terça-feira, junho 05, 2012

Menos de 20 horas em Lisboa

1. Que calor! Parece Marraquexe!

2. É dos meus olhos ou a cidade está bem mais suja?

3. Não é dos meus olhos: há um claro declínio do trânsito em Lisboa.

4. Encontrei um taxista com uma solução para resolver a questão do "gangsterismo" de alguns dos seus pares no aeroporto de Lisboa. Só que "a Antral não quer", disse-me.

5. "Às vezes, os seus textos são longos demais para um blogue. E saem melhor quando se afastam da atualidade". Tomei nota, mas não prometo nada.

6. Assumi funções como membro da comissão para a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Senti a falta de alguém que, infelizmente, não pode lá estar: Ernâni Lopes.

7. Somos o país do ouro. Trouxemo-lo do Brasil para o derreter em patetices, entesourámo-lo com Salazar (com barras de origem duvidosa, com a suástica inscrita, ainda nos fundos do Banco de Portugal) e, agora, nestes tempos em que nos troikam as voltas da vida, os agiotas de banca montada por todos as ruas de Lisboa (até na minha) arrancam-no à miséria das famílias. 

8. No aeroporto, nas partidas, fazem-nos agora passar pelo meio do "free shop". "Good try!", mas já ando nisto há muito tempo e só compro o que me faz falta.

segunda-feira, junho 04, 2012

Esquizofrenia

Sinto haver algum esquizofrenia no discurso da nossa comunicação social, quando se trata de abordar a questão do investimento estrangeiro em Portugal.

Por um lado, clama-se pela necessidade de ser criado um ambiente para o bom acolhimento dos capitais externos, como forma de carrear para a economia portuguesa fundos e massa crítica que permitam induzir crescimento e competitividade. Nessa perspetiva, diz-se ser imperioso adequar o nosso quadro legal laboral, por forma a flexibilizar o mercado de trabalho, garantindo, ao mesmo tempo, ganhos de eficácia no sistema judicial, na administração pública e em outros setores nos quais os investidores estrangeiros detetam ainda fragilidades, reduzindo-lhes a apetência para aqui operarem.

Porém, com estranha frequência, às vezes nos mesmíssimos jornais onde o que acima refiro é defendido com ardor e zelo liberal, encontro alertas e até algum pânico sobre os efeitos que a entrada maciça de capital exterior pode trazer para a economia nacional, pela perda dos centros de decisão, pelas consequências deletérias que a expansão de certos investidores estrangeiros no tecido empresarial português pode vir ter, com consequências mesmo nos equilíbrios do nosso sistema político. A tudo isto se aliam, não raramente, algumas teorias conspirativas, muitas vezes ligadas a preconceitos face aos regimes e países de onde esses capitais são originários.

Quando se disputa um jogo, aceitam-se todas as suas regras. Ou, então, não se vai a jogo. E as regras da economia liberal, boas ou más, são as que são. Podemos estar em desacordo com elas e recusá-las, cabendo então colocar sobre a mesa as alternativas que devem ser seguidas. O que não se pode é querer ter "sol na eira e chuva no nabal".

domingo, junho 03, 2012

Os diplomatas e as "secretas"

"Vê lá no que te metes!", prevenia-me, há dias, um amigo quando lhe disse que tencionava escrever um post sobre as "secretas" portuguesas. O facto das pessoas sempre falarem dos serviços de informações "com luvas" prova bem a sensibilidade histórica que a questão tem entre nós. Por muito que alguns possam tentar negá-lo, a verdade é que, no imaginário português, o conceito está ainda ligado aos tempos da PIDE, o que provoca uma reação de imediata prudência. O conselho do meu amigo também tinha a ver com episódios da política recente - embora eu lhe assegurasse que o tratamento do tema não iria nada por aí.

Os serviços de recolha de informações são um instrumento absolutamente indispensável para a defesa dos interesses dos países, na ordem interna e externa. Nenhum Estado passa sem eles, porque as ameaças à sua segurança são permanentes e há que habilitar quem tem responsabilidades políticas com dados que lhes permitam tomar decisões para a proteção desses mesmos interesses. Para serem eficazes, os serviços têm de ser discretos, pelo que têm de ter um caráter "secreto", quer nas suas análises da informação "aberta", quer quando recorrem a outras fontes mais oblíquas para sustentarem a sua pesquisa. E têm de ser independentes, desde logo dos meios económicos e, tanto quanto a razoabilidade e as leis da vida o permitem, dos meios políticos, para que a ciclicidade destes não comprometa a sua funcionalidade.

