Esta história passou-se em Inglaterra, claro está.
Uma das mais antigas tradições da boa imprensa britânica é a publicação de obituários, essas biografias mais ou menos sintéticas, quase sempre benevolentes, de figuras que partem desta vida. Alguns grandes jornais britânicos (o "Financial Times" não o faz), do "The Times" ao "The Independent", do "The Guardian" ao "The Daily Telegraph", trazem diariamente notas sobre personalidades falecidas, algumas das quais são, por vezes, peças soberbas de bela escrita. Certos jornais chegam a editar em livro, no final do ano, alguns desses textos. Já cheguei à triste conclusão de que é por ocasião da morte das pessoas que acabo por aprender mais sobre a sua vida.
Um dia, uma figura britânica de menor destaque, mas com suficiente importância para poder merecer uma pequena nota necrológica, foi surpreendida pela embaraçada informação de que um jornal tinha inserido, nesse dia, o seu obituário. A família começara já a receber condolências... Uma troca de nomes terá estado na origem desse lamentável erro.
O nosso homem, que se encontrava longe de Londres, no campo, sem jornais acessíveis, mal soube do sucedido ligou a um amigo na capital, alguém que o puderia ajudar a desmentir imediatamente o facto, junto dos círculos sociais conhecidos. Mas eram outros os tempos tecnológicos. A cobertura telefónica na zona rural onde vivia tinha grandes fragilidades, havia imensos os ruídos na linha, o som geral das comunicações interurbanas era muito débil. Depois de várias tentativas, o amigo londrino lá acabou por atender. O infeliz biografado, para se identificar, gritou, por entre a confusão das várias sonoridades que se projetavam na linha telefónica, o seu próprio nome. Do outro lado, houve uma pausa, por alguns segundos. Até que, finalmente, o amigo de Londres, numa entoação que soava a perplexa, perguntou: "where are you calling from?..."
7 comentários:
... linhas, ou almas cruzadas do outro mundo!
Outro que... desfeiteando a certérrima necrologia, estava era mal enterrado!...
Cumpts.
César Ramos
O máximo...Mas tinha mais piada se tivesse aproveitado a benesse da eutanásia dos media, com serenidade, para ver no que dava, até porque já o tinham condecorado em vida com o respeito do silêncio inquestionável que se atribui à dignidade dos comuns.
Claro, não me ia pedir, logo a mim, Opinião.Até porque quando a esmola é grande... Eu alertava logo o Senhor para se salvaguardar não fossem ainda ao abrigo de estar "vivo"cobrar-lhe o serviço.
Isabel Seixas
Seria uma insensibilidade não felicitar o sentido de humor de excelência "César Ramos"...
Espero bem que uma vendada economia pragmática não o encontre nunca...
Tem a ver com a valia objetiva da performance/Produtividade, que a dada altura transformam os seres humanos em descartáveis.
Isabel Seixas
São boas peças de jornalismo, esses obituários que fazem um apanhado da vida pessoal e carreira profissional do falecido. De actores, escritores, diplomatas, politicos, premios nobel,pintores, musicos, espiões, é feito um respeitoso apanhado das suas vidas terminando pelo habitual, se for o caso, deixa mulher e dois filhos.
Não são escritos a correr no momento da notícia do falecimento, mas anos antes, ficam à espera, apenas retocadas para publicação quando chega a oportunidade. Por vezes o autor do texto do obituário já faleceu antes do personagem evocado sobre o qual escreveu.
São verdadeiras peças de jornalismo e alguns portugueses lá têm tido o seu devido obituário (Alvaro cunhal, J Saramago, etc).
O da entrada, foi publicado prematuramente e o telefone não ajudava!
Ó Senhor Embaixador só o Senhor para me animar com os os seus posts. Ainda estou a rir deste!
O comentário de Patricio Branco lembrou-me um estagiário que, para me testar, um dia me veio com um obituário que terminava: "...deixa mulher, amante e dois filhos de ambas".
Olhei para ele e disse:
- está enganado, corrija. Deixa mulher e duas amantes. E assine a notícia, claro!
:) Somos muitos a rir, sobretudo depois do comentário da Senhora Doutora Helena Sacadura Cabral!
Magnífico.
Lembro-me da celebre "boutade" de Mark Twain.
"As notícias sobre a minha morte são manifestamente exageradas".
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