sexta-feira, outubro 30, 2015

A legitimidade democrática e os mercados


Haverá boas e más razões para se ser contra a experiência de um governo minoritário do PS, com apoio dos partidos à sua esquerda. Já por aqui falei das dúvidas que a fórmula me suscita.

Há, contudo, duas razões que me recuso a aceitar.

A primeira tem a ver com a ideia de ilegitimidade desse presuntivo governo, por provir da agregação da vontade política conjugada de três formações que, cada uma delas de per si, não ganhou as eleições. É democraticamente ridículo, perante o impasse de uma proposta visivelmente minoritária, que não consegue garantir, por ação ou omissão, apoio parlamentar suficiente, dar por adquirido que o parlamento não tem o direito de gerar outras soluções de governabilidade. Ou alguém duvida que, em 2009, se o PSD e o CDS tivessem somado 116 deputados, face a um PS minoritário mas com mais votos do que qualquer deles, a dra. Manuela Ferreira Leite teria sido primeira-ministra?

Foi patético observar o leque de reservas políticas com que o presidente procurou ajudar a escorar esta frágil argumentação, não obstante ser a mesma pessoa que, durante anos, andou a apelar para “consensos” maioritários. Talvez devêssemos ter subentendido que isso significava sempre a inclusão nessas fórmulas do partido de que é militante.

Eventualmente por essa razão, alguma imprensa europeia, insuspeita de progressismo, mas pouco dada às idiossincrasias consuetudinárias que alguns querem erigir por cá em jurisprudência constitucional, se vê por estes dias em palpos de aranha para perceber o "drama" que ecoou das palavras do presidente. Embora seguramente entenda melhor a pré-nostalgia, expressa num tremendismo que pretende lembrar os idos de 1975, que já atravessa as hostes da direita portuguesa.

A outra razão é a que, subliminar ou expressamente, aparece espelhada nalguns comentadores, em especial na imprensa económica: os mercados não querem uma aliança à esquerda. Mal estaríamos se um país tivesse de condicionar, em absoluto, as suas opções governativas aos humores dos “traders” das salas de mercado.

Todos já percebemos que, com a criação da UEM, do euro e do compromisso de manutenção de objetivos macroeconómicos cumulativos para nele subsistir, que se soma ao espartilho das regras de economia liberal que marca a filosofia prevalecente no âmbito do mercado interno europeu, os Estados colocaram-se voluntariamente num colete de forças. O capitalismo é o sistema adotado pela Europa comunitária, “o socialismo está proibido", como alguém disse um dia, pelo que subsiste apenas um escasso terreno de manobra aos governos nacionais mais dados “ao social”, feita de opções fiscais e de um moderado reformismo, nas margens do diverso possibilismo orçamental. Não vale a pena lembrarem-nos isso: já sabemos! Mas arroguemo-nos, pelo menos, o direito nacional de escolher, bem ou mal, quem vai gerir essa nossa (falta de) liberdade.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, outubro 29, 2015

O "front"

Há qualquer coisa de valentia "kamikaze" nos nomes que se propõem para secretários de Estado deste imemorável XX governo constitucional. Conhecendo alguns deles - outros não vou necessitar de decorar - quero acreditar que não entram para o elenco apenas para ficarem com uma linha governativa no currículo. Nem uma Cresap muito complacente lhes creditaria nunca, como experiência, os breves dias que terão de pouso nas cadeiras do executivo. Só espero que não desatem a nomear chefes de gabinete, adjuntos e assessores... 

Correndo embora o risco de estar muito enganado, a versão nobre é a de que possamos estar perante uma "frente" organizada de uma geração política que deseja, com bravura de trincheira flamenga, dar o peito às balas certas, numa demonstração pública de solidariedade com a coligação que agora entrou em penosa e derradeira agonia. Gente que andou pelos blogues e pelo twitter (menos por um facebook hoje convertido na "loja dos trezentos" das redes sociais), alguns com espaço na imprensa, pessoal saído de universidades onde Popper faz de grande arquiteto universal da liberdade, Schumpeter e a escola de Chicago de profetas de novos amanhãs liberais que assobiam, pessoal que já perdeu o medo ao politicamente correto dos cravos e do Zeca, de baioneta política acerada contra os esquerdalhos que aí se anunciam, já a sair do Rato, descendo a rua de S. Bento a caminho do palácio que ameaçam tomar neste inverno. 

