A tensão há muito latente entre a Arábia Saudita e o Irão teve expressão, por estes dias, em alguns graves incidentes, provocados por Riade e reagidos por Teerão. Há riscos de que as “cabeças” das duas grandes obediências islâmicas (respetivamente sunita e shiita) possam vir a protagonizar um novo conflito na região. E, talvez mais importante do que isso, a limitar a concentração dos esforços internacionais no combate ao Estado Islâmico.
A destruição política do Iraque como Estado unitário, pela ação irresponsável da administração Bush, fez desaparecer um contraponto a um Irão que, nesse vazio, descortinou uma oportunidade de afirmação da sua histórica ambição. Se o programa nuclear iraniano parece hoje controlado, na vertente militar, graças ao acordo obtido por força das sanções, alguns Estados da região - a começar pela Arábia Saudita e a acabar em Israel – continuam muito pouco sossegados com os respetivos termos.
O Irão, se bem que ainda debilitado e com o preço do crude a não ajudar, começa a fazer o seu caminho de regresso ao estatuto de potência regional. Ao afirmar a liderança da corrente shiita entre os muçulmanos, que está presente em vários tabuleiros políticos da área - do "novo" Iraque à Síria, do Hezzbolah libanês ao Iemen e ao Bahrein, Teerão reassume a sua capacidade de influência. E o seu estatuto de novo “parceiro” no conflito na Síria, que os países ocidentais parecem tender a reconhecer-lhe, irrita os seus tradicionais inimigos locais.
O principal dentre eles é a Arabia Saudita, país que se sentiu, por muitas décadas, sob uma espécie de "guarda-chuva" ocidental. Decisivo fornecedor de petróleo, com influência em grande parte do Golfo, sabia-se protegida pelos amigos americano e europeus, que, por “realpolitik”, sempre fecharam os olhos a um regime de práticas medievais, mas que lhes abria as portas a grandes negócios e lhes assegurava a energia para o seu desenvolvimento.
Entretanto, as prioridades energéticas mudaram, os EUA retraem-se na área e os aliados europeus, com a crise económica a bater à porta dos seus orçamentos militares, já não chegam para as encomendas em matéria de crises.
Os sauditas, jogando a cartada nacionalista e religiosa para atenuar tensões internas, e a atravessar um momento económico menos brilhante, deram-se conta de que tinham de "fazer pela vida" e federar a resposta sunita às ambições regionais iranianas.
A grande questão que preocupa a comunidade internacional é saber até onde estarão dispostos a ir.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
2 comentários:
O maior perigo para a família al-Saud que reina em ditador sobre a Arábia Saudita, é que o seu povo possa comparar o seu regime com outro sistema de governo islâmico que fez as sua provas. Este é o caso da Republica Islâmica do Irão, e a sua integração no mundo, depois do acordo sobre o nuclear, que põe a nu a qualidade do seu modo de governação.
Isso podia dar a ideia a pessoas e eruditos islâmicos na Arábia Saudita de ter, eles também, um sistema onde todos os votos contam e onde as decisões políticas são tomadas votando. E isso sem uma família ditatorial e cúpida e, sobretudo, sem renunciar aos seus valores islâmicos fundamentais.
E é por isso que os Sauditas combatem o Irão desde a sua revolução em 1979 e que tentam de suster a sua influência por toda a parte onde podem. Os al-Saud receiam pela sua família e as suas sinecuras.
E é também por isso que os Sauditas, com Israel, tentaram tudo para sabotar o acordo nuclear. Querem que o Irão retorne na sua célula de isolamento. Mas agora já é tarde. Não vi um só artigo nos media "ocidentais" que seja negativo sobre o Irão e/ou positivo sobre a Arábia Saudita. Todos sabemos, entretanto, que estes retardados medievais, ainda têm a protecção dos EUA, de qualquer maneira.
A reacção impulsiva da Arábia Saudita é a escalada e sempre mais escalada, e a luta contra o Irão por toda a parte, como no Iraque, na Síria, no Líbano e mesmo no Iémen, onde ele não está.
Se o Irão se mete a armar os Iemenitas com armas sofisticadas, vai ser a grande explosão!
"a corrente shiita está presente [n]o "novo" Iraque à Síria, do Hezzbolah libanês ao Iemen e ao Bahrein"
O chiismo também está fortemente presente na própria Arábia Saudita e isso é crucial. Toda a parte leste da Arábia Saudita - que é precisamente a parte do país onde o petróleo é produzido - é quase totalmente chiita. O clérigo chiita que foi decapitado era um cidadão da Arábia Saudita.
O grande problema da Arábia Saudita é que tem um poder sunita que extrai os seus rendimentos (petrolíferos) de terras chiitas e tem muitos súbditos chiitas.
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