domingo, fevereiro 09, 2025

Sarkozy e Sócrates


Vai ter início em breve, ao que se vai sabendo, o julgamento de José Sócrates, o culminar do famoso "processo Marquês". Em França, Nicolas Sarkozy começou a cumprir pena em casa, com pulseira eletrónica, tendo ainda vários outros processos pendentes. A tragédia tolhe a vida de ambos.

Como embaixador em França, tive o ensejo de testemunhar, por diversas ocasiões, durante mais de dois anos, a boa relação que se tinha criado entre esses dois homens. Passava por ali uma corrente que sempre me pareceu ser de mútua e franca simpatia, talvez porque também houvesse alguma similitude nos respetivos estilos. Ambos assumiam uma atitude fazedora, concretizadora, uma vontade de romper com as peias que, à partida, sempre dificultam a ação política.

Sarkozy era mais agreste, crispado, com sorrisos que eram quase esgares, mesmo desdenhosos. Sócrates, que tinha um feitio igualmente irascível, assumia nos contactos pessoais uma postura mais aberta e amável para o interlocutor, a qual, contudo, de um momento para o outro, ao que se dizia à menor contrariedade, podia transformá-lo no "animal feroz" que ele publicamente um dia assumiu ter dentro de si.

Hoje, ao pensar nos dois e nas suas mútuas atribulações com juízes e tribunais, lembrei-me do episódio de um encontro entre ambos, em Paris, que um dia testemunhei.

Estávamos em maio de 2010. Sócrates, como primeiro-ministro, tinha ido à capital francesa para um encontro de trabalho com aquele que era o seu verdadeiro homólogo, o chefe do governo, François Fillon. A embaixada havia preparado cuidadosamente essa reunião, que tinha uma agenda essencialmente bilateral, muito técnica, e só escassamente europeia. Essa seria depois a dimensão política que Sócrates iria tratar pessoalmente com Sarkozy.

A presidência da República francesa indicou-nos que, ao contrário da reunião com Fillon, que tinha bastante gente dos dois lados, o que se justificava pelo caráter específico de vários dossiês, na reunião com o presidente só poderia haver sete pessoas do lado do visitante. Essa era a regra, como vi depois confirmado em reuniões de Sarkozy com Passos Coelho e deste com François Hollande.

Como é da prática protocolar, após a chegada dos carros ao pátio do Eliseu, a delegação portuguesa subiu rapidamente para a "Sala Verde", onde já se encontrava a equipa de Sarkozy. Para trás, para as fotos sorridentes e para o aperto de mão na escada do palácio, ficaram o próprio Sarkozy e Sócrates, comigo e o embaixador francês em Lisboa em plano recolhido. Depois, no passo nervoso que Sarkozy impunha, subimos a escadaria para o primeiro andar e entrámos na "Sala Verde", onde deveria ter lugar a reunião e onde estavam já as delegações.

Sarkozy olhou o ambiente e, claramente, não lhe apeteceu o exercício com toda aquela gente. Saudou as pessoas com um seco "Bonjour à tous", atravessou e, abrindo a porta para o seu gabinete, que ficava adjacente, convidou Sócrates a entrar. E fez a sua escolha: "Tu viens", disse para Jean-David Levitte, seu conselheiro diplomático. E, esquecendo o seu embaixador em Lisboa, disse-me: "Vous aussi, M. l'Ambassadeur". E fechou a porta atrás de si. Na "Sala Verde", entre toda a gente, ficavam "apenas" dois membros do governo português...

Eu conhecia bem aquele gabinete, o mesmo em que Jacques Chirac recebera várias vezes António Guterres. Mas, dessa vez, Sarkozy queria, claramente, ter um encontro quase a sós com Sócrates. E logo se percebeu porquê.

Eu e Levitte seríamos as únicas testemunhas. Conhecia muito bem Levitte, desde os tempos de Chirac até ao período em que ambos tínhamos coincidido em Nova Iorque, como representantes dos nossos países junto da ONU. Éramos amigos.

"Está calor! José, não queres tirar o casaco?", propôs Sarkozy, com Sócrates a aceitar. Nem a mim nem a Levitte passou pela cabeça, por um segundo, fazer o mesmo, embora o calor fosse idêntico para nós. Os diplomatas sabem as regras implícitas destas coisas.

Os mais de três quartos de hora seguintes foram épicos. Sarkozy fez a sua radiografia da União Europeia, mas não só. Falou de alguns líderes que eram colegas de ambos à mesa do Conselho Europeu, sob uma perspetiva crítica que ultrapassou tudo quanto eu achava possível poder vir a ouvir. Mas também analisou, de forma acerada, outros líderes mundiais, integrantes do então G8, bem como alguns do G20. Raros tiveram uma sua "nota positiva". Um a um foram escalpelizados de forma, quase e muitas vezes, cruel. "Imbecil", "burro", "incompetente" e outros epítetos, com caraterizações físicas de permeio, foram sendo distribuídos por primeiros-ministros e figuras cimeiras do mundo. Poucos se salvaram...

José Sócrates não acompanhava o tom de Sarkozy, ainda tentou atenuar uma ou outra crítica, apenas sorrindo perante o imparável colorido semântico do presidente francês. Eu, que ali estava de Moleskine em punho, escusei-me intimamente a tomar a menor nota do que era dito. Levitte, como é do seu estilo, mantinha-se seráfico, às vezes com um esgar giocôndico, no que podia ser lido, ou não, como estando em sintonia com a análise do chefe.

Acabada a reunião, atravessámos de novo a "Sala Verde", de onde as frustradas delegações tinham entretanto saído, com a nossa gente já instalada nos carros que nos levariam ao aeroporto. Por isso, não tive ocasião de observar a cara dos nossos dois governantes socialistas, que Sarkozy deixara especados à porta do gabinete. Nem a do meu colega francês em Lisboa, mas essa era o menos importante: os embaixadores, como ouvi um dia a um diplomata que foi meu chefe, são "expendable" - descartáveis, sacrificáveis.

Quando, feitas as despedidas e ditas por Sócrates as rituais palavras à nossa imprensa, no "perron" do Eliseu, ele e eu entrámos no carro, exclamou: "Viste aquilo? O homem é intravável!" E riu-se imenso. Eu, burocrático, rindo também, limitei-me a dizer: "Optei por não tomar notas dos 'retratos" que ele fez. Seria uma imensa bronca se, algum dia, aquilo se viesse a saber em pormenor!" Com Sócrates a concluir, divertido: "Fizeste bem. Aliás, dificilmente alguém acreditaria..."

sábado, fevereiro 08, 2025

Hamas

Raptar civis inocentes, como fez o Hamas, é um ato obsceno. Pô-los a falar num palco, antes de os libertar, é um gesto ignóbil. 

A legitimidade da resistência palestina contra a ocupação israelita das terras que o Direito Internacional reconhece como suas é muito mal servida desta forma. 

