terça-feira, janeiro 28, 2025

Um homem com pressa


Regressemos a janeiro de 2017, ao tempo em que Donald Trump iniciou as primeiras funções como presidente. Já poucos recordarão hoje a amálgama de temas que o candidato vitorioso então suscitou, durante a sua furiosa campanha contra Hillary Clinton. 

O caos que envolveu a nova administração, nos anos seguintes, tornou tudo mais confuso. A relutância de Trump em abandonar o poder, rejeitando a derrota e o estímulo que deu ao criminoso assalto às instituições, revelou algo que sempre pareceu ser mais uma obstinação, uma doentia afirmação pessoal, do que a definição de um projeto com um mínimo de coerência. 

Goste-se ou não dele – e ele é, com certeza, o último a estar preocupado com o modo como o mundo exterior o olha –, o Trump de janeiro de 2025 parece ter algo de diferente. O primarismo das formulações, repetidas à exaustão, gongoricamente adjetivadas num léxico limitado, recheadas de exageros patrioteiros, não perdeu o seu caráter simplório. Mas, ouvindo-o, fica evidente que alguma coisa mudou. 

A “filosofia” básica de Trump nunca se afastou muito do mantra que aduba as agendas da extrema-direita, embora se note, nos analistas europeus, uma contínua relutância a qualificá-la como tal, talvez por alguma rotineira subserviência ao mito da bondade da democracia americana. Se, por um segundo, pensássemos nas imensas ditaduras que Washington continua a proteger pelo mundo, nos Abu Ghraib e Guantanamo, talvez nos contivéssemos mais nessa admiração. 

O que quer, afinal, Trump? Em síntese, três coisas. 

Desde logo, quer polarizar na sua pessoa, que deseja fique como salvífica nas páginas da História em que ambiciona figurar, a reação a um mundo progressista e igualitário que, nos últimos anos, tinha desafiado de modo crescente alguns tabus do extremo conservadorismo americano. O Trump II libertou-se do republicanismo rotineiro de aparelho e passou a ser a bandeira do reacionarismo mais ideológico, hiper-religioso, moralista, “back to basics”, às vezes com laivos quase cavernícolas. 

Além disso, o cultivo da ideologia do sucesso terá convencido Trump de que sentar à mesa do poder os mediáticos gurus das grandes empresas do mundo digital, associar a isso uma exploração intensiva dos recursos energéticos e minerais, próprios ou mesmo alheios, pode ser uma receita para o bem-estar quase imediato dos cidadãos americanos que nele confiam. E esse é claramente o único critério que importa a quem não revela uma gota de solidariedade humanista perante os problemas dos outros. É a América, só a América, que interessa a Trump. 

Depois, muito depois de tudo, surge, finalmente, o resto do mundo. Um mundo onde os aliados são meras entidades dependentes dos humores do suserano, onde os quadros regulatórios há décadas criados na ordem global, para evitar a selva da luta entre poderes, aparecem hoje como mero estorvo para quem reivindica, sem o menor pudor, não apenas uma excecionalidade, mas que exige ser aceite como a nova e indisputada tutela ordenadora. 

Não tenho visto sublinhado, com suficiente ênfase, o facto de este comportamento à escala global, que se anuncia despudoradamente ditatorial, não ser compaginável com as “amplas liberdades” dos cidadãos americanos. Voltamos assim à iluminada democracia só para os atenienses! 

Trump tem pressa. Quer ficar na História. Percebe que não tem estofo para ser Roosevelt, nem gente à volta que o faça um Reagan, nem tem a efémera estrelinha de Camelot de Kennedy. Quer garantir, com rapidez, uma onda egoísta de progresso para os seus cidadãos, à custa do que for necessário, doa a quem doer. E vai doer. 

Sabe que, daqui a dois anos, a Câmara e parte do Senado regressam a votos, e que pode deixar de ter as mãos livres no equilíbrio legislativo. E que não pode ser reeleito. Por isso, Trump tem toda a pressa do mundo, porque já não vai para novo e porque a morte não espera por ninguém.

(Artigo publicado a convite do Jornal i)

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