domingo, outubro 10, 2010

Nostalgia e política

A frieza e a dureza dos combates políticos conduzem, por regra, à depreciação dos aspetos sentimentais. Mas, nem por isso, um sentimento como a nostalgia deixa de ser altamente respeitável.

Na passada sexta-feira, no Senado francês, passou-se uma cena que não colheu a atenção maioritária da imprensa. O debate centrava-se no tema das reformas, sobre a proposta governamental de abandonar os 60 anos como limiar do direito à aposentação. A França é um dos últimos países europeus onde a discussão em torno desta questão está ainda a ter lugar. Muito consideram que é inelutável que a idade da reforma seja mudada, outros mantêm-se fiéis aos 60 anos, como um inalienável direito adquirido. Não é para aqui chamada a questão de quem tem ou não razão.

No debate no Senado, assistiu-se a uma intervenção emocionada de Pierre Mauroy, o homem que, em 1982, sob a presidência de François Mitterrand, foi responsável, como primeiro-ministro, pela legislação que fixou os 60 anos como idade para a reforma. Agora com 82 anos, o antigo "maire" de Lille, perante um silêncio de geral respeito, embora longe de concordância maioritária, disse, entre outras coisas emocionadas: "A reforma aos 60 anos é uma linha de vida, uma linha de combate, uma linha de esperança. Não temos o direito de abolir a História! Liquidá-la desta maneira, não é possível, não é digno."

A reforma vai acabar por ser aprovada, no seu essencial. A regra dos 60 anos vai desaparecer, pelos imperativos da maioria política e, para muitos, também pela imperatividade das coisas práticas, desde o equilíbrio da segurança social à mudança dos perfis etários na sociedade contemporânea.

Isso não nos deve impedir de olhar para a reação de Mauroy com o respeito que devemos consagrar a quantos, no seu tempo, foram titulares da esperança que mobilizou gerações, que, passo-a-passo, trouxe para as políticas de Estado o fruto das lutas por coisas que hoje fazem parte do nosso "acquis", como sociedades com responsabilidade social. O ministro Woerth reagiu a Mauroy dizendo: "Não se governa com a nostalgia". Claro que não. Mas eu não posso deixar de sentir um grande respeito por quem alimenta uma nostalgia - pelo certo, inapelavelmente datada, concedo - que é parte do património da esperança que fez da França o grande país que é. Embora também deva concluir, como disse Simone Signoret no título das suas memórias, que "a nostalgia já não é o que era".

4 comentários:

Anónimo disse...

Tão profundo este post...

Ambivalentes os coeficientes emocional e racional, que pena não podermos delegar a escolha ao diabo sem o protagonizar.
Isabel seixas

Mônica disse...

Eu também acho muito prefundo!
com carinho MOnica

Helena Oneto disse...

Não, a nostalgia já não é o que era,
os homens que fazem política, também não,
os acquis deixam de o ser,
a
Fraternité
Egalité
Liberté
já não são, hélas, como foram

LP disse...

O que hoje se dita, amanhã pode ser desdito. É um facto cada vez mais factual.

Acho(também sou achanlandês, rsrs), que estas medidas deveriam ser aplicadas aos novos no mercado de trabalho (1ºemprego; início da contribuição social). Agora, a quem já contribuiu, com parte dos seus valores pecuniários a bem da sociedade e outra para o seu bem estar na recta final, ver-se "escamoteado" daquilo a que tem direito a bem da sustentação uma sociedade ociosa e oportunista, francamente!!!

Não acharia tão mal que houvesse limites máximos nos valores das reformas.

E já agora, se alguém com 60 anos quiser trabalhar, porque precisa e ou ainda tem forças, ou ainda até, ter sentido altruísta de desenvolvimento económico e social, quem lhe dá oportunidade de continuar a ser contribuinte activo?

Ai Europa!

E se a Europa conseguisse deixar de ser um anão político e desse asas ao gigante económico que é?