Desde que, há cerca de três anos, regressei definitivamente a Portugal, tenho vindo a ser convidado a estar presente em colóquios ou palestras, sobre temas em que, aparentemente, se considera que posso dar alguma contribuição com interesse, normalmente sobre temas de natureza internacional, mas não só.
Na medida da minha disponibilidade, faço-o sempre com gosto, embora algumas dessas prestações deem, por vezes, bastante trabalho a preparar. Não raramente, esses eventos têm lugar fora de Lisboa, implicando deslocações, por vezes longas e cansativas. Nesses casos, quem convida prevê, muitas vezes, alojamento e, em algumas ocasiões, as refeições e o transporte. Porém, só em situações muito pontuais a presença nessas tarefas inclui o direito a uma qualquer remuneração, ainda que pequena, ou o pagamento de um qualquer per diem.
A experiência mostra que, em muitos países, as coisas se passam de forma diferente: quem é convidado a falar recebe, por regra, uma remuneração por esse trabalho, por vezes mesmo uma quantia significativa, outras vezes um valor pouco mais que simbólico. Mas há quase sempre um determinado montante, às vezes umas escassas centenas de euros, como forma de retribuir o trabalho executado. Por vezes, como já me aconteceu nos Estados Unidos, na Polónia, na Coreia do Sul, na Alemanha e em outros lugares, torna-se mesmo obrigatório aceitar esse montante, não podendo os oradores dispensá-lo.
Por que será que, entre nós, as coisas se passam quase sempre como se fosse natural que o trabalho pro bono devesse ser a regra? Será que se considera que somos nós que nos devemos sentir honrados com o convite? Nesse caso, "à la limite", talvez devêssemos ser nós a pagar alguma coisa! Ou será porque se entende que quem é convidado a falar tem recursos suficientes para dispensar ser recompensado pelo seu esforço? Conheço pessoas que, entre nós, já só se disponibilizam para falar em público mediante remuneração. E, infelizmente, também já assisti a casos em que oradores não remunerados estavam sentados lado a lado com outros pagos para a mesmíssima tarefa.
Posso perceber que, tratando-se de instituições sem fins lucrativos ou de natureza beneficente, a gratuitidade possa ser solicitada. Mas já compreendo menos bem que, quando há uma "sponsorização" dos eventos, por parte de entidades públicas ou de empresas, neles não esteja prevista uma qualquer remuneração para os oradores, repito, mesmo que não seja muito elevada. E em especial não consigo entender muito bem que, quando os organizadores desses eventos são profissionalmente remunerados para os prepararem e gerirem, possam legitimamente pedir a alguém que convidam para falar que se disponibilize a nada receber.
Lembrei-me disto ontem, aqui em Roma, onde vim falar a convite de uma determinada entidade. Transportes (mesmo em Lisboa, até ao aeroporto e no regresso a casa), alojamento e todas as horas de trabalho que executei foram devidamente compensadas monetariamente. Não foram números muito expressivos, mas representam o respeito devido pelo labor na preparação de uma conferência e em algumas horas de debate especializado.
É assim que as coisas devem ser e espero que, cada vez mais, entre nós também comecem a ser assim.
18 comentários:
Embaixador, estou de acordo consigo. Muitas instituições usam e abusam de quererem uma espécie de trabalho voluntário por parte das pessoas. Além de tudo é um desrespeito pelo trabalho que essas pessoas tem em preparar os temas, mas enfim.
Pois... não querer remunerar justamente ou mesmo totalmente o trabalho dos outros é algo que actualmente está muito enraizado em Portugal e em practicamente todas as actividades. Sim, há por ai muito artista que não só se sente um benfeitor por dar trabalho para lhe fazerem, como ainda acha que deveria ser remunerado por isso.
Eh eh eh :) O senhor Embaixador não imagina a quantidade de trabalhos que já "perdi" por não aceitar realizá-los de graça! Chamo-lhes trabalhos de "era só...": eram só dois riscos, era só um bocadinho, era só ir e vir, etc. Curiosamente, os mais useiros pedinchões são profissionais de outras áreas que "só" levam couro e cabelo.
