Este não é um post consensual, desculpem lá!
Li há pouco no "Expresso online" (não sei se saiu na edição impressa) um artigo sobre essa instituição nacional que é a cunha, onde também se recupera um livro publicado sobre o tema.
Li há pouco no "Expresso online" (não sei se saiu na edição impressa) um artigo sobre essa instituição nacional que é a cunha, onde também se recupera um livro publicado sobre o tema.
Sou de opinião - e sei que muitos não concordarão - que a cunha é um dos símbolos que espelha o nosso subdesenvolvimento, um imenso atestado de menoridade nacional. É inevitável? Talvez seja, no país atual. Em Portugal, "mete-se uma cunha" com a maior naturalidade, porque quem a pede nem sequer receia ofender quem a recebe. A justificação é "latina": "se eu não meter uma cunha, como é que consigo ser atendido no hospital?". E, às vezes, até é verdade. Mas, se fôssemos um país sério, deveríamos viver permanentemente com a culpabilidade e a tristeza de sermos um país de cunhas. E não vivemos.
A cunha é o produto da pobreza da nossa sociedade, da inexistência de condições de igualdade para todos, da prevalência de um suposto conceito de solidariedade coletiva que absolve moralmente os "empenhos". Porque tem vários níveis, a cunha - no Brasil, chama-se "pistolão" - vai desde a inofensiva sugestão de um nome para um lugar de livre escolha até à pressão para a falsificação de um concurso para um fornecimento público, passando pela "apresentação" de pessoas e outros métodos mais ou menos inocentes. É que há cunhas e cunhas: conseguir, por um conhecido, um lugar num espetáculo é bastante diferente de uma corrupção com consequências patrimoniais ou profisionais. Porque as fronteiras entre diferentes escalões estão às vezes longe de definidas, e porque a reprovação social do ato frequentemente não acompanha a sua gravidade, em função do nível ético das pessoas envolvidas, a cunha progride sem pudor, da sugestão simpática à corrupção aberta.
Tenho duas experiências sobre cunhas que gostaria de partilhar.
Há uns anos, fiz parte de um júri de um concurso público de admissão a uma função. Antes que alguém o fizesse, avisei à partida, amigos e conhecidos: "quem me meter uma cunha por alguém, já sabe: essa pessoa, chumba!" Foi uma reação claramente desproporcionada, mas foi remédio santo! Creio que alguns leitores desde blogue recordar-se-ão ainda disso...
A segunda experiência, também com alguns anos, foi muito traumática: um pessoa que me era muito próxima pediu que "metesse uma cunha" num concurso público, cujos membros do júri eu conhecia muito bem, para o qual havia sete vagas e 10 concorrentes. O candidato tinha distantes relações familiares comigo. Recusei, claro. Tempos mais tarde, a mesma pessoa pediu-me que soubesse, apenas, se o candidato tinha sido ou não aprovado, porque os resultados já estariam decididos, embora não divulgados, e lhe tinha surgido uma outra opção alternativa profissional, que não sabia se devia ou não aceitar. Acedi, falei ao presidente do juri e recebi a seguinte resposta: "Estavas interessado em que ele entrasse? Foi pena que não me dissesses nada! Ele até nem era nada mau, mas era o único que não tinha nenhuma cunha..."
Devo confessar, contudo, que nem sempre a ocorrência de uma cunha é uma coisa necessariamente má: pertenço a uma corporação profissional onde a história de uma bem elaborada cunha - denunciada, mas por uma vez ineficaz e que a opinião pública portuguesa teima saudavelmente em não esquecer - nos livrou a todos de uma "praga". É que, afinal, ainda há cunhas que vêm por bem...