Não quero cometer a crueldade de trazer para aqui exemplos históricos que, na primeira metade do século passado, de Guadarrama a Saló, podem ter servido de inspiração romântica a este suicídio dos bravos. Mas, com alguma medida sinceridade, saúdo a galhardia e só posso lamentar que, no anunciado sacrifício, acabem por cair, na trincheira, ao lado de muitos que lhes não merecem o gesto.   

Apodos


Hoje, um amigo mandou-me um SMS em que falava dos meus "correligionários". Devo dizer que adoro este tipo de linguagem geracional, muito distante daquilo que hoje é vulgar ver publicado na imprensa dos nossos dias. Lembro-me de quando era vulgar utilizar a palavra para qualificar quem pensava politicamente da mesma forma.

Vivi ainda o tempo da ditadura, quando o mundo se dividia entre os que eram da "situação" e os do "reviralho" ou, para alguns setores pouco politizados, designar alguém que se sabia comunista como tendo "ideias avançadas".

Mas o que mais me diverte, ainda desse tempo antigo, são os apodos, as "alcunhas afrontosas", como vem nos dicionários.

Ainda me recordo de ouvir republicanos "ferozes" designar os monárquicos por "talassas" e os envolvidos na aventura restauracionista da "monarquia do Norte" como os "trauliteiros".

Da linguagem da oposição à ditadura, fazia parte, por exemplo, chamar os republicanos históricos que se tinham exilado em Espanha e França como os "Budas". A Mocidade Portuguesa era "a Bufa" e os seus membros os "piolhos verdes"(1). Tratava-se depreciativamente o pessoal do regime como "fachos" ou "reaças"(2), com os mais radicais, já nos anos 70, a serem qualificados de "ultras"(3). Mas também usar o "esquerdalhos" (4), num tom um tanto condescendente para a generalidade do "povo de esquerda" ou o sonoro "emieles" para qualificar a generalidade dos grupos "marxistas-leninistas" (maoístas). Ou ver a extrema-esquerda pronunciar o termo "revisas" (para "revisionistas") ou "social-fascistas"(5) para mimosear o PCP.

Depois do 25 de abril, a direita passou a tratar os comunistas como "comunas" e os socialistas como "chuchas".

Acho muito graça a esta terminologia política depreciativa. Alguém se lembra de mais?

ps - Prometo atualizar o texto com as contribuições criativas (mas não com as simplificações, tipo "anarcas" ou similares)
(1) contribuição de Maria Amélia Clemente Campos
(2) contribuição de Victor Figueiredo
(3) contribuição de Victor Figueiredo
(4) contribuição de João Freitas
(5) contribuição de Nuno Roby Amorim

Novas eleições?

Anda por aí uma agenda temporal estranha, ligada à hipótese de Cavaco Silva, em caso de derrota do governo minoritário do PSD/CDS, optar por não indigitar António Costa. 

Nessa eventualidade e segundo tais "contas", um governo de gestão teria de permanecer até junho de 2016, o período constitucional mais cedo possível para um novo sufrágio para a Assembleia da República.

Acho muito estranho que se alimente este tipo de especulação, em que comentadores e imprensa estão a embarcar, e que só contribui para projetar 2016 como um ano de incerteza, dando de Portugal a imagem de um país mergulhado numa prolongada crise. 

Mas por que diabo terá de haver novas eleições legislativas? Nada impede o novo presidente, que tomará posse em 6 de março, de nomear de imediato António Costa, aceitando a solução que Cavaco Silva recusou. Seguramente que Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa assim o farão. 

Resta assim Marcelo Rebelo de Sousa. Haveria que perguntar-lhe o que fará se acaso tal circunstância vier a obrigar a uma sua decisão. Prefere manter um governo de gestão? Porque é que ninguém lhe coloca a questão?

quarta-feira, outubro 28, 2015

Um parlamento novo?

Neste tempo em que se abre uma nova legislatura, deixaria três sugestões:

1. Que o Bloco de Esquerda colocasse na agenda a questão da exclusividade de funções dos deputados. Todos sabemos que o "bloco central" alargado tem dificuldades em ter dessas iniciativas...