As angústias de Zelensky


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As guerras económicas


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O imobiliário americano em Gaza


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Diário de um otimista


Há uns anos, numa rua de Paris, passeando com um grande amigo que o tempo já me levou, ao olhar um cartaz de um espetáculo do Tony Bennett, vi-o reagir assim: "Ora ali está um tipo otimista!". 

Pensei que fosse pelo sorriso clássico do "crooner", de tacha arreganhada no imenso placard. 

Não, não era por isso: é que estávamos em fevereiro e o espetáculo era só em novembro. E Bennett, por essa altura, rondava já os 90 anos. Esperar estar vivo e em condições de poder cantar, a tantos meses de distância, relevava de algum otimismo, pensava ele.

Pensava ele, digo bem. Mas pensava mal: Bennett haveria de sobreviver por ainda mais uma década e esse meu amigo acabaria por ir-se-nos embora praticamente ao mesmo tempo que o cantor.

Mas onde é que este tipo quer chegar?, perguntará o leitor. 

É muito simples: acabo de receber um convite para fazer uma palestra ... em abril de 2026. Ora eu sei lá "como" é que vou estar daqui a um ano e tal! Mas, pronto, faço como o Bennett e vou aceitar. Depois, logo se verá!

sexta-feira, fevereiro 07, 2025

Aviso à navegação


Atenção! Esta é uma conta falsa que foi criada com o meu nome no Instagram. Já foi denunciada e esperemos que seja eliminada.

Teste do algodão

O PSD tem agora uma oportunidade de ouro de se mostrar à altura da clássica atitude de Marques Mendes, quando um dia afastou os autarcas infrequentáveis. Se, por tibieza ou oportunismo, Montenegro ficar "a meio da ponte", confirmará o que muitos pensam dos partidos do sistema.

Mendes - take one

Marques  Mendes, no seu competente discurso de candidatura, mostrou maturidade política e que sabe bem ao que vai. Da parte dele, e espero não estar enganado, o país poderá contar com uma campanha limpa e substantiva, a qual, contudo, só irá verdadeiramente arrancar depois das autárquicas de outubro.

Welcome back!

Parabéns à Polícia Judiciária, e à ministra da Justiça de quem ela depende, pela eficácia na detenção dos fugitivos de Vale de Judeus. Espero que já haja "trancas à porta", que evitem ter de novo a "casa roubada".

Já agora...

Ou muito me engano ou, daqui a dias, os EUA vão descobrir uma fórmula que permita a Israel atuar sem limitações na Cisjordânia, como se esse fosse um território seu. Será a lei da Bíblia imposta à lei da bala - o sonho sionista da extrema-direita judaica, em Israel e nos EUA.

Bayrou

François Bayrou conseguiu fazer sobreviver o seu governo. Mostrou a Macron que tinha razão quando o forçou a nomeá-lo PM. Partiu a coligação das esquerdas, isolou Mélenchon e deu ao PSF oportunidade de se mostrar responsável. Faltam dois anos para as presidenciais. E se...?

No sítio

É nestes dias sombrios que vai ser posta à prova a coragem dos jornalistas americanos, pelo menos dos meios de comunicação social cujos donos não tenham conseguido domar a liberdade dos seus profissionais.

quinta-feira, fevereiro 06, 2025

Periscópio

O militante do PS que propôs um referendo interno sobre o candidato que o partido deve apoiar nas presidenciais já tinha anunciado que iria apoiar o oficial da Armada na reserva Passaláqua de Gouveia e Melo. É o que se chama um socialista com o periscópio de fora.

Gaza

É muito óbvio que a sistemática destruição urbana de Gaza foi uma ação deliberada, com vista a tornar praticamente inviável o regresso dos cerca de dois milhões de palestinos às suas casas, abrindo assim caminho a "soluções" como aquela que Trump ousou propor.

quarta-feira, fevereiro 05, 2025

Seguro

António José Seguro tem todo o direito a querer ser candidato presidencial. E as pessoas da sua área política têm igual direito de achar que as suas possibilidades de ser eleito são próximas de zero e que a persistência nessa candidatura favorece os adversários do partido que lhe deu o palco de que hoje dispõe.

Periscópio

Há críticas ao atual ocupante de Belém, assentes na leitura negativa sobre o seu excessivo uso da palavra. Mas, pelo menos, conhecemos bem o que pensa. Preocupa-me muito haver um candidato presidencial cuja principal "qualidade" é esconder as ideias que eventualmente possa ter.

Oh diabo!


Será que devo anunciar que não ando à procura de emprego?

Tudo sobre rodas


A minha paciência na escolha de um novo carro estava a esgotar-se. Fui a um stand e voltei para casa meio convencido. Na madrugada, andei pela net. Fui a outro stand, "desconvenci-me" do anterior e acabei por comprar outro carro. Desta vez, gastei meia hora na compra. Vá lá!

Gaza, SARL

Cada minuto que passa sem que a União Europeia reaja, com firmeza, à abstrusa ideia de Trump de colocar os Estados Unidos a tomar conta do território de Gaza, forçando a saída dos palestinos da sua terra, é um atestado do estado da sua saúde moral. 

Maria Teresa Horta


A melhor homenagem que se pode fazer a um escritor é ler a sua obra. No caso Maria Teresa Horta, que agora desaparece, de cujos poemas tinha apenas uma já distante memória, decidi lê-la, há meses, estimulado pela magnífica biografia escrita por Patrícia Reis - "A desobediente".

terça-feira, fevereiro 04, 2025

Aga Khan



Morreu hoje, em Lisboa, com 88 anos, o príncipe Aga Khan, figura tutelar do mundo ismaelita, uma prestigiada orientação muçulmana.

A comunidade ismaelita no nosso país tem fortes raízes em Moçambique e constituiu-se, em especial após 1974, como um setor muito respeitado, dotado de um profundo sentido de responsabilidade social.

Durante o tempo em que dirigi o Centro Norte-Sul, do Conselho da Europa, tive o gosto de conduzir o processo de atribuição ao príncipe Aga Khan do Prémio Norte-Sul 2013, votado em Estrasburgo, pelos Estados membros do Centro.

Foi um galardão unanimemente decidido, em face da notável obra cultural e social, à escala internacional, que tinha vindo a ser realizada sob a orientação do príncipe.

Neste triste momento, quero deixar uma palavra solidária de muito pesar ao meu amigo Nazim Ahmad, personalidade ismaelita de grande relevo no nosso país, pessoa que há muito representa, de forma exemplar, a sua prestigiada comunidade, cujo percurso na sociedade portuguesa acompanho, há décadas, com sincera admiração.

Está perdoado...


Pronto! Vítor Gaspar está perdoado! 

Agora é que era...

Agora que começa a soar, dos lados de Washington, a sinistra expressão "Greater Israel", talvez valesse a pena alguém perguntar aos líderes da União Europeia se continuam fiéis à solução dos "dois Estados" e se estão dispostos a defendê-la face aos EUA.  

Não era tão bom...

... aquele tempo em que se vivia desta forma na Amadora, em que havia colónias, pides e coisas assim?