Os serviços de "intelligence" têm sempre, pelo menos, dois grandes problemas a superar. O primeiro é que não têm a possibilidade de se louvar publicamente na eficácia da sua ação, o que faria com que os cidadãos os aceitassem melhor: a prevenção de uma infiltração potencialmente terrorista, a deteção atempada de redes de criminalidade organizada, o alerta precoce para o surgimento de movimentos extremistas anti-constitucionais, etc. O segundo problema, é, por tradição, bastante mais complexo de resolver e, por essa razão, regular objeto de um controlo parlamentar, sobre cuja real eficácia sempre alimentei imensas dúvidas: trata-se da garantia de que os serviços funcionam num rigorosíssimo cumprimento da lei, em particular daquela que protege os direitos e liberdades individuais dos cidadãos.

Em Portugal, como em muitos outros países, há dois serviços distintos: um para recolha de informações internas e outro dedicado às questões externas. É vulgar esta separação, porque se considera que os objetos de pesquisa são diferentes e porque muitos acham perigosa a mistura das duas culturas. Contrariamente a outras pessoas que muito respeito, cada vez mais sou dessa opinião. Ah! convém também que se diga, subsiste sempre uma tradicional conflitualidade entre os dois serviços, fruto de egos em confronto e de zonas cinzentas, a qual, na realidade, não é mau de todo que continue a existir...

Como se chegou até aqui? "To make a long story short", diga-se que, com a democracia, com o fim da PIDE (que concentrava as informações internas e externas e cujo "esforço de pesquisa" era facilitado pela "dispensada" intromissão da justiça, pelas escutas sem controlo, pelas prisões arbitrárias e pelas torturas, como potenciadores de eficácia funcional...), as informações caíram, com naturalidade, nas mãos dos militares. A reentrada dos civis na "intelligence" far-se-ia mais tarde, primeiro sob a tutela dos militares, depois por processos de concurso e de cooptação, a que se somou uma estranha cultura comum com certas zonas policiais (os serviços secretos não são polícias). Até que se chegou àquilo que hoje são o SIS e o SIED, respetivamente ligados à parte interna e externa das informações. Pelo meio, diga-se, andou sempre a política, como não podia deixar de ser.

Onde quero eu chegar com este arrazoado? Quero, de forma assumidamente corporativa, chamar a atenção para o facto de que, durante os muitos anos em que os serviços de "intelligence" externa tiveram nas suas chefias funcionários oriundos da diplomacia, nunca foram eles os fautores das conflitualidades públicas em que esses serviços se envolveram. E que foi a partir da decisão, tomada em 2006, de escolher para a chefia da ação externa uma figura alheia à diplomacia que se iniciou a triste polémica que hoje atravessa esses serviços. Os diplomatas não têm o monopólio da ética, longe disso, mas, tal como os militares, têm uma vida profissional exterior para onde sempre podem regressar, cujo "esprit de corps" lhes induz um forte sentido de patriotismo e de serviço público, que lhes evita a fácil tentação de cair em certas derivas. É esta, pelo menos, a minha profunda convicção.

sábado, junho 02, 2012

Sapatos vermelhos

Há dias, alguém me dizia que a Ucrânia, onde vai decorrer, daqui a pouco, uma parte do campeonato europeu de futebol, é um dos países mais perigosos do mundo. Fiquei intrigado. Já por lá andei e não me recordo de ter sentido que fosse mais perigoso do que qualquer das outras repúblicas vizinhas. Esse meu velho conhecido esclareceu: "Experimenta ir lá sozinho, sem a tua mulher, e logo verás se não é "perigoso"...". Aí, entendi. E olhando para o impublicável título do grupo de jovens que pretende combater a onda de prostituição que, no seu entender, por lá terá lugar, livre e pelos cantos, para os prolongamentos e para os foras-de-jogo do campeonato, reconheço, de facto, esse imenso "perigo".

A Ucrânia é um grande e belo país, com uma relação sempre muito complexa com Moscovo, polarizado política e humanamente entre uma tentação pró-russa e uma dinâmica favorável a uma maior aproximação com o ocidente, maxime com a União Europeia, que o seu parceiro nesta aventura futebolística, a Polónia, sempre procura estimular. Por lá se cruzam, assim, culturas políticas algo contraditórias, que oscilam entre as dinâmicas autoritárias a leste e os ventos da liberdade que sopram do oeste. E porque, nos dias de hoje, o desporto é uma arma política, graças à potenciação mediática, não nos espantemos se virmos este campeonato transformar-se num palco de reivindicações dessa natureza.

Fui à Ucrânia, pela primeira vez, há muitos anos, ao tempo em que era parte da União Soviética. Viajando numa baratucha excursão norueguesa, passei uma semana nas praias do mar Negro, com a curiosidade acrescida de poder sentir, com os meus próprios olhos, o ambiente do palácio de Livadia, onde, em 1945, muito do destino que o mundo de hoje ainda anda a viver foi desenhado pelas conversas entre Stalin, Churchill e Roosevelt. Sem autorização para sair da cidade mais do que alguns poucos quilómetros, quase sem ter acesso a lojas e com escassos pontos turísticos acessíveis, pouco havia para fazer nessa estranha vilegiatura, numa cidade que já fora deslumbrante e que então sofria de uma decadência sem graça.