2. Que a imprensa escrutinasse com atenção as indicações partidárias para as comissões parlamentares de natureza mais técnica, no sentido de se perceber se acaso alguns dos nomes indicados não poderão ter algum conflito com os interesses que defendem no foro privado.

3. Que, no tocante às indicações de nomes para as assembleias parlamentares de organismos internacionais - área onde, como é sabido, há muito "turismo parlamentar" -, antes de qualquer renovação de anterior mandato, fosse feito um inventário dos relatórios feitos por esses deputados, decorrentes da sua itinerância, durante a legislatura que terminou.

É cá por coisas!

terça-feira, outubro 27, 2015

O breve governo

É de destacar que tenha havido pessoas, fora do serralho do anterior executivo, que se disponibilizaram para integrar o novo governo de Pedro Passos Coelho. Não deve ser fácil a figuras de algum relevo profissional abandonarem o sossego dos respetivos lugares e sacrificarem-se a integrar um governo com "morte anunciada", daqui a breves dias. Ponho porém essa atitude mais a crédito das convicções e bastante menos a uma atitude à D. Luiza de Gusmão, que terá afirmado que "vale mais ser rainha por um dia do que duquesa toda a vida".

"Algarve mediterrânico"


Tenho muita pena de não poder hoje assistir, no restaurante "Chapitô à Mesa", ao lançamento do livro "Algarve Mediterrânico - tradição, produtos e cozinhas". Já tive o ensejo de o ler e recomendo-o vivamente - e não faço isso por aqui muitas vezes, como reconhecerão.

Os excelentes textos são de Maria Manuel Valagão, as contribuições gastronómicas são chefe Bertílio Gomes e a apresentação fotográfica, de qualidade muita rara, é assinada por Vasco Célio. Dizer que edição é da "Tinta da China", que tem hoje dos melhores "produtos" gráficos portugueses, diz o resto.

Leia aqui algo sobre o livro. Quem puder, passe por lá. É na Costa do Castelo, nº 1, às 18.30 horas.

O recado ibérico e a Europa

O senhor Mariano Rajoy, presidente do governo espanhol, afirmou: "O que estou a ver em Portugal também não me agrada".

Como português, entendo que quem de direito deveria dizer ao senhor Rajoy que deve meter-se mais na sua vida política interna, onde tem bastante para resolver, e deixar-se de comentários desta natureza, que legitimam que, um destes dias, alguém por cá possa ser tentado a dizer que lhe agrada, por exemplo, a pulsão independentista da Catalunha.

A Europa é uma constelação de nações unida por um projeto comum. Se comentários como os do senhor Rajoy sobre Portugal - que recordam os de Passos Coelho sobre a Grécia - se multiplicam, arriscamo-nos a legitimar uma espécie de "droit de regard' de uns países europeus sobre a vida política interna dos outros, o que é, no mínimo, uma perversão do modelo de convívio em diversidade que União Europeia pretende representar.

A mim também me não agrada a escolha política que a Polónia ontem fez. Mas a última coisa que gostaria era ver um chefe de governo português a emitir "bitaites" sobre o novo poder em Varsóvia. Mas disso parece estarmos livres: trata-se de um governo de direita e, tal como perante as diatribes anti-democráticas do senhor Órban na Hungria, nem o senhor Rajoy nem Passos Coelho parecem interessados em pronunciarem-se.

Eduardo Ferro Rodrigues


Há pouco mais de um ano, escrevi por aqui isto:

"Ferro Rodrigues é um dos mais sérios políticos portugueses, um homem de princípios como conheço poucos, uma figura que honra a nossa democracia. Em todos os lugares que ocupou deixou uma rara marca de rigor, de competência e de dedicação à causa pública."

Agora que Eduardo Ferro Rodrigues foi eleito como segunda figura do Estado, não vou inventar nada. Repito apenas o que disse e em que profundamente acredito. Como amigo, mas também como testemunha, há mais de quatro décadas, do seu percurso impoluto de cidadão e de democrata, só posso deseejar-lhe as maiores felicidades. Trata-se de um cargo que, pelas excecionais circunstâncias que o nosso país atravessa, se reveste da maior exigência. Porém, muito poucas pessoas, em Portugal, estariam em condições de o exercer melhor que Eduardo Ferro Rodrigues seguramente o fará. 