Não...


... não fui eu quem tirou esta fotografia.

Quatro rodas e dois pedais


Os carros são um tema que nunca me interessou. Nem para conversa. Desde que sejam confortáveis e rápidos, basta-me. Há 20 anos, lembro-me que perdi apenas 15 minutos para comprar um. 300 mil quilómetros depois, ele está a pedir reforma urgente. Por estes dias, muito a contragosto, já perdi mais do que um quarto de hora com o assunto. Deve ser da idade. Do carro, claro.

segunda-feira, fevereiro 03, 2025

Rapaziada

Pela experiência destes primeiros dias, já se percebeu que o lema da intervenção de Elon Musk na administração americana lembra uma rapaziada que também temos por cá: menos Estado, melhor Estado e o que sobrar fica para nós e para os amigalhaços.

Espaço vital

Sob a vergonhosa cumplicidade do mundo, os setores radicais de Israel estão agora a converter a Cisjordânia na "nova Gaza". Chamemos os bois pelos nomes: a "solução final" do "problema palestino" passa pela expulsão dos habitantes daquela terra.

Escolhas

Cheguei à conclusão de que, nas escolhas eleitorais que fui fazendo ao longo da vida, senti maior satisfação em poder contribuir para a derrota de algumas hipóteses sinistras que andavam no mercado político do que o gozo que tive nas várias vitórias que partilhei.

Até que enfim!

Lê-se que 175 portugueses, sorteados entre Vilar de Perdizes e o Pulo do Lobo, decidiram já o futuro resultado autárquico em Lisboa. Finalmente, a democracia funciona! Há que acabar com o velho centralismo de serem apenas os lisboetas a escolherem o seu presidente da câmara!

Assim começa o 17° ano deste blogue...


domingo, fevereiro 02, 2025

"Portugal diplomático"


O "Portugal Diplomático" é um site dedicado à política externa portuguesa, dirigido por Bruno Oliveira. 

Tive o gosto de ser convidado a dar uma entrevista para a sua última edição, cuja transcrição pode ser lida das páginas 17 a 33, através deste link.

Democracia e autoritarismo em África


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16 anos deste blogue


Confesso que quase me ia escapando que este blogue comemora hoje 16 anos de existência. Uma existência que tem a curiosidade de ser teimosamente diária, a desmentir o "motto" cauteloso que, desde a primeira hora, entendi dar-lhe.

Recordo, na imagem, as primeiras palavras do primeiro "post". 

Em outros anos, neste dia, simpáticos comentadores tinham por hábito saudar aqui a efeméride. O facto de eu ter decidido, por razões que não vêm ao caso, prolongar a suspensão dos comentários no blogue impede hoje essas amáveis mensagens. Mas sei que os leitores deste espaço, com uma média que ronda os dois mil visitantes/dia, continuam comigo.

Naquele dia, eu acabava de assumir funções como embaixador em Paris, ido do Brasil. Em Belém estava Cavaco Silva, em São Bento permanecia José Sócrates, as Necessidades eram chefiadas por Luís Amado. Manuela Ferreira Leite liderava a oposição. Dias muito difíceis para Portugal estavam ao virar da esquina. Onde tudo isso vai, felizmente!

O mundo, com uma ONU onde permanecia Ban Ki-Moon, tinha líderes como Barack Obama, que acabara de tomar posse, mas também Angela Merkel e Nicolas Sarkozy. Em Londres, Gordon Brown fazia as despedidas de um longo período trabalhista. A ordem internacional estava a viver a crise económica mais grave desde a Grande Depressão dos anos 30 do século passado. Era um outro mundo.

... e Trump só agora chegou!


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A Sérvia em tensão


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sábado, fevereiro 01, 2025

Bayrou

Chegou a hora da verdade para Bayrou. O homem que pensou ser possível aprovar um orçamento sem recorrer ao mecanismo constitucional que só pode ser ultrapassado através da censura e queda do governo, vai ter agora a sua segunda prova de fogo.

Trump não me vai estragar isto, aposto!


Preto


Hoje, apetece-me falar de coisas sérias. Aqui fica uma rara imagem de um pinguim preto. Digam lá se não tem elegância e distinção!

sexta-feira, janeiro 31, 2025

Hello!

Há muitos anos, fingidamente confundido com as diversas vozes que falavam com os EUA em nome do Velho Continente, Henry Kissinger comentou: "Qual é o número de telefone da Europa?". Hoje, com Trump, o problema está resolvido: ninguém nos liga...

Notas breves sobre Belém

1. Luís Marques Mendes anunciou que vai apresentar a sua candidatura. O PSD vai apoiá-la, pressentindo que necessita de tentar segurar o seu eleitorado, de onde sabe que está a fugir muita gente para ir atrás do almirante. É injusto para Marques Mendes que o apoio do seu partido seja feito "faute de mieux". É um homem sério, será um candidato competente e, se acaso fosse eleito, estou certo de que teria um comportamento à altura do sentido de Estado que se exige a um presidente. Mas acho que, nesta fase, ele próprio tem plena consciência de que esta é uma candidatura sem a menor hipótese de sucesso. 

2. A candidatura de António José Seguro está muito longe de poder vir a mobilizar o Partido Socialista, isto é, entusiasma apenas aqueles que, dentro do PS, vivem ainda numa espécie de vingança virtual face a António Costa - tal como acontece com o próprio Seguro. Da mesma forma que Marques Mendes, Seguro é uma pessoa íntegra e que sempre revelou um sentido de Estado que, a meu ver, não colidiria, em tese, com o perfil necessário para o exercício da função presidencial, embora o que há semanas disse a propósito de o OGE não necessitar de aprovação parlamentar tivesse revelado uma estranha pulsão propositiva, que se aproximou de alguma irresponsabilidade. As suas hipóteses de ser eleito são próximas de zero, por muito que algumas sondagens ainda o promovam. Diria mesmo mais, algo que julgo não ser necessário explicar: a maioria das pessoas que, num outro circunstancialismo, se poderiam sentir motivadas a votar em António José Seguro já se decidiram pelo almirante.

3. A meu ver, sem mais reflexões que escondem hesitações, o Partido Socialista tem, muito rapidamente, de "fechar" o seu apoio em torno de uma candidatura de António Vitorino. A larga distância de outros potenciais candidatos oriundos da mesma área - e eu votaria, sem a menor dificuldade, em Augusto Santos Silva, Mário Centeno ou Elisa Ferreira -, António Vitorino, embora tendo por ora um evidente défice de notoriedade, dado ter estado afastado do país muitos anos, é, no plano substantivo que importa para o perfil de um chefe de Estado, uma personalidade com preparação e conhecimentos que só António Guterres suplantaria. Vitorino seria um excelente presidente da República. Possui uma experiência internacional que o qualifica como aquele que, a grande distância, melhor representaria Portugal pelo mundo. Quem o conhece, nomeadamente o mundo partidário fora do PS e os setores económicos e sociais, sabe que a sua capacidade de diálogo seria uma garantia de o país poder vir a ter em Belém uma figura moderada e moderadora. O que Portugal bem precisa, nos tempos que se avizinham.

quinta-feira, janeiro 30, 2025

Dois mais dois

Já pensaram que, se o futebol fosse uma ciência exata, o Casa Pia podia dar uma abada à Juventus?