Uma tarde, passeando em Ialta, à beira-mar, com ar de uma oriental Riviera datada, demo-nos conta, de repente, de que imensas mulheres que conosco se cruzavam usavam sapatos vermelhos, todos do mesmo tipo. Eram dezenas, sem exagero, umas a seguir às outras. Quase por acaso, fomos dar a um grande armazém, o qual, como era de regra na URSS, muito pouco tinha à venda (ainda me arrisco a ser contraditado neste blogue por algum nostágico, que por lá tenha andado de férias pagas pelo "Komsomol"). Entrámos, escapando a uma fila de mulheres que, de forma paciente, se formava escada acima, não se percebia muito bem para quê. O mistério desfez-se, minutos depois: eram os sapatos vermelhos que "estavam a sair", expressão que, poucos anos mais tarde, muito ouviria em Luanda, nos momentos mais folgados do "socialismo esquemático" (expressão local que significava um tipo de socialismo cujo quotidiano só se podia suportar graças a "esquemas"). Nesse dia, como novidade, só havia à venda esses sapatos vermelhos... Estou certo que as belas ucranianas de hoje já não usam sapatos desses, quanto mais não seja porque muitas foram aculturadas a detestar o vermelho.

A nós, na Ucrânia, em termos futebolísticos, vai-nos competir descalçar uma das botas mais difíceis deste torneio, num grupo "impossível". Se assim não conseguirmos, e como povo que ciclicamente coloca a salvação da sua alma nacional na biqueira de uma Nike, de uma Adidas ou de uma Puma, lá teremos nós um traumatismo... ucraniano!

Em tempo: quanto os resultados, há dias, com a Macedónia e, ontem, com a Turquia, não "liguem": nós sempre fomos um país que cuidou em fazer gestos simpáticos aos candidatos à União Europeia...

sexta-feira, junho 01, 2012

Luis Abreu


Volto a constatar uma obviedade: cada vez tenho mais mortos conhecidos.

Há semanas, morreu o José Guilherme Stichini Vilela. Um dia, em Angola, nos anos 80, o José Guilherme revelou-me que conhecera, já não sei por que luas, um arquiteto que tinha encarregado da renovação de um velho apartamento que comprara, em Lisboa. Olhei os desenhos e vi que estava perante um homem de extremo bom gosto. Chamava-se Luís Gomes de Abreu. Nesse entretanto, também eu comprei um apartamento, que queria remodelar. Numa vinda a Portugal, conhecemo-nos e encarreguei-o de me dar ideias para essa obra. Não podia ter feito melhor opção. O seu profissionalismo era imenso, a sua engenhosidade era inesgotável, embora o seu preço não fosse nada barato. A obra saiu muito bem.

O Luís não tinha um feitio fácil, era muito teimoso, muito orgulhoso daquilo que fazia, renitente até à exaustão às sugestões dos "donos das obras". Mas eu conseguia ser ainda mais obstinado e, como cliente, era "chatíssimo" (expressão dele). Exigi-lhe pormenores impensáveis: "nunca encontrei um cliente que me pedisse um desenho de uma sanca em tamanho natural, sem aceitar um desenho em escala", disse-me um dia, "só você!". Tivemos cordiais "pegas", mas também belas jornadas de conversa e copos, divertidíssimas, em que ficámos amigos e, depois, quase vizinhos. Recordo bem uma noite, no velho "Botequim", com o Luís a envolver-se numa polémica homérica com a Natália Correia, que acabou por se mudar para a nossa mesa, até às quatro da manhã.

Viamo-nos a espaços. Voltei a tê-lo como arquiteto, numa outra casa. E, claro, voltámos a "pegar-nos" sobre a obra... Mas continuámos amigos e ele continuava a fazer as coisas sempre muito bem. Quando vim para Paris, disse-me que fora ele quem tinha renovado o centro do Instituto Camões, na rue Raffet.

Desde há 30 anos, o Luís tinha uma rotina ímpar: era a primeira pessoa a mandar-nos boas-festas. Chegavam sempre no início de Dezembro. Este ano não chegarão. Dizem-me que o Luís morreu.

Contas

Hoje, alguém me alvitrava, com propriedade, que deveria ser utilizada a expressão "fazer de contas" para significar os arranjos criativos que alguns países europeus estão a desencadear, em matéria da sua contabilidade "para alemão ver" (expressão que, desde há uns tempos, substituiu a histórica "para inglês ver"), com vista a adaptarem-se aos rigores dos limites exigidos pelos tratados europeus.