Daqui a pouco, Cavaco Silva, estranhamente no meio de uma crise política e sem um governo que tarda (porquê?) em tomar posse, parte em visita a Itália, como se a situação que se vive não justificasse a suspensão desta deslocação. Para se ver como algumas coisas mudaram em Portugal, basta pensar que a chefia do Estado fica interinamente a caber a Ferro Rodrigues. E bem.

Mediterrâneo


No âmbito do ciclo de conferências "Tendências Globais 2030: os futuros de Portugal", estarei na noite de hoje na Fundação de Serralves, no Porto, a discutir o tema "O Mediterrâneo Sul, entre a Democracia e a Guerra", com o presidente da Assembleia Constituinte da Tunísia, Mustapha Ben Jafar. A moderação estará a cargo do embaixador António Monteiro.

segunda-feira, outubro 26, 2015

Refugiados


A beleza desta fotografia, que mostra refugiados a caminhar através da Eslovénia, lembra que os caminhos da tragédia na Europa estão muito mais próximos de nós do que às vezes supomos.

Os amigos da dissidência


Eles andam por aí de lupa. Escrutinam declarações, inventariam adversativas, procuram dissonâncias, esgravatam distanciamentos, magnificam clivagens, enfim, tentam criar a onda que possa travar o que parece inevitável. São os que ainda assentam a sua réstea de esperança naquilo que julgam ser a "dissidência" socialista.

O tema, claro, é o "vermelhusco" governo alternativo à sua querida coligação. Desde a noite das eleições, figuras que, para a direita, eram, ainda na véspera, alvos de crítica ou desprezo, passaram, de um momento para o outro, a ser escutados oráculos de sabedoria - desde que, em algo que tivessem afirmado, fosse possível descortinar algo que "desse jeito" para poder ser utilizado contra António Costa. Deputados de outras bandas,  "has-beens" no remanso da reforma, comentadores mais "outspoken" - tudo é arrebanhado, com avidez, por esses detetives do potencial dissídio, esses polícias que aplaudem a palavra desviante. Na sua folha laranja de excel, todas essas figuras são colocados a crédito de uma residual e sectária esperança, da zizania, da "revolta", da indignação. 

Até eu, já bem fora das lides, só porque escrevi que não tenho a menor confiança nas garantias que possam vir a ser dadas pelo PCP ou pelo Bloco, com vista a sustentar uma eficaz governação PS durante toda a legislatura, acabei por ser elevado, na linguagem desses coletores de nomes, a "peso pesado" partidário - o que, não sendo mentira, só se transforma em verdade pelo meu peso real, depois de um fim de semana de largas comezainas. 

A direita, dos jornais complacentes e dos blogues ao seu afanado serviço, anda por aí de cabeça perdida. Pensando bem, não deixa de ter alguma graça, chega mesmo a ser até bem divertido. Enfim, é um pouco como a Coimbra da canção: tem mais encanto na hora da despedida...

"A tarde de S. Lourenço"

Passaram 50 anos e eu estava lá. No estádio da Luz, nesse dia 17 de outubro de 1965. De visita a Lisboa, fui ver o jogo a convite dos meus primos Augusto e Luis Filipe, benfiquistas "de carteirinha", como dizem os brasileiros, que tinham estado na final gloriosa de Berna, em 1962. Nessa tarde - os jogos eram então sempre à tarde, às 15 horas, em todos os estádios - chovia "que deus a dava".

O Sporting jogava contra o Benfica. Lourenço, "avançado-centro", como à época se dizia, marcou quatro golos a Melo, que substituíra um lesionado Costa Pereira, naquele seu jeito simples mas eficaz de jogar, num ataque onde havia outro homem-golo, o Figueiredo, o "Altafini de Cernache". Eu integrava una bancada quase 100% benfiquista, pelo que foram 90 minutos de contenção no contentamento.

Foi a famosa "tarde de S. Lourenço", gravada na memória dos sportinguistas e, com certeza, de forma impressiva, na do próprio jogador, que injustamente Manuel da Luz Afonso não iria convocar, no ano seguinte, para os "Magriços", que disputaram o Mundial de Inglaterra.