... e não têm vergonha?

Em lugar de se prestarem a promover as óbvias manobras de diversão temáticas que estão a ser montadas pelo Chega, para disfarçar o embaraço do caso do deputado Samsonite, será que as televisões não sabem que nada as obriga a irem ouvir o senhor Ventura, quando a este lhe dá na gana chamá-las?

Será?


Será que as autoridades policiais são realmente incapazes de detetar quem está por trás destas tentativas de vigarice?

De fato...


Se o Bin Laden tivesse tido juízo, tinha contratado um alfaiate em Damasco e era meio caminho andado. Mas não, embrulhou-se naqueles panejamentos e foi o que se viu. Este rapaz - cujo currículo "agora não interessa nada", como diz a outra - é tudo menos vestuariamente parvo. 

Sair das mãos


O meu pai era um fraseador. Não lhe herdei o génio, mas guardei dele algumas expressões que passei a usar.

Um irmão da minha mãe, que vivia em Lisboa, era um perfecionista, fazendo emendas sobre emendas em tudo quanto tentava alinhavar no papel. Notei que, quando o ia visitar, o meu pai olhava com estranheza para aquele esforço do seu cunhado em torno dos textos, no trabalho profissional que este sempre teimava em trazer para casa. Um dia, desabafou comigo: "O teu tio escreve bem, mas perde muito tempo, porque nada lhe sai das mãos!" Guardei a expressão.

Ontem, ao constatar que estava a perder minutos a mais, à volta de três ou quatro simplórios parágrafos de um texto que tinha pressa em acabar, e já depois de voltar atrás não sei quantas vezes, dei comigo a pensar: "Nada me sai das mãos!" 

Foi então que deduzi que isto deve ser da idade. Não no sentido em que, malevolamente, estão a pensar, mas para concluir que, para o ano, tudo me vai passar a sair das mãos, com toda a certeza, bem melhor e mais rapidamente. Ou será que não?

É só saúde!


Imagem dos EUA, depois do país abandonar a Organização Mundial de Saúde.

"Faithfull"


Com 78 anos, morreu hoje a cantora Marianne Faithfull. A sua vida pessoal e o modo como ela olhava Alain Delon, na fotografia em que também figura o seu então namorado Mick Jagger, confere forte significado ao título que ela escolheu para o seu livro de memórias: "Faithfull"...

Kallas

Admito que Kaja Kallas possa ter sido uma meritória PM da Estónia. Mas a sua prestação à frente da diplomacia da UE tem sido tão fraca que já criou saudades de Borrell e até quase de Ashton. Alguém que explique à senhora que a russofobia é um sentimento, não é uma atitude política.

80 anos de "A Bola"


O jornal "A Bola" fez 80 anos. Que bela idade!

Há já uns anos, em Paris, alguém me contou esta história (detesto o neologismo palopiano estória), que vendo como me a venderam. Ter-se-ia passado nos anos 60 ou 70. 

Três ditos "terroristas" tinham sido detidos numa operação militar, no Norte de Angola. Estavam alinhados, na parada de uma unidade militar portuguesa. Eram homens que combatiam pela independência da sua terra, contra o nosso "ultramar". O exército tinha-os neutralizado e aguardavam transporte para Luanda.

Num determinado momento, um dos "turras" (era assim que, popularmente, os independentistas eram chamados nesses tempos) deu um salto em frente e como que voou alguns metros, para apanhar um papel que se lhe escapara e que o vento havia feito deslocar na parada do quartel. A rapidez do seu movimento corporal apanhou de surpresa os militares à guarda de quem estava, que puxaram logo de arma, numa reacção que, por muito pouco, não foi trágica para a vida do homem. Mas o "turra" rapidamente regressou à formação alinhada com os seus camaradas, recolhendo o papel no bolso.

Os militares portugueses não brincavam em serviço e, de imediato, exigiram a entrega da folha de papel. Quem sabe, podia tratar-se de um documento estratégico, a revelação de planos militares. Se o "turra" tinha corrido o risco de avançar para agarrar o papel, numa ousadia que podia ter-lhe custado a vida, alguma valia ele teria. O detido ainda hesitou mas, face ao óbvio imperativo, acabou por entregar o papel.

O resultado foi mais simples do que se esperava: tratava-se de uma página do jornal "A Bola", esse federador "avant la lettre" do grande e imparável mundo que é a lusofonia desportiva.

Muitos talvez não tenham consciência do importante papel desempenhado por "A Bola", não apenas na ligação entre Portugal e os portugueses que vivem no exterior, mas igualmente na manutenção de uma permanente relação de afeição pelos principais clubes portugueses, que persiste em muitos países africanos de língua portuguesa. 

Pensando bem, talvez "A Bola" tenha feito mais pela preservação de um vínculo dessas pessoas a Portugal do que muitos atos oficiais da nossa política externa...

Não sou um leitor regular de jornais desportivos. Mas no dia de hoje, nos 80 anos de "A Bola", que me preencheu muitos anos da adolescência, já prometi a mim mesmo que vou fazer uma coisa que não faço há bastantes décadas: vou comprar "A Bola". Será a minha modesta homenagem a um grande jornal português.

quarta-feira, janeiro 29, 2025

Ficam a saber

As pessoas que se expressam em termos que revelam que, para elas, a segurança e o bem-estar do povo israelita prevalecem, em absoluto, sobre a segurança e o bem-estar do povo palestino adotam uma atitude que é, muito simplesmente, racista. Se não sabiam, ficam a saber

"DeepSeek"


O DeepSeek é a nova coqueluche da Inteligência Artificial. É chinês e parece que abalou os mercados mundiais.

Decidi experimentar e, numa atitude que admito pode ser vista como algo egocêntrica, mas que me pareceu um teste fácil para avaliar do rigor dessa plataforma, perguntei ao DeepSeek que livros é que eu tinha publicado. E o DeepSeek respondeu assim:

"Francisco Seixas da Costa é um autor prolífico, tendo escrito diversos livros sobre temas relacionados à diplomacia, política internacional, integração europeia e reflexões sobre a sociedade contemporânea. Alguns dos seus livros mais conhecidos incluem:

1. "Crónicas de uma Guerra Improvável" (2003). Uma análise sobre a guerra no Iraque e o contexto internacional que a envolveu.

2. "Portugal na Transição do Milénio"(2004).Reflexões sobre o papel de Portugal no mundo no início do século XXI.

3. "A Europa e os Outros" (2006).Um ensaio sobre as relações da Europa com o resto do mundo, abordando desafios e oportunidades.

4. "Diplomacia"(2007). Uma obra que explora o papel da diplomacia no mundo moderno, baseada na sua vasta experiência como diplomata.

