontece noutros países, os milionários - há suecos extremamente ricos - não são mal vistos nem objeto de inveja ou rancor. E dizia-se que uma das causas para isso é que os milionários suecos são modestos, são vistos a comer em restaurantes vulgares, circulam em carros normais, não se dão ares.

Lúcio Ferro disse...

Corrosivo, absolutamente corrosivo. ^_^

josé ricardo disse...

A palavra hipocrisia é aqui bem tomada. Anexo-a ao que se passa com as críticas que o douto juiz Carlos Alexandre tem sido alvo por parte de todos os especialistas (somos todos, não é verdade?) que conjuram com as recentes decisões por ele tomadas, principalmente no caso EDP. Carlos Alexandre passou a ser justiceiro, copy paste, impreparado, doutrinário, exagerado, raivoso, etc. Não existe um jornalista que se questione: e com Sócrates? Po onde andavam essas críticas e esses críticos da especialidade? Seria outro Carlos Alexandre que, por sinal, também era juiz?

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