Ontem, no termo da vitória do Sporting sobre o Benfica, lembrei-me de Lourenço e dos seus quatro golos na Luz. E recordei a cara fechada dos meus primos, no autocarro da viagem de regresso, comigo numa alegria educadamente contida, nesse ano que acabaria com a conquista do título pelo Sporting.

Duas décadas depois, em 14 de dezembro de 1986, também ao lado de outro benfiquista triste, o meu amigo António Massano, testemunhei os famosos 7-1 ao Benfica em Alvalade, com Manuel Fernandes a marcar também quatro golos.

O Sporting das últimas décadas é mais parco em vitórias? É um facto, mas, não se preocupem os que não gostam de nós: vai havendo suficientes alegrias. Como foi o caso de ontem. 

Jornalismo

1. Ainda eu estava a comemorar - e acabei (bem) no Fialho, em Évora - mais uma vitória do Sporting sobre um clube vizinho, uma esforçada agremiação que connosco persiste em manter uma saudável rivalidade, quando, por um acaso, passei pelo telejornal da TVI. E eis que deparo com um espetáculo insólito: Judite de Sousa, "a armar" a Gabriel Alves, citando a despropósito denúncias de arbitragem, a "atiçar" Pedro Guerra contra José Pina, ou vice-versa. Posso perceber a "orfandade" provocada pela saída de Marcelo Rebelo de Sousa, entender que Marques Mendes está a fazer mossa nas audiências nesta nova conjuntura, mas nunca pensei que a TVI, sob a direção do meu amigo Sérgio Figueiredo, tendo como pivot uma jornalista séria como é Judite de Sousa, necessitasse de montar um circo como este. Francamente! 

2. Leio também que a ERC, bem atenta aos valores nacionais, acaba de emitir um alerta sobre a necessidade dos canais porno darem mais atenção a filmes de produção nacional. Não fosse este um blogue "de famílias" e eu dar-me-ia liberdade para algumas graçolas primárias, para as quais me puxam os Church. Mas não, como diria Régio, não vou por aí! Apenas me interrogo sobre quem serão os colaboradores da ERC a quem estará cometida a espinhosa e ingrata missão de acompanhar as emissões porno. Imagino-lhes as olheiras...

domingo, outubro 25, 2015

A direita e a rua

"A Rua" foi um conhecido jornal de direita, editado em papel forte, no pós-25 de abril, sob a direção de Manuel Maria Múrias. Era redigido num português "de lei", com um discurso a contraciclo com o ambiente da época: o facto de assumir a defesa de um regime que os militares tinham acabado de derrubar fez com que a vida do jornal fosse curta.

Fala-se agora por aí que "a direita vem para a rua". Para além de umas arruadas queques, com "lodens" e palhinhas à mistura, na transição de 85 para 86, só me recordo da direita portuguesa ter vindo para a rua em força atrás dos socialistas, na luta contra o PCP e a "esquerda militar", a "António Serpa fardada", como sempre dizia uma amiga minha.

Mas, atenção! Se a direita portuguesa, insatisfeita com o curso político, decidir vir para a rua manifestar-se, tem todo o direito a fazê-lo e ninguém deve opor a isso a menor resistência ou provocação. Embora alguma direita não acredite, o 25 de abril também se fez para que ela possa usufruir da plenitude dos direitos democráticos.

Um desespero divertido

O "Observador" é um projeto jornalístico de indiscutível qualidade técnica. No panorama da nossa comunicação social, introduziu novidades e um estilo novo. Alguns bons profissionais davam garantia de um bom produto. E isso confirmou-se. 

Desde o primeiro instante, nunca alimentei a menor dúvida de que o "Observador" havia sido criado para servir de veículo de combate à esquerda, marcado por uma ideologia bastante conservadora, liberal no sentido que a direita dá à palavra. Travar a esquerda, evitar o seu regresso ao poder, denunciar-lhe as fragilidades, destacar as suas contradições, explorar as suas debilidades, lembrar as suas "maldades", escalpelizar o lado negativo das suas figuras - esse era o projeto. Ninguém simboliza melhor esse desiderato do que a evolução do tratamento dado a António Costa, que passou de simpático político urbano ao estado de diabolização que agora sofre. Até no tratamento fotográfico isso se torna evidente. 