5. "O Fim da Inocência: A Europa depois do Não" (2008). Uma reflexão sobre o impacto do "Não" no referendo ao Tratado Constitucional Europeu e o futuro da União Europeia.

6. "A Europa em Tempos de Crise" (2012). Análise dos desafios enfrentados pela Europa durante a crise económica e financeira.

7. "Diário de Bordo: Crónicas de um Tempo Incerto"(2016). Uma coletânea de crónicas e reflexões sobre política internacional e a sociedade contemporânea.

8. "A Diplomacia de Portugal e os Novos Desafios Globais" (2018). Um livro que aborda os desafios da diplomacia portuguesa num mundo em rápida transformação.

9. "O Mundo em Voo Baixo: Crónicas de um Tempo de Incerteza" (2020). Reflexões sobre as incertezas e transformações do mundo atual, incluindo temas como globalização, populismo e crises internacionais.

Belos títulos, excelentes descrições do respetivo conteúdo. Há apenas um pequeno problema: EU NÃO ESCREVI NENHUM DESSES LIVROS. É tudo falso, tudo inventado!

Se é esta a maravilha da Inteligência Artificial chinesa, vou ali a Xangai e já venho!

terça-feira, janeiro 28, 2025

Um homem com pressa


Regressemos a janeiro de 2017, ao tempo em que Donald Trump iniciou as primeiras funções como presidente. Já poucos recordarão hoje a amálgama de temas que o candidato vitorioso então suscitou, durante a sua furiosa campanha contra Hillary Clinton. 

O caos que envolveu a nova administração, nos anos seguintes, tornou tudo mais confuso. A relutância de Trump em abandonar o poder, rejeitando a derrota e o estímulo que deu ao criminoso assalto às instituições, revelou algo que sempre pareceu ser mais uma obstinação, uma doentia afirmação pessoal, do que a definição de um projeto com um mínimo de coerência. 

Goste-se ou não dele – e ele é, com certeza, o último a estar preocupado com o modo como o mundo exterior o olha –, o Trump de janeiro de 2025 parece ter algo de diferente. O primarismo das formulações, repetidas à exaustão, gongoricamente adjetivadas num léxico limitado, recheadas de exageros patrioteiros, não perdeu o seu caráter simplório. Mas, ouvindo-o, fica evidente que alguma coisa mudou. 

A “filosofia” básica de Trump nunca se afastou muito do mantra que aduba as agendas da extrema-direita, embora se note, nos analistas europeus, uma contínua relutância a qualificá-la como tal, talvez por alguma rotineira subserviência ao mito da bondade da democracia americana. Se, por um segundo, pensássemos nas imensas ditaduras que Washington continua a proteger pelo mundo, nos Abu Ghraib e Guantanamo, talvez nos contivéssemos mais nessa admiração. 

O que quer, afinal, Trump? Em síntese, três coisas. 

Desde logo, quer polarizar na sua pessoa, que deseja fique como salvífica nas páginas da História em que ambiciona figurar, a reação a um mundo progressista e igualitário que, nos últimos anos, tinha desafiado de modo crescente alguns tabus do extremo conservadorismo americano. O Trump II libertou-se do republicanismo rotineiro de aparelho e passou a ser a bandeira do reacionarismo mais ideológico, hiper-religioso, moralista, “back to basics”, às vezes com laivos quase cavernícolas. 

Além disso, o cultivo da ideologia do sucesso terá convencido Trump de que sentar à mesa do poder os mediáticos gurus das grandes empresas do mundo digital, associar a isso uma exploração intensiva dos recursos energéticos e minerais, próprios ou mesmo alheios, pode ser uma receita para o bem-estar quase imediato dos cidadãos americanos que nele confiam. E esse é claramente o único critério que importa a quem não revela uma gota de solidariedade humanista perante os problemas dos outros. É a América, só a América, que interessa a Trump. 

Depois, muito depois de tudo, surge, finalmente, o resto do mundo. Um mundo onde os aliados são meras entidades dependentes dos humores do suserano, onde os quadros regulatórios há décadas criados na ordem global, para evitar a selva da luta entre poderes, aparecem hoje como mero estorvo para quem reivindica, sem o menor pudor, não apenas uma excecionalidade, mas que exige ser aceite como a nova e indisputada tutela ordenadora. 

Não tenho visto sublinhado, com suficiente ênfase, o facto de este comportamento à escala global, que se anuncia despudoradamente ditatorial, não ser compaginável com as “amplas liberdades” dos cidadãos americanos. Voltamos assim à iluminada democracia só para os atenienses! 

Trump tem pressa. Quer ficar na História. Percebe que não tem estofo para ser Roosevelt, nem gente à volta que o faça um Reagan, nem tem a efémera estrelinha de Camelot de Kennedy. Quer garantir, com rapidez, uma onda egoísta de progresso para os seus cidadãos, à custa do que for necessário, doa a quem doer. E vai doer. 

Sabe que, daqui a dois anos, a Câmara e parte do Senado regressam a votos, e que pode deixar de ter as mãos livres no equilíbrio legislativo. E que não pode ser reeleito. Por isso, Trump tem toda a pressa do mundo, porque já não vai para novo e porque a morte não espera por ninguém.

(Artigo publicado a convite do Jornal i)

segunda-feira, janeiro 27, 2025

Auschwitz


A Alemanha, país responsável pelo extermínio organizado de milhões de pessoas, durante a 2ª Guerra mundial, e que era então dirigida por um partido de extrema-direita, chefiado por Adolf Schickelgruber, depois chamado Hitler, havia criado, em Auschwitz-Birkenau, na Polónia ocupada, um campo de concentração. 

Há 80 anos, as tropas do regime comunista da União Soviética, dirigida por Josef Vissariónovitch Stalin, ocuparam o local e libertaram os prisioneiros que aí estavam.

(Estas coisas não costumam ser ditas assim. Mas eu faço-o)

Brasil

O Brasil vive um período de crescente vazio político. Este mandato de Lula não tem sido um sucesso, a sua reeleição oferece muitas dúvidas e não tem um sucessor político óbvio. Com Bolsonaro quase fora de jogo, não emergiu ainda uma figura alternativa à direita. O centro parece que morreu.

Ainda há Europa?

A proposta de Trump de afastar os palestinos de Gaza vai ser um belíssimo teste para se perceber se ainda resta um pingo de vergonha e de decência, no seio da União Europeia, face à questão Israel-Palestina, depois do comportamento miserável da Europa nos últimos meses.

Sob teste

Vai ser interessante observar que Estados da Liga Árabe irão tomar iniciativas, no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, com vista a oporem-se ao processo de limpeza étnica dos palestinos de Gaza agora proposto por Trump. E será muito curioso ver a reação da Rússia e China.

Bielorrússia


Lukashenko foi reeleito na Bielorrússia. Está no poder desde 1994. Se a vodka lhe der vida e saúde, ficará até 2030. Ou mais.

