Há quase dois anos que deixei de o ver. Lembrei-me dele há minutos, junto ao seu ponto geográfico favorito "de ataque", um pouco acima da Bertrand do Chiado. Andava na casa dos cinquenta, tinha óculos, era alto, magro, sorridente, muito bem falante, claramente culto e tinha uma técnica magnífica: não nos interrompia o passo, colava-se a nós e começava a debitar, numa voz bem audível à volta, uma nossa breve síntese curricular, bem construída e sempre exata, que durava cerca de quinze segundos (sei isto bem porque caí na esparrela, aliás consentida, aí umas cinco vezes): "Boa tarde, Francisco Seixas da Costa, antigo secretário de Estado dos Assuntos europeus, que está embaixador de Portugal em (dizia o posto certo) e escreveu há dias um artigo sobre (...)" e adiantava mais duas ou três informações, seguramente tiradas de um qualquer jornal (nem me atrevo a imaginar que tivesse acesso ao Anuário do MNE!). A maior surpresa, mais do que saber o meu nome, era ele ter dados informativos atualizados sobre mim, tanto mais que, no meu caso, que vivia então no estrangeiro, passavam-se meses em que não subia a rua Garrett. E dizia tudo aquilo em voz bem alta, o que me embaraçava um pouco perante quem nos cruzava, pelo que sempre me apressava a deitar a mão à carteira, para corresponder à frase final com que complementava o sonoro CV: "Pode deixar uma notinha para ajudar aqui este seu amigo?".
Já encontrei várias pessoas que foram objeto desta tática de abordagem pela mesma personagem. Um dia creio que alguém chegou a dizer-me quem ele era. Que será feito do homem? Não que me apeteça minimamente ser cravado de novo, mas - é da idade, com certeza! - começo a cultivar com algum carinho a memória destas figuras bizarras da fantástica cidade onde tenho o privilégio de viver. E o Chiado estava hoje com uma luz imbatível...
9 comentários:
ó embaixador, esse seria um sósia do nosso bem conhecido Chico Cereja de Vila Real. O Chico era mais democrática rotulava tudo a engenheiro, para lhe pagarem a respetiva cota.
Lisboa sempre teve, ao longo dos tempos, as mais diversas figuras bizarras. Recordo nas décadas de 70/80, no Chiado, Rossio, ruas do Ouro, Augusta, etc. um homem que por ali andava diariamente, vestido de noivo a rigor com bengala, metendo conversas com pessoas que não conhecia.
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~ Estará multimilionário?!
É agradável pensar que se tornou digno.
A luz estava singularmente bela...
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O «noivo» frequentava a Brasileira do Chiado, onde ficou célebre a sua frase:
»Saiam os pides, as p... e os p..., que eu preciso de me sentar»
O noivo era um grande pintor. Pintou quadros lindos, sobre os bairros de Lisboa.
Também aquele simpático senhor que cumprimentava os automobilistas na esquina do antigo Monumental. Neste caso acontecia que muitos dos passantes também gostavam de o cumprimentar.
Há manhosos e ociosos em todas as cidades, mas em Lisboa são tão naturais, como o musgo nas paredes velhas.
Pense positivo sr. Embaixador, ele pode ter arranjado um trabalho.
VW
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