No desagradável global da situação, uma coisa nos deve consolar: as contas portuguesas, por muito complicadas que estejam, são transparentes, como o reconhecem as instituições internacionais. Assim, no nosso caso, e embora, cada vez mais, precisemos de fazer as contas, já não precisamos de "fazer de contas"...Valha-nos isso!

quinta-feira, maio 31, 2012

Português no estrangeiro

Cada vez mais, o ensino português no estrangeiro é, e deve ser, o de uma língua que é suporte das várias culturas que a utilizam. Senti isso ontem, no Lycée Internationale de Saint-Germain-en-Laye, nos arredores de Paris, na despedida da professora Matilde Teixeira, com vozes da diversidade lusófona a fazerem transparecer o universalismo do português. 

Uma sala a abarrotar de amigos marcou a passagem à reforma daquela que, durante 17 anos, foi a diretora da secção portuguesa do liceu, que recebeu testemunhos de apreço genuíno de colegas, alunos e pessoas que se habituaram a respeitá-la, como uma das figuras mais qualificadas do nosso ensino no estrangeiro.

Como embaixador de Portugal, tive um grande gosto de me associar a esta homenagem.

A crise síria e a crise da nossa imprensa

Sob o elegante título "Portugal corta com embaixadora síria na UNESCO", a edição on-line de um diário de referência traz hoje a seguinte "notícia":

"Portugal decidiu cortar as poucas relações diplomáticas que tinha com a Síria e declarou 'persona non grata' a embaixadora síria junto da Unesco, a qual representava os interesses sírios também em Portugal, noticiou hoje a TSF. 

A rádio diz que a decisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, de Paulo Portas, foi tomada ontem à tarde e concertada com o Presidente da República Cavaco Silva. A decisão surge numa altura em que a comunidade internacional acentua o isolamento da Síria, na sequência do massacre de Houla, no qual morreram 108 pessoas. 

A declaração de 'persona non grata' de Lamia Chakkour foi decidida porque em Portugal não havia embaixador sírio acreditado. O facto de Portugal não ter grandes relações diplomáticas com a Síria foi precisamente o que levou a diplomacia portuguesa a aceitar, em 2009, dois ex-detidos sírios de Guantánamo. Nessa altura era ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado. 

O último parágrafo desta notícia, cuja redação, aliás, é de antologia ("as poucas relações diplomáticas que tinha com a Síria"...) é um amontoado de disparates. Dificilmente se conseguiria colocar tantos em tão pouco espaço.

quarta-feira, maio 30, 2012

Clareza

No Ministério dos Negócios Estrangeiros, como por aqui já referi algumas vezes, a principal relação escrita entre Lisboa e os postos no exterior faz-se através dos chamados "telegramas", qualificação que ainda vem do tempo em que eram enviados, de facto, telegramas através dos correios, com os textos submetidos a uma "cifragem" prévia, a que correspondia mais tarde uma "decifragem" no destino. Hoje, esses procedimentos são feitos por meios mais sofisticados - eu diria mesmo, tão sofisticados e dependentes de tais tecnologias que algumas interrogações se colocam quanto à sua real fiabilidade. Mas devo ser eu que sou um desconfiado...

Esta introdução é apenas para enquadrar uma historieta, que tem algumas décadas e que, ao que me contaram, foi então muito falada. Tratou-se de um telegrama enviado pela nossa missão na ONU, em Nova Iorque, de resposta a um outro, chegado de Lisboa. Ao que parece, o embaixador teria ficado abespinhado com uma insistência da "Secretaria de Estado" (nome pelo qual os postos no exterior tratam o MNE em Lisboa) sobre um assunto que ele achava já ter esclarecido devidamente. Vai daí, decidiu-se remeter um telegrama com um texto que poderia ser o que se segue:

Com referência ao telegrama dessa Secretaria de Estado nº 457, não posso senão reiterar tudo quanto já adiantei no meu 654, o qual, aliás, refletia a perspetiva que avançara no meu 398. Porém, em face da insistência agora feita, pergunto-me se essa mesma perspetiva, que tinha nomeadamente em conta as instruções que aqui recebi dessa SE pelo 347, do ano transato, é, em si mesma, compaginável, por exemplo, com as anteriores instruções constantes da circular 34, no seu ponto 12, desse mesmo ano. VExa compreenderá que, havendo dúvidas, será legítimo cruzar tal doutrina com aquilo a que meu colega em Roma judiciosamente aludia, há semanas, no seu 197, aditando, aliás ao seu anterior 65, texto que ganharia em ser revisitado. É que, a assim não ser, só posso concluir que ainda se manterá válida, devendo ser seguida, a linha que a nossa embaixada em Londres expressava no seu 178. É no cruzamento dessa perspetiva de abordagem, que não deixa de ter em conta tudo quanto antecede, que se situa posição desta Missão. Salvo melhor opinião, julgo ter sido cristalinamente claro.