A opção ideológica do "Observador" foi sempre mais evidente na "opinião", onde o amável acolhimento pontual de convidados da esquerda (de que o autor deste blogue já beneficou, com grande "fair play") torna ainda mais notória a tendência para a publicação de uma esmagadora maioria de textos de direita pura e dura. Infelizmente, a própria informação, que já teve momentos de alguma neutralidade ideológica, tem vindo a ser poluída, cada vez com maior frequência, pelo viés a que o jornal já se aculturou. 

O público-alvo do "Observador" são as novas gerações, as que hoje usam predominantemente meios informáticos, que leem poucos jornais e até veem menos televisão - embora o "Observador" se "prolongue" com a presença de vários dos seus colunistas pelas colunas televisivas, neste tempo de hegemonia opinativa da direita em todos os canais, desde a "situacionista" RTP às televisões privadas, que já não escondem ao que andam. 

O "Observador" tinha como projeto contribuir para conservar a direita no poder. Tão simples como isto. Ora a direita está prestes a sair do poder e, neste novo cenário, o "Observador" "passou-se"! O tom que as "opiniões" do jornal trazem nos últimos dias, frequentemente num estilo de desespero caceteiro que se aproxima já do paleolítico político, acaba mesmo por ser bastante divertido. Só não recomendo que leiam e se riam porque alguns dos meus amigos políticos mais radicais - para quem o "Observador" é uma espécie de "Diário da Manhã" da ditadura salazarista - nunca me perdoariam. Um deles disse-me um dia: "não digas mal do "Observador" no teu blogue ou no Facebook. Isso é falar dele..."

Mas eu não sou ortodoxo, pelo que não dispenso a consulta diária desse "inimigo de estimação" que é o "Observador". Estar bem atento aos movimentos do adversário é meio caminho andado para se ganhar o jogo... 

José Sócrates


José Sócrates decidiu ocupar o espaço público, na defesa pessoal do seu caso. Tem esse direito, em particular por ter sido vítima, no último ano, de quebras escandalosas do segredo de justiça que, claramente, condicionaram a opinião pública em seu desfavor, sem que, até ao momento, tenha sido formalmente acusado, não obstante ter permanecido vários meses detido.

Sócrates, com uma esperada violência verbal, volta-se contra o que entende ser o conúbio entre alguma comunicação social - oportunisticamente inscrita como "assistente" do processo, apenas para poder colher informação constante do mesmo - e uma magistratura que a utilizou para legitimar, a montante da acusação, a privação de liberdade do antigo primeiro-ministro. No fundo, Sócrates dá a entender que existe como que uma "vendetta" corporativa contra ele, instalada em ambos os setores.

O atraso na produção de uma acusação legitima que José Sócrates possa continuar a protestar a sua inocência e a invocar, como agora o fez, a plenitude dos seus direitos cívicos. 

Devo dizer que, depois do que se passou neste último ano em relação a José Sócrates, alimento já alguma dúvida sobre a validade absoluta do mote "à política o que é da política, à justiça o que é da justiça". Se não for em sede política que se discutem as eventuais discricionariedades da justiça, onde poderemos fazê-lo?

Mas também não deixo de compreender a relutância do Partido Socialista de fazer um "casus belli" deste tema específico, por muito que isso custe a José Sócrates. Não sei mesmo se este último ganharia alguma coisa se o seu partido viesse a assumir as suas dores. Como é sabido, este é um tema que parece dividir o PS, cujo recente curso político não deixou de ser subliminarmente marcado pela sorte do seu anterior líder. Porque, por muito que alguns amigos de José Sócrates possam não concordar, é uma evidência que a sua sombra continua a projetar-se sobre o partido de que é militante, num sentido que, nos dias de hoje, está longe de ser positivo. 

Uma coisa tenho por clara: a menos que estejamos perante uma monstruosa mistificação organizada por um sistema de justiça vingativo e irresponsável, o caso Sócrates não configura uma questão simplesmente política. Por isso mesmo, julgo que José Sócrates faria melhor em evitar paralelos com casos de outras figuras que, em diferentes paragens, se defrontaram ou defrontam com a privação da liberdade, por motivos quer relevam de delitos políticos ou de opinião. A invocação que ontem fez do caso Luaty Beirão, o jovem detido em Angola, foi muito infeliz.