A Bielorrússia é, nos dias de hoje, um Estado vassalo da Rússia. Chegou a ganhar alguma distância face a Moscovo, mas, após a aventura russa na Ucrânia, Lukashenko sabe que o seu futuro está cada vez mais ligado ao de Putin. Para o seu bem e para o seu mal.

Confesso que sempre achei muita graça aos bonés militares bielorrussos. Nem o porteiro-mor do excelente Marriot de Minsk tem um com tanta pinta.

domingo, janeiro 26, 2025

O outro Trump

Uma discreta mas nunca assumida simpatia por Trump era detetável numa certa esquerda, que alimentava a ilusão de que, como presidente, ele faria o jogo de Putin na Ucrânia. Agora, Trump parece arrastar os pés no jogo com Moscovo. Essa rapaziada, compreensivelmente, anda agora um pouco triste.

sábado, janeiro 25, 2025

Ramalho Eanes


Quando cheguei a Angola, ido da Noruega, em maio de 1982, para trabalhar na nossa embaixada em Luanda, fui obrigado a viver, por alguns meses, no Hotel Trópico, então uma sombra do que já fora e, em especial, do que hoje é.

Os tempos eram difíceis, nesses dias de guerra civil, e o abastecimento de Luanda era muito precário, com a hotelaria a ressentir-se fortemente disso. No Trópico, o vinho servido era português, mas escasso e muito mau. "Deve ser bom para usar como decapante de pintura de carros", ironizava o Sebastião Gomes, um técnico que ali estava destacado pelas OGMA, o qual, com o Hélder Martins e o Alfredo Esteves, da STAR, muitas vezes abancava comigo nas sinistras refeições de peixe frito com arroz, que era o prato nosso de cada dia no Trópico.

Um dia, veio almoçar connosco um amigo angolano. Ao queixarmo-nos do vinho servido, ele saiu-se com esta: "Já sinto saudades dos Ramalho Eanes!". Ficámos a olhar para ele, surpreendidos por aquele plural majestático: "Os Ramalho Eanes"! O que é que ele queria dizer com isso? 

A explicação veio de seguida. Pouco tempo antes, o presidente Ramalho Eanes estivera de visita de Estado a Angola, a convite do seu homólogo José Eduardo dos Santos, uma ocasião que teve um grande impacto político. Na ocasião, o governo angolano colocara à venda uma larga importação de garrafões de vinho português. Mas foi sol de pouca dura: acabada a visita, eles logo desapareceram do mercado. Nunca consegui apurar que espécie de vinho traziam esses garrafões, que a voz pública luandense logo crismou como "os Ramalho Eanes"! 

Hoje, 25 de janeiro de 2025, dia em que o general António Ramalho Eanes cumpre a bela marca de 90 anos de idade, deixo aqui, com os meus sinceros parabéns e nota de respeito ao aniversariante, esta historieta que liga o seu nome a um leve aligeirar das dificuldades que os angolanos atravessaram nesses anos bem dramáticos. 

Mas é necessário sermos rigorosos e justos: o nome de Ramalho Eanes, em Angola, foi muito mais do que isso. Eanes é alguém que, desde o seu histórico encontro com Agostinho Neto, em 1978, em Bissau, tudo tentou para que as relações entre Portugal e Angola avançassem por um bom caminho. Esse caminho, infelizmente, revelou-se muito mais tortuoso e difícil de percorrer do que então parecia possível. Mas ele teve esse indiscutível e assinalável mérito.

Bola

Em termos de "jogo jogado" (adoro futebolês saloio, saído da "cultura de balneário"), o (meu) Sporting está longe de convencer. Mas, vá lá!, o novo "mister" conseguiu inverter um pouco as coisas. E há uma rapaziada que, em outras bandas, tem dado um simpático contributo relativo.

Dar a cara

O PM espanhol vai propor o fim do anonimato nas redes sociais. Há anos que defendo o mesmo. Os riscos decorrentes do uso dos pseudónimos ultrapassam, em muito, a sua suposta "graça", favorecendo os cobardes que não têm coragem de assumir o que dizem com o seu verdadeiro nome.

... e ainda não chegámos à Madeira

O PS deveria estabelecer uma regra de prescrição sobre o número de vezes que está disposto a perder as eleições na Madeira mantendo o mesmo candidato. É que já vai em nove derrotas consecutivas...

Trump e Montenegro

Trump aprendeu bem as lições do caos que foi o início da sua anterior administração. Desta vez, parece estar tudo muito mais oleado, seja em decisões legislativas, seja em nomeações. E, claro, nas demissões de quem estava lá antes. Terá pedido assessoria a Montenegro?

California...

 


A esfinge do Cairo

Os dois únicos países do mundo que escaparam à suspensão temporária da ajuda americana ontem decidida por Trump foram Israel e ... o Egito. "O Egito?" reagirão alguns. Isso acontece em todos os tempos políticos americanos e nos vários ciclos ditatoriais egípcios. Realpolitik...

Artista

O Brasil está a alimentar uma esperança tal de que Fernanda Torres obtenha um Óscar que, no caso de isso não vir a acontecer, pode converter-se numa tragédia nacional.

Nada mais, nada menos

Por muito que isso custe aos preconceituosos, é preciso afirmar, alto e bom som, que, aos imigrantes, se deve exigir exatamente o que se exige aos cidadãos nacionais: que cumpram as leis do nosso país. Nada mais, nada menos. Tenham eles a cultura, a língua e religião que tiverem.

sexta-feira, janeiro 24, 2025

Afinal...

Fico com a impressão de alguns que, desde há vários meses, estavam convencidos de que a chegada de Trump à Casa Branca significaria a imediata cessação do apoio militar americano à Ucrânia andam já um pouco nervosos com alguma ambiguidade discursiva que agora chega de Washington.

Se eu fosse...

Se eu fosse militante do Partido Socialista, seria obrigado a afirmar, no dia de hoje, o meu desacordo com a forma e, em especial, com a oportunidade das palavras do seu secretário-geral sobre a questão imigratória, na sua entrevista ao "Expresso". Como não sou...

Será respeitinho?

Apelidam-se de extrema-direita as figuras europeias que têm esse iniludível recorte ideológico. Mas por que será que não se usa o mesmo qualificativo para Trump, o qual, aliás, não hesitou em convidar a fina flor extrema-direita para a sua posse? Será que é respeitinho à América?

A sério?

Um país em que os jornaleiros para quem o crime compensa abrem noticiários com um político pilha-malas, um país que está prestes a entregar a chefia do Estado a um fulano que ganhou fama por ter feito uma eficaz distribuição de vacinas, é um país que não pode ser levado a sério.

"Forum Demos"


A voz lúcida de Celso Lafer, jurista, académico e antigo ministro das Relações Exteriores do Brasil, animou mais um jantar-debate do "Forum Demos", um grupo de reflexão criado por Álvaro Vasconcelos, dedicado à análise das grandes questões globais. Trump esteve bastante por lá.