E o embaixador assinou por baixo. Em Lisboa, ao que consta, o telegrama provocou um sururu nos serviços, obrigando os desgraçados dos arquivistas a coletarem todas as comunicações cuja numeração fora citada, sem que, por um momento, houvesse a mais pequena ideia daquilo a que o embaixador se estava concretamente a referir. Não queria ele outra coisa, diga-se!

(Nota: o exemplo da imagem é um telegrama, aliás histórico, que já foi "desclassificado". Essa é a razão pela qual o publico. Para um diplomata, um telegrama é um instrumento de comunicação "sagrado", que a deontologia profissional  impede de divulgar)

Um facto

A má fé e a distorção propositada obtêm, por vezes, algumas vitórias. Admito que alguns possam não gostar do novo Acordo Ortográfico, mas não é aceitável que, por mera vigarice intelectual, se procurem criar mitos em torno das mudanças que ele introduz.

O mais flagrante, e que tenho verificado que que está já na cabeça de muitas pessoas incautas, é a ideia de que a palavra facto passa, por virtude do Acordo, a mudar para fato. De tanto isto ser repetido, há quem acredite.

Ora isto é uma falsidade, que alguns se entretêm a instilar. Por uma vez, que fique claro: o novo Acordo Ortográfico não altera a forma de escrita (e, naturalmente, de pronúncia) da palavra "facto"

Quantas vezes será necessário repetir isto? 

Diplomacia

Com frequência, alguns jornais têm inserido notícias sobre as atividades delituosas de um vice-cônsul português no estrangeiro, qualificando-o como "diplomata". O assunto já foi aqui abordado.

Numa carta ao diretor de um jornal diário, expressei, há semanas, o meu protesto pela abusiva utilização desse qualificativo. Quando um diplomata comete um delito, deve ser tratado como tal. Quando esse delito é da responsabilidade de um qualquer outro funcionário do MNE em ação no exterior deve ser identificada a sua função específica. Neste caso, um diplomata é um diplomata, um vice-cônsul é um vice-cônsul.

Um outro colega decidiu colocar igualmente "os pontos nos is" sobre este tema, numa carta enviada ao DN, acolhida aqui pelo provedor dos leitores do jornal, Óscar Mascarenhas. Como dizia alguém de cujo nome me não quero lembrar, todos não somos demais...

Hoje, surgiu no "Público" uma nova reportagem sobre o tal vice-cônsul, escrita em termos perfeitamente corretos. Que este exemplo frutifique, é o que posso esperar.

(Nota: uma primeira versão deste post continha uma inexatidão)

Rui Medina (1925-2012)

Há poucos dias, dei aqui conta da desaparição do embaixador João de Sá Coutinho. Acabo de saber, pela imprensa, da morte de outra figura importante da diplomacia portuguesa, o embaixador Rui Medina.

Foi representante português junto da ONU, em Nova Iorque, tendo chefiado as embaixadas portuguesas no Líbano, na Finlândia, na Suécia, na antiga República democrática alemã e em Itália.

Um dos pontos altos da carreira de Rui Medina foi a presidência da Comissão Interministerial sobre Macau, que negociou as condições de transferência do território para a China.

Conheci mal Rui Medina, com quem me cruzei escassas vezes. Na memória da carreira, era tido por um diplomata muito rigoroso, inteligente e com grande sentido de ironia.

terça-feira, maio 29, 2012

Eleições francesas

É significativo constatar a presença, como candidatos às eleições para a Assembleia Nacional francesa,  que aqui têm lugar em 10 e 17 de junho, de 60 candidatos luso-descendentes. Há cinco anos, em idêntico escrutínio, eram apenas 37. Contando com os suplentes, o número deve subir a cerca de 100 (para 53 em 2007).

Dito isto, a realidade é que, no último parlamento francês, não havia um único deputado com ascendência portuguesa. Esperemos, assim, quer a realidade mude, nestas eleições.

segunda-feira, maio 28, 2012

Outro abril

Ontem, um amigo criticou-me, ao telefone, alguma complacência que eu supostamente revelara, ao escrever que tinha "compreendido" o extremismo de um neonazi, deficiente de guerra, que cruzara nos anos 60, na Alemanha, numa historieta que aqui deixei registada, há uns dias. Na conversa, esse meu amigo, adiantou: "por este andar, ainda acabas a "compreender" as bombas do ELP e do MDLP, justificadas pelos dramas pessoais de alguns retornados, zangados com o 25 de abril".

Vamos por partes. É claro que eu podia ter evitado o desabafo que tive, que sabia ir contra o politicamente correto. Mas porque foi esse, de facto, o meu sentimento no momento, achei por bem deixá-lo expresso. Já não tenho idade para me coibir de dizer o que, realmente, penso.