Penduras

Aos comentadores que insistem em tentar deixar por aqui "links" para textos de que gostam, renovo o que já escrevi um dia: escrevam o que pensam, não sejam comodistas a utilizar o que outros produziram. Ah! E este blogue não é nenhum "cabide", desculpem lá!

Cavaco Silva e os idos de novembro


Na noite da passada quinta-feira, depois de ouvir a intervenção de Aníbal Cavaco Silva, lembrei-me da declaração corajosa de Ernesto Melo Antunes, quando, na sequência do movimento de 25 de novembro de 1975, há quase 40 anos, teve o descernimento e a coragem para vir à televisão reafirmar a importância do PCP para o futuro do processo político português.

Horas antes, Jaime Neves, num encontro no Regimento de Comandos da Amadora, também televisionado, na presença do general Costa Gomes, havia dito a famosa frase : "Meu general, os comandos ainda não estão satisfeitos". Era a expressão da vontade de alguns setores revanchistas, civis e militares, que queriam "explorar o sucesso" (como se diz em linguagem castrense) e, muito simplesmente, defendiam a ilegalização dos comunistas, quando não mesmo a prisão dos seus dirigentes.

O Partido Comunista Português foi, a grande distância, a força política mais determinada na luta contra a ditadura. Não é preciso aderir minimamente aos seus princípios para reconhecer esta realidade. Tenho uma profunda admiração e gratidão pelo sacrifício dos comunistas portugueses.

Não estou de acordo com o programa do PCP, como me não revejo nas propostas maximalistas do Bloco de Esquerda. Acho mesmo que a respetiva aplicação seria uma receita para o desastre económico e para o isolamento de Portugal, na Europa e no mundo. Mais do que isso: continuo, como aqui e noutros locais tenho dito, muito cético quanto à sustentabilidade das promessas dessas formações políticas para apoiar um governo através do qual o Partido Socialista possa pôr em prática o essencial do seu programa.

Como democrata, porém, não posso de maneira nenhuma aceitar a exclusão de qualquer partido político, com assento no parlamento. Nos dias que correm, todos os democratas portugueses têm a estrita obrigação de estar unidos para defender o direito dos comunistas e dos bloquistas de terem a agenda programática que muito bem entendam, por muito datada, sectária e irrealista que ela seja. Somos obrigados a ter presente que um milhão de portugueses pensa como eles.

Vale a pena também lembrar sempre que a única limitação que qualquer formação política hoje tem, para poder atuar, é a Constituição da República. E, em matéria de respeito pela Constituição, a coligação "sortante", que o presidente aparentemente tanto aprecia, é a última a poder dar lições a alguém.

Retroativamente, ponho-me agora a imaginar o sentimento que Cavaco Silva terá tido, em novembro de 1975, ao ouvir Jaime Neves e Melo Antunes. Com quem terá estado de acordo? Depois do que escutámos na passada semana, não me resta a menor dúvida.

sábado, outubro 24, 2015

Memória


Em 1976, numa viagem de trabalho de alguns dias à Líbia, decidi regressar por Atenas, via Benghazi. Parei dois dias naquela que era a segunda cidade líbia, depois de Tripoli.

Foi aí que me dei conta que essa região oriental, a Cirenaica, era algo diferente da Tripolitânia. Os tempos não eram muito brilhantes nessa Líbia de Kadhafi, cuja imagem no imaginário internacional estava, à época, muito longe de ser aquilo em que viria a transformar-se. Mas a vida era calma, o país era rico, se bem que o peso da ditadura estivesse presente um pouco por todo o lado.

Ao ver hoje no New York Times esta triste imagem da zona marítima de Benghazi, por onde me passeei em horas descontraídas de belos fins de tarde mediterrânicos, vi como o mundo é capaz de mudar tanto, em pouco tempo, para bem pior.

É só saúde!

É fantástica a súbita "onda de saúde" que se espalhou pelo país. Em poucos meses, não são mostradas filas nas urgências dos hospit...