"Viver com Trump"


Trump tem fortes razões para estar orgulhoso. E isso ficou claro no seu discurso de posse. Regressar ao poder, com a forte legitimidade eleitoral que conseguiu arregimentar, com confortável base legislativa e judicial, deve dar uma muito agradável sensação de poder. Um poder que recuperou depois de ter descido aos infernos, com uma derrota eleitoral sofrida mas nunca aceite, com processos judiciais cumulativos e humilhantes, depois de ter sido exposto como cúmplice de uma agressão constitucional sem precedentes ao Capitólio. Capitólio esse onde agora reentra pela porta principal, sob o olhar impotente dos seus inimigos, com esse passado conflitual recente colocado entre parêntesis. Como vingança, reconheça-se, Trump não poderia ter desejado mais e melhor.

Ele também sabe que pode olhar o mundo de cima, desde os seus adversários aos seus atarantados aliados, com a noção clara de que é a sua palavra que verdadeiramente vai contar no futuro imediato, o que lhe confere um estatuto quase único, à escala internacional. E pressente que muitos americanos se revêem, com gosto, nesse tipo de discurso afirmativo, que mistura nacionalismo, arrogância com um sentido de excecionalidade, que cai bem na imagem que se habituaram a ter de si próprios.

O discurso de entronização de Trump mereceria uma exegese cuidada – política, sociológica e psicológica. O que ali ficou dito, no tom, na forma e no conteúdo, é o espelho de uma liderança que encenou, com todo o cuidado, uma coreografia de sucesso, de confiança, de ausência de dúvidas, de uma certeza inabalável no êxito. Trump parece quase não antever obstáculos para os seus projetos, como se a simples afirmação da vontade fosse garantia de resultados. Com Trump, o destino americano, que confunde com o seu, é só um e não há escolhos que o possam limitar.

Para muitos observadores estrangeiros, designadamente europeus, habituados a um outro registo de linguagem do poder, o discurso chega a parecer ridículo, em certas passagens mais gongóricas e auto-congratulatórias. Se a isso somarmos os aspectos místicos e o culto hiperbólico das virtudes do povo americano, fica criada uma coreografia algo bizarra para ouvidos alheios. Se um líder europeu, numa intervenção daquela solenidade, ousasse anunciar que ia renomear uma entidade geográfica de fronteira, provocando gratuitamente o Estado vizinho com o qual tem a maior carteira de relações comerciais, cairia no ridículo. Até Hillary Clinton, ao ouvir a proposta, caiu em gargalhadas. Mas Trump considera-se imune ao ridículo – e isso, goste-se ou não, acaba por ter um forte significado político.

Trump e o mundo

De há muito que o mundo sabe que depende dos humores da América. Mas talvez nunca tenha dependido tanto como nos dias de hoje.

Trump é um presidente para a América, eleito pela América, que só pode ser condicionado por ela. Só os americanos podem vir a travar Trump. As entidades exteriores podem opor-se a Trump, mas, nesse caso e com todas as consequências, terão de correr o risco de vir a enfrentar a força dessa mesma América.

No seu discurso de posse, o mundo exterior só esteve presente naquilo que tinha real importância para o público americano. As taxas alfandegárias, o mito de um mundo que se “aproveita” dos EUA, o papão chinês e algumas atitudes simbólicas surgiram no texto, elaborado por “speech writers” que souberam dosear ideologia com anúncios que tocaram cordas sensíveis de uma certa América, desses mais de 70 milhões de pessoas que confiam em Trump.

A Europa não apareceu no discurso? Biden, há quatro anos, também ignorou os aliados europeus. Mas, ao recusar o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, ao decidir, horas mais tarde, abandonar a Organização Mundial de Saúde, o presidente americano sabe que está a dar um sinal de desvalorização do mundo multilateral, que é tido como vital por parte da União Europeia. E, ao dizer que os EUA, em lugar de gastarem dinheiro a defender as fronteiras dos outros, devem defender as suas, está a “matar dois coelhos com uma só cajadada”: prenuncia o fim do financiamento à Ucrânia e assinala o reforço do policiamento à fronteira com o México, tida como ponto essencial para a travagem da imigração, que Trump e muitos americanos identificam com a insegurança nas ruas.

E agora?

Donald Trump declinou a sua agenda. Deixou evidente que ela vai depender pouco da vontade dos outros, o que quer dizer que tem a intenção de que a sua própria vontade seja a regra do novo jogo.

Não sendo estranho que este tipo de intenção procure prevalecer perante os adversários e inimigos, poderia parecer menos curial que Estados amigos e aliados sejam tratados desta forma.

A América, contudo, não é conhecida por ter uma relação equilibrada com os países que lhe são teoricamente próximos. Os EUA têm uma tendência, que não é de hoje, de considerar que os seus interesses, nomeadamente os de ordem estratégica, devem ser em absoluto seguidos por quantos têm a sua segurança dependente do poder armado americano. E assumem essa atitude de forma muito aberta, quase chocante. E, em geral, esse mundo de amigos da América resigna-se. Embora, verdade seja, raramente isso seja feito num registo de “bullying” tão brutal como o que Trump pratica.

No que diretamente interessa à Europa, o que se pode fazer? A União Europeia tem de tentar preservar a todo o custo a sua unidade, em especial no terreno negocial que aí vem. O passado provou que os EUA conseguem, se quiserem, fazer uma espécie de “pesca à linha” dentro da Europa. O poder americano é politicamente “afrodisíaco” e a sedução de uma fotografia na Sala Oval com o presidente de turno é irresistível, em especial para os poderes que, na Europa, se habituaram a fazer de conta que são “grandes” neste mundo. Já para não falar dos outros.

Não vale a pena ter ilusões no plano militar e de segurança, nomeadamente no que toca à questão ucraniana: os EUA de Trump já deixaram claro que têm em escassa consideração a obsessão europeia perante a agressividade russa. E expressaram de forma muito óbvia que não estão dispostos a suportar o custo da segurança alheia, perante um adversário que não vêem como o seu inimigo principal. A mensagem de Trump não pode ser mais cristalina: os Estados Unidos, sob a sua liderança, entendem que a segurança europeia é, basicamente, uma obrigação da Europa, a ser suportada pelos contribuintes europeus, com os EUA dispostos a venderem armamento e tecnologia, embora mantendo, por tempo a determinar, a rede de bases militares que têm no Velho Continente.

No resto, na economia, a Europa sabe que continua a ter algumas outras armas para responder à pressão de Trump, dado que o mercado europeu é bastante importante para os EUA. Mas a América é sempre muito fria com os números: a balança comercial está desequilibrada em seu desfavor e isso vai ser posto em cima da mesa de modo frontal. Além disso, a regulação europeia é um estorvo a alguns gigantes tecnológicos americanos, que Trump, um tanto surpreendentemente, cooptou para o seu serralho de amigalhaços e financiadores. Vai ser uma negociação muito difícil e todos os tabuleiros – económicos, tecnológicos e de defesa – tenderão a confundir-se. E não é seguro, bem antes pelo contrário, que a vantagem esteja do lado de cá do Atlântico.