E, porque talvez isso venha a propósito, deixem-me que conte uma cena ocorrida comigo, em S. Paulo, em 2005, na inauguração de uma exposição de pintura de José de Guimarães, na FIESP.

Eram os meus primeiros tempos no Brasil e muitas pessoas queriam conhecer o novo embaixador, recém-chegado. A certo passo do cocktail de abertura do evento, aproximou-se de mim uma senhora idosa que, com extrema simpatia, me disse, com um sotaque já muito brasileiro, mas onde se detetava a sua origem portuguesa: "Tenho sempre muito orgulho em conhecer os representantes da minha pátria! Por isso, queria saudá-lo, senhor embaixador, e desejar-lhe muitas felicidades para o seu trabalho".

Fiquei naturalmente sensibilizado com o gesto daquela simpática compatriota, que agradeci, tendo-lhe perguntado, com naturalidade, quando tinha vindo para o Brasil. Os bonitos olhos da octogenária entristeceram, antes de dizer: "Nem me fale nisso! Vim de Angola, em finais de 1974, deixando para trás tudo o que havia ganho numa vida de trabalho. Com o desgosto, o meu marido acabou por falecer pouco depois da chegada ao Brasil. Graças a amigos, consegui mudar a minha vida. Mas olhe! Nunca perdoarei àquela bandidagem que, no nosso país, fez o 25 de abril!"

Para o amigo que ontem me telefonou, devo confessar que não tive a menor coragem para retorquir à senhora que, com o maior dos orgulhos, eu também fazia parte da "bandidagem" que fez o 25 de abril, que essa fora a data que dera a liberdade à pátria de que ela tanto gostava e que esse fora um dos dias mais felizes da minha vida. "Compreendi" a senhora? Claro que sim. Ponho-me no lugar dela e pergunto-me se apreciaria que lhe oferecessem cravos vermelhos... 

Nunca me passaria pela cabeça tentar explicar àquela senhora, tal como nunca o faço quando cruzo outros portugueses que viveram e sofreram esses tempos, que a tragédia da descolonização desordenada foi, como bem dizia Ernesto Melo Antunes, a outra face da tragédia que foi a colonização. E que, por muitas culpas que possam ser atribuídas aos responsáveis políticos que geriram o país após o 25 de abril, a responsabilidade maior competirá sempre àqueles que, tendo tido a oportunidade histórica de negociar atempadamente a independência das colónias, não o fizeram, pela cegueira da ditadura que defendiam e nos faziam sofrer - a nós, portugueses, e aos povos dessas mesmas colónias, convém também nunca esquecer. O imenso respeito que tenho pelo drama que marcou a vida dos "retornados", que sempre afirmo publicamente, vai de par com aquele que não tenho pela classe política que o 25 de abril, em boa hora, derrubou.

A que propósito trouxe este episódio aqui? Para explicar que, tal como calei a minha profunda oposição ao neonazi que cruzei numa estrada alemã ou a minha insanável divergência com a senhora refugiada de Angola, as minhas convicções não mudaram um milímetro só pelo facto de perceber que o seu percurso de vida os terá conduzido a pensarem como pensavam. Chama-se a isso tolerância.     

Paris e o 28 de maio

Ainda a tempo de "comemorar" o dia de hoje, aqui deixo a imagem da casa - no nº 192 do boulevard de La Villete, em Paris - onde viveu, entre 1927 e 1932, José Domingues dos Santos (1885-1958), primeiro-ministro da I República. Na prática, esta casa funcionou como sede informal da "Liga de Defesa da República", mais conhecida como "Liga de Paris".

A "Liga" foi uma estrutura oposicionista à ditadura militar implantada em Portugal em 28 de maio de 1926, que congregou personalidades como Afonso Costa, Jaime Cortesão, António Sérgio, Raul Proença, Bernardino Machado, Álvaro de Castro, Jaime de Morais e muitos outros. Sobre a atividade deste grupo de exilados, tomei a iniciativa de organizar na Embaixada, inserido nas comemorações do centenário da República, um colóquio com historiadores portugueses e franceses.

Camões em Paris

Aproxima-se o dia 10 de junho, dia que Portugal escolheu para sua data nacional, uma data que é, simultaneamente, a da morte de Luiz de Camões, em 1580.

Esse foi o ano em que a independência do país se perdeu para a Espanha, por seis décadas. Foi recuperada em 1 de dezembro de 1640, uma data que, oficial ou privadamente, sempre comemorarei.

Acho que diz muito de um povo escolher, como sua data identitária, o dia triste da morte de um poeta. Não sei o que os poetas portugueses pensarão disso. Ficarão orgulhosos? Ou, como Woody Allen, acharão que a melhor maneira de garantirem a imortalidade seria, de facto, não morrerem?

