Em outros tempos, nos anos 70, a Pousada de Marvão tinha sete quartos. Hoje tem 31. Chegava-se no sábado, pela tarde, com o "Expresso" debaixo do braço (não havia saco), que trazia as especulações sobre o governo mais ou menos provisório de turno, assinadas na página dois por um cronista que inicializava (a palavra não tinha então o significado informático de hoje) como MRS. Os cavalheiros iam vestidos com calças de veludo e camisolas de losangos, oferta das legítimas pelo Natal, compradas na Lanalgo, com as suas "três entradas para uma saída feliz". Nesse tempo, para o chá com torradas em pão de forma (não havia a modernice de as fazer com pão saloio), só se servia Lipton. Ao final da tarde, bebia-se um gin, mas também só havia Gordon's, claro. Jantava-se junto às janelas magníficas sobre o vale, com o comboio Lusitânia a passar lá ao fundo, vindo da Madrid onde fervia a transição e declinavam as Lolas do Pasapoga, onde os ricaços alentejanos tinham garrafa, desde o tempo do Franco e do MDLP. A carta da Pousada trazia umas propostas gastronómicas estafadas e dois ou três vinhos manhosos. Com os bons fígados que à época tínhamos, fechávamos a noite com uma CRF em balão aquecido, a ouvir o Fialho Gouveia a dar-nos as últimas do Portugal a-preto-e-branco a que tínhamos direito. Eram bons tempos? Eram os tempos que havia e boa, boa era a idade que então tínhamos.
A soberba vista continua a ser a mesma. Como ontem me dizia um amigo: "Vais a Marvão? Lá de cima, veem-se as costas das águias". Bem procurei, mas, com este frio, devem ter ido todas em romagem à Luz, ver o Lage vingar-se sobre o pobre Famalicão, com esperança de poder beneficiar da lesão muscular do Gyökeres.
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