Enfim, neste "ramo" também há os "gagne-petit" e os outros! Como vivo a uma hora e meia de auto-estrada, vou frequentemente a Genebra assistir a palestras, por vezes na SDN e algures. Por vezes interessantes e outras sofríveis. Mas aprendo sempre algo.
Pergunto por vezes o que é que Sarkozy pode e é capaz de "alinhar" como textos, quando vai aos países árabes e não só, proferir palestras pagas a 100 ou 200 000 $ cash. Ele, que não fala uma só língua estrangeira ( eu sei, há a tradução simultânea !) mas que mesmo na sua língua faz arrepiar os cabelos aos linguistas franceses,
Os temas escolhidos pelos organizadores, penso eu, devem quadrar com os objectivos visados e a competência dos conferencistas.
Quando assisti em Montpellier a uma conferência sobre as" « Contraintes économiques, vulnérabilité et précarité »., não tinha nada a ver com o tema "Conférence débat sur la fin de vie" , ou " Ecologie et existence : de l’éthique à la politique" !
Mas o interesse era o mesmo, isto é, de alta qualidade, porque os animadores dos debates eram de qualidade.
Mas Sarkozy ! O que é que ele pode dizer sobre estes temas? Nada! Mas tenho a certeza que ganhou muito mais em Doha que os participantes de Montpellier e Genebra.
Quando foi convidado por um banco brasileiro a fazer uma conferência em Nova Iorque, N.Sarkozy entrou no clube dos conferencistas de luxo pela grande porta: Falava-se de 100 000$ para 40 minutos de bla-bla sarkosiano!
Sabendo que Morgan Stanley tinha pago 580 000 a Clinton, e 450 000 a Tony Blair , a depreciação do tenor francês é justificada.
Nunca consegui saber se o Tony Blair quando veio ao Estoril conseguiu explicar a famosa teoria dos mísseis de Sadham que atingiriam Londres em 40 minutos ! Foi pago para isso!
Quanto a Sakozy , a sua motivaçao essencial não é, nunca foi e nunca será o dinheiro! Se "se" aumentou o salário ao entrar para o Eliseu foi por distracção...
Em conclusão, espero que o Senhor Embaixador seja remunerado com justiça, pelo menos entre os dois anglo-saxões!
E o normal em Portugal,quem faz alguma coisa ,e um dever ,se por alguém alvitrar ,que deve ser
remunerado ,cai o Carmo e a trindade ,só pensam em borla não dando qualquer valor ao trabalho
realizado , em qualquer profissão.
A propósito, seria bom saber como são, ou eram, renumerados os comentadores da nossa TV. Aí, bem pode dizer-se que eles "matavam dois coelhos com uma cajadada"... a presença, e os benefícios futuros...
Sr.Embaixador
por outro lado, não sendo pago terá mais liberdade no discurso, pois só obedece à própria consciência e não poderá ser acusado de ser manipulado por lobbies que puxam os cordelinhos na sombra, por trás dos eventuais cortinas :)
isso digo eu que não faço essas viagens :)eh eh eh
não pagam, não há circo. o seu problema é querer ser convidado e receber pela tabela sarkozy. há para aí muito engenheiro que sobrevive com o ordenado mínimo ou menos e ainda passa recibos verdes sem lamúrias.
Li uma vez um texto em que uma escritora se queixava desses convites para trabalhos não pagos. E quando com alguma má consciência se tentava esquivar indicando o nome de outra pessoa, recebia por vezes uma resposta pouco lisonjeira, que já tinham contactado essa pessoa que infelizmente não estava disponível, revelando assim que ela não era a primeira escolha...
Ouvi de uma concorrente portuguesa, bem classificada por sinal, no festival europeu da canção, dizer que actuou na Alemanha, num qualquer circulo restrito, e que no final lhe pediram para passar por um gabinete para receber os seus honorários, coisa com que ela não contava e nem queria receber o que muito os preocupou tendo acabado por aceitar com algum constrangimento, somos assim, os portugueses.
JC
Sr. Embaixador,
Nem parece seu.
Quantos milhões de horas se trabalha a mais em Portugal, no público e no privado, sem qualquer euro adicional? E quem se queixar é muita vez convidado a ir embora, pois há muitos desempregados que não se importam.
É só escolher do Algarve a Trás-os-Montes.