Há dias, Eduardo Lourenço, numa entrevista, revelava que o único livro que sempre o acompanhava nas viagens era uma edição de bolso de "Os Lusíadas". Embora Camões, vale a pena lembrar, seja muito mais do que esse poema épico. Faço parte de uma geração que foi academicamente educada a "não gostar" de Camões, ao forçarem-me a "dividir as orações" em "Os Lusíadas", em lugar de me revelarem aquela obra como um percurso ímpar pela graça da nossa História. Felizmente, consegui ultrapassar o trauma, a tempo.

Aqui por Paris, vamos, este ano, e uma vez mais, celebrar Camões, por volta dessa data. 

Na Embaixada, vamos organizar uma conferência, por uma especialista de Camões, a professora universitária Maria Vitalina Leal de Matos, sobre o tema "Camões: l’homme, l’oeuvre et le mythe”. Será na terça feira, dia 5 de junho, pelas 18,30 horas, no 3 rue de Noisiel, sendo o metro mais próximo o "Porte Dauphine". Por razões de espaço, as entradas não são livres. Quem quiser assistir, deve solicitar um convite pelo telefone 01 53 92 01 00 ou, de preferência, pelo mail: instituto.camoes.paris@wanadoo.fr.

Na imagem deste post, estão as escadas da avenue Camoëns (como os franceses chamam a Camões), junto ao boulevard Delessert, muito próximo do Palais de Chaillot, no lado do Sena oposto à Tour Eiffel. Na sua base está, desde 1987, este monumento ao poeta, de autoria de Clara Meneres. No dia 10 de junho, tal como em todos os anos passados, o pessoal da Embaixada de Portugal irá, pelas 11.00 horas, colocar aí uma coroa de flores. Quem quiser acompanhar-nos será muito bem vindo.

Grécia

Na Grécia, o povo votou e os políticos que escolheu consideraram-se incapazes de gerar uma solução governativa que permitisse impor as reformas que ajuda externa hoje exige. Por essa razão, a Grécia regressa, daqui a dias, às urnas, na esperança de que o povo grego reveja o seu sentido de voto e faça uma escolha diferente. 

E se não o fizer? E se o sentido desse voto confirmar a não aceitação das políticas de rigor que, há mais de dois anos, estão a ser impostas ao país, sem que, no entanto, os gregos vejam uma luz de esperança, ao fundo do túnel de sofrimento que atravessam?

Ontem, um português, amigo de há mais de meio século, que vive na Grécia, deixou-me no Facebook a mensagem: "por aqui vai tudo mal, mas ainda vai ser pior".

E juntou-lhe um poema de Gunter Grass, que ele próprio traduziu:

                         "A vergonha da Europa"

À beira do caos porque fora da razão dos mercados,
Tu estás longe da terra que te serviu de berço.

O que buscou a Tua alma e encontrou
rejeita-lo Tu agora, vale menos do que sucata.

Nua como o devedor no pelourinho sofre aquela terra
a quem dizer que devias era para Ti tão natural como falar.

À pobreza condenada a terra da sofisticação
e do requinte que adornam os museus: espólio que está à Tua cura.

Os que com a força das armas arrasaram o país de ilhas
abençoado levavam com a farda Hölderlin na mochila.

País a custo tolerado cujos coronéis
toleraste outrora na Tua Aliança.

Terra sem direitos a quem o poder
do dogma aperta o cinto mais e mais.

Trajada de negro, Antígona desafia-te e no país inteiro
o povo cujo hóspede foste veste-se de luto.

Contudo os sósias de Creso foram em procissão entesourar
fora de portas tudo o que tem a luz do ouro.

Bebe duma vez, bebe! grita a claque dos comissários,
mas Sócrates devolve-Te, irado, a taça cheia até à borda.

Os deuses amaldiçoarão em coro quem és e o que tens
se a Tua vontade exige a venda do Olimpo.

Sem a terra cujo espírito Te concebeu, Europa,
murcharás estupidamente.

domingo, maio 27, 2012

Rússia

De há muito que deixei de ligar ao festival da Eurovisão, que, salvo algumas exceções, se converteu num espetáculo "kitsh", de qualidade quase sempre muito duvidosa. O facto de algumas das nossas participações nacionais terem oscilado entre o estanhado mau-gosto e o retorno a um nacional-cancionetismo de novo tipo também me estimulou a não perder tempo com aquele festival.

Desta vez, porém, graças ao alerta de alguém, reconciliei-me, momentaneamente, com a Eurovisão. Ao ver e ouvir as velhotas russas, dei por mim a apreciar, com gosto, o espetáculo e a pensar que, por uma vez, o passado pode vir a ter imenso futuro.

sábado, maio 26, 2012

João de Sá Coutinho (1929-2012)

Através de um amigo comum, acabo de tomar conhecimento da morte, no dia de hoje, do embaixador João de Sá Coutinho.

