quinta-feira, janeiro 30, 2025

Sair das mãos


O meu pai era um fraseador. Não lhe herdei o génio, mas guardei dele algumas expressões que passei a usar.

Um irmão da minha mãe, que vivia em Lisboa, e que escrevia bem, era um perfeccionista, fazendo emendas sobre emendas em tudo quanto tentava alinhavar no papel. Eu notei que, quando o visitava, o meu pai olhava com estranheza para aquele esforço do seu cunhado em torno dos textos, no trabalho que este sempre teimava em trazer para casa. Um dia, desabafou comigo: "O teu tio escreve bem, mas perde muitas horas com as coisas, porque não lhe sai nada das mãos!" Guardei a expressão.

Hoje de manhã, ao constatar que estava a perder minutos a mais, à volta de três ou quatro simplórios parágrafos de um texto que tinha pressa em acabar, e já depois de voltar atrás não sei quantas vezes, dei comigo a pensar: "Não me sai nada das mãos!" 

Foi então que deduzi que isto deve ser da idade. Não no sentido em que, malevolamente, estão a pensar, mas para concluir que, para o ano, tudo me sairá das mãos, com toda a certeza, bem melhor e mais rapidamente. Ou será que não?

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