Resta o fator tempo e o peso dos factos. A realidade é sempre muito mais imaginativa do que os homens e, mais dia menos dias, algumas das ilusões grandiloquentes em que se apoia a narrativa eufórica de Trump irá confrontar-se com um banho frio na sua prática. E, à medida que as coisas se tornem mais difíceis para o novo inquilino da Casa Branca, o seu apoio político interno pode vir a ser afetado. Foi sempre assim no passado e nada indica que o não venha a ser de novo. A escassa maioria de que Trump dispõe na Câmara dos Representantes dificilmente poderá ser preservada nas “midterm elections” de 2026, com efeitos na sua capacidade de implementação legislativa. E isso não será sem consequências para a sua margem política de manobra. Mas essas são contas para uma “bolsa de futuros” e, até lá, o mundo vai ter de viver um longo dia-a-dia com Trump. Será como uma tempestade: teremos de nos precaver até que passe.

( Artigo hoje publicado a convite do "Jornal Económico" )

quarta-feira, janeiro 22, 2025

Trumpe

Tenho sincera inveja do modo como Nicolás Maduro pronuncia o nome de Trump. Em vez de se subordinar, como todos disciplinadamente fazemos, à forma anglo-saxónica de dizer a palavra ("trâmpe"), o patusco ditador dos fatos de treino coloridos fala de "trumpe" sem se rir. Valente! 

terça-feira, janeiro 21, 2025

Davos

Deve ter graça estar em Davos, por estes dias. Os maluquinhos das teorias da conspiração, os mesmo que acham que Bilderberg tem qualquer importância, devem estar rapidamente a perceber que quem de facto manda não anda por ali.

segunda-feira, janeiro 20, 2025

Pensem nisto

Trump talvez conseguisse assegurar um lugar na História se, do alto da posição de força de que agora dispõe, levasse a Rússia a envolver-se numa nova arquitetura de segurança, da qual a NATO europeia fizesse parte. Mas não estamos com gente disso, como se diz na minha terra.

domingo, janeiro 19, 2025

Uma descoberta e um agradecimento


Pessoa amiga chamou a minha atenção para esta lista, datada do início de dezembro de 2024, que me tinha escapado. 

Fico muito grato pela simpatia do blogue de João Eduardo Severino, "Pau para toda a obra".

Palestina e Israel


Este episódio de "A Arte da Guerra" foi gravado na quarta-feira, dia 15 de janeiro. A questão do cessar fogo e da troca de reféns por prisioneiros teve, entretanto, desenvolvimentos, relativamente ao que ali foi dito. Mas aqui o deixo, como registo.

Toscânia com coentros

 


"Fago" (Marvão)


Se estiverem interessados, pode ler aqui a minha apreciação sobre uma visita ao restaurante "Fago", em Marvão

sábado, janeiro 18, 2025

Lynch

Na morte de David Lynch, espero não ser "linchado" se revelar que não vi nenhum episódio do Twin Peaks e que não faço a menor ideia de quem era a tal de Laura Palmer que parece que morreu. Mas nunca lhe agradecerei suficientemente o Blue Velvet.

Trump - the movie...

Serei só eu que, no "remake" de Trump, sinto ainda e já saudades dos cromos da sua anterior presidência - do Sean Spicer que divertia os jornalistas, dos "factos alternativos" de Kellyanne Conway, do patético e breve Anthony Scaramucci e do "strangelove" de comédia Michael Flynn?

Marvão


Em outros tempos, nos anos 70, a Pousada de Marvão tinha sete quartos. Hoje tem 31. Chegava-se no sábado, pela tarde, com o "Expresso" debaixo do braço (não havia saco), que trazia as especulações sobre o governo mais ou menos provisório de turno, assinadas na página dois por um cronista que inicializava (a palavra não tinha então o significado informático de hoje) como MRS. Os cavalheiros iam vestidos com calças de veludo e camisolas de losangos, oferta das legítimas pelo Natal, compradas na Lanalgo, com as suas "três entradas para uma saída feliz". Nesse tempo, para o chá com torradas em pão de forma (não havia a modernice de as fazer com pão saloio), só se servia Lipton. Ao final da tarde, bebia-se um gin, mas também só havia Gordon's, claro. Jantava-se junto às janelas magníficas sobre o vale, com o comboio Lusitânia a passar lá ao fundo, vindo da Madrid onde fervia a transição e declinavam as Lolas do Pasapoga, onde os ricaços alentejanos tinham garrafa, desde o tempo do Franco e do MDLP. A carta da Pousada trazia umas propostas gastronómicas estafadas e dois ou três vinhos manhosos. Com os bons fígados que à época tínhamos, fechávamos a noite com uma CRF em balão aquecido, a ouvir o Fialho Gouveia a dar-nos as últimas do Portugal a-preto-e-branco a que tínhamos direito. Eram bons tempos? Eram os tempos que havia e boa, boa era a idade que então tínhamos.

A soberba vista continua a ser a mesma. Como ontem me dizia um amigo: "Vais a Marvão? Lá de cima, veem-se as costas das águias". Bem procurei, mas, com este frio, devem ter ido todas em romagem à Luz, ver o Lage vingar-se sobre o pobre Famalicão, com esperança de poder beneficiar da lesão muscular do Gyökeres.

sexta-feira, janeiro 17, 2025

Trump - "take two"


Análise do regresso da América de Trump. Ver aqui

Vítimas da estatística

A propósito da demissão do diretor do SNS, temos de ser justos: com tanta gente que tem vindo a ser saneada pelo governo PSD, torna-se estatisticamente mais provável que apareçam cada vez mais falcatruas. Este governo, no fim de contas, é apenas uma pobre vítima da estatística.

PSF bem

A partilha pela esquerda francesa da obsessão presidencial de Jean-Luc Mélenchon começava a ser um tapete vermelho para Marine Le Pen entrar no Eliseu. Em nenhuma circunstância Mélenchon teria o voto de 51% dos franceses. Mesmo para derrotar Le Pen. O PSF fez bem em afastar-se.

Biden

Não é muito popular lembrar que Barack Obama deixou uma herança desastrosa em matéria de política externa. Contudo, isso não nos deve coibir de dizer que Joe Biden disputa fortemente aquele "benchmark" negativo. Salva-se a sua prudência ao ter procurado evitar um conflito global.

"Bougain"


No meu blogue "Ponto Come" ficou uma nota de apreciação do restaurante "Bougain", em Cascais.

A solidão socialista

Ontem, o PS francês decidiu arriscar. Viabilizando o governo Bayrou, rompeu a aliança à esquerda, ficando numa "terra de ninguém". Ganharam em credibilidade, mas, se houver novas eleições, Mélenchon colocará candidatos contra eles e podem voltar a desaparecer.

Língua portuguesa

Tive muito gosto de participar ontem no Congresso "Da minha Lingua vê-se o Mundo", organizada pelo jornal "Público", no ...