Há uns anos, fui contactada por um colega de uma instituição portuguesa no sentido da equipa a que eu pertencia vir a integrar um projecto a ser financiado pela FCT. Não escondeu claramente que a nossa instituição tinha peso internacional, pelo que essa colaboração seria muito bem vinda. Acordámos colaborar e acordámos um orçamento para deslocações, previsto nos regulamentos do concurso, que foi submetido juntamente com a proposta. Financiado que foi o projecto, tinha havido mudanças no orçamento, em parte da parte da FCT, mas também na forma como ele, como investigador principal, tinha decidido redustribuí-lo, pelo que nos oferecia um total 250 euros (sim, duzentos e cinquenta euros no total) de orçamento para cobrir viagens, alojamento, etc para dois investigadores da nossa equipa se deslocarem a Portugal para trabalharem no projecto, que tinha a duração de três anos. 'Sabes, em Portugal temos que pagar para investigar. E não te esqueças do prestígio que este projecto vos vai dar!'. Isto foi bem antes da actual crise e nós estávamos bem informados sobre outras colaborações de sucesso, com base em orçamentos razoáveis, com instituições internacionais no âmbito daquele programa. Desvinculámo-nos. E explicámos por carta formal porquê à respectiva instituição e à FCT. Das quais nunca recebemos qualquer resposta. Mais tarde soubemos que colegas de outras duas instituições portuguesas se tinham também desvinculado do projecto. Há realmente uma cultura de não valorizar o trabalho. Mas é também alimentada por desonestidades pessoais e institucionais - com aparente desinteresse por parte da instituição que tem por missão regular a área.
Em Portugal, boa parte da investigação em ciências humanas e sociais é feita de forma graciosa, por investigadores que não recebem um tostão e que se deslocam a conferências e colóquios pagando todas as despesas do seu bolso. Sabe-o qualquer pessoa minimamente informada. Aliás, o Senhor Embaixador seguramente tem conhecimento do facto, dada a sua ligação à FCSH da UNL, (ligação essa sobre a qual penso não estar equivocado). Sabe qual o montante, em regra, conferido pela FCT para a realização de um evento académico com as características dos atrás mencionados? Há uns anos ia-se pelos mil euros, agora... Tem razão quando se insurge contra o facto não haver um fee para os oradores nesses acontecimentos, mas recordar-lhe-ia que mesmo assim sempre recebe do Estado uma pensão de reforma. Para quem se orgulha - e muito bem! - de serviço público...
Em Roma percebe-se aliás que Renzi na liderança da Comissão não é uma blague e que os ataques a Juncker não vêm por acaso.
Parece-me que basta dizer: Tem razão!
Francisco F. Teixeira
Ouvi hoje dizer que em Portugal os ensaios clínicos não são remunerados porque é proibida por lei a sua remuneração. Em França são remunerados. Deve ser em parte por isso que se realizam muitos ensaios clínicos em França mas poucos em Portugal. As pessoas não estão para que o seu corpo seja utilizado à borla.
Sr. Embaixador:
Estou plenamente de acordo com o teor do seu texto.
Mas importará dizer que esta situação não é única e, sequer, exclusiva de Portugal.
Sendo amante da fotografia, lá vou tirando uns "bonecos" que vou publicando num site fotográfico e, evidentemente, vou vendo com interesse outros sites dedicados ao mesmo tema.
E já me sucedeu - como a muitos outros postadores de fotografias e a fotógrafos - ser contactado por variadas entidades, nacionais e estrangeiras, nomeadamente revistas de caracter turístico e promocional de viagens - a solicitarem autorização para utilização dessas mesmas fotos nas suas publicações, mas a título gratuito.
Quando se lhes responde que a concessão de tal autorização importará o pagamento de uma quantia - por menor que seja - logo se mostram desinteressadas da mesma, a maior parte das vezes não dando qualquer resposta.
18 de Janeiro 2016
Com os melhores cumprimentos
José Rodrigues
Francisco
Há muito que sigo esta regra : trabalho para fins solidários ou para ajudar amigos é gratuito. O restante é pago.
Abro a excepção de diminuir o meu preço quando se trata de instituições de cunho cultural e que sei terem algumas dificuldades.
É público, não o escondo e não me envergonho de me fazer pagar pelo meu trabalho, porque é dele que vivo.
Enviar um comentário