Para a minha geração no MNE, Sá Coutinho representava, de certo modo, a "carreira" que soubera transformar-se, com naturalidade democrática, num apoio à nova diplomacia pós-25 de abril. Alguns meios mais conservadores chamaram-lhe, por essa altura, o "conde vermelho", numa alusão ácida às suas origens aristocráticas, bem simbolizadas na sua magnífica casa em Ponte de Lima.

Conheci-o pessoalmente quando, como então era da praxe, me fui apresentar nas Necessidades, no final de 1985, regressado de Luanda. Eu saíra desse posto um pouco à pressa, motivado por um convite formal que recebera da hierarquia diplomática para vir a assumir um lugar de chefia intermédia em Lisboa, nas novas estruturas criadas para a nossa próxima entrada nas instituições europeias. Mas, entretanto, alguma coisa se tinha passado. Recordo o embaraço de Sá Coutinho, então secretário-geral do ministério, quando se viu obrigado a informar-me que, por ordens "de cima" a que era totalmente alheio, a "casa" já não contava comigo para ocupar essa chefia... Na sua impotência perante o inevitável, senti-o solidário. 

A vida não fez com que nos cruzássemos muito. Às vezes, nas minhas não raras passagens por Ponte de Lima, voltei a encontrá-lo pelas esplanadas do Largo de Camões, esguio e elegante, sempre com aquele sorriso algo irónico, que era a sua imagem de marca pessoal, com que acompanhava as graças que lhe saíam fáceis, de quem olhava a vida com olhos sábios e serenos.

Há meses, a propósito de uma historieta que por aqui contei, em que ele era a figura central, escreveu-me uma carta divertidíssima, fantasiando uma suposta colocação minha em Nouakchott, aliada à decisão excecional que, segundo me "informava", teria sido tomada no sentido de o enviar a ele para Paris, forçando a minha substituição. Pelo meio, dava-me conselhos deliciosos, como a compra de um camelo para serviço na nova embaixada, aconselhando-me também a planear fins-de-semana turísticos e gastronómicos em... Bissau.

João de Sá Coutinho, que, tal como o meu pai, era um orgulhoso minhoto de Ponte de Lima, foi um grande senhor da nossa diplomacia, um profissional distinto. Acima de tudo, era um homem de bem que soube servir e honrar o seu país. 

A boleia

Há semanas, num cruzamento de estrada, na Alemanha, e num segundo, veio-me à memória uma história passada na segunda metade dos anos 60, também na parte ocidental daquele país, também numa confluência de caminhos, num tempo em que, em férias, eu percorria a Europa "à boleia".

(Para as gerações atuais, desde as que já usufruíram do Interail até às que hoje usam a Ryanair, pode parecer bizarra aquela forma de viajar. Hoje, praticamente, ninguém dá boleias, por muitas razões, em especial as questões de segurança. Nesse tempo, as coisas eram muito diferentes. Percorriam-se milhares de quilómetros, sem grandes cuidados, com a graça de conhecer gentes diferentes, sem grandes custos, num acumular de experiências bastante ricas. Eu que o diga! Um ano, saí de Lisboa, da Rotunda do Relógio, chegando até à fronteira da Suécia com a Noruega, dormindo em Pousadas de juventude, passando vários dias em Paris, Amesterdão e Copenhague, "mecas" para alguns de uma geração portuguesa que tentava escapar sazonalmente à periferia. E, noutros dois anos, fiz aventuras similares, embora menos ambiciosas.)

Mas voltemos à estrada. Já não me recordo bem qual a cidade do sul da Alemanha que, naquele dia de século passado, eu pretendia alcançar, mas tinha escrito o seu nome a letras grandes na página de um largo bloco que eu utilizava para solicitar as boleias. A certo passo, parou um automóvel, conduzido por um cavalheiro idoso. Num inglês algo macarrónico mas suficiente, confirmou o meu destino e convidou-me a entrar no carro.

Nesse instante, dei-me conta que era uma pessoa que não utilizava os pedais da viatura, devido a uma acentuada deficiência física. Junto ao volante, tinha manípulos para o acelerador e o travão. Terá sido porventura o olhar menos discreto que deitei para tão pouco usuais instrumentos que logo levou o meu disponível condutor a explicar que havia sido ferido na Segunda Guerra, na frente leste. "Foram os russos que me fizeram isto", disse, com uma voz cortante, para logo acrescentar: "E foram também os russos, durante a invasão do meu país, que mataram a minha mulher". 

Não me recordo da minha reação, porque havia muito pouco que eu pudesse dizer, perante a tragédia que afetara, de forma tão brutal, a vida aquele homem. O tempo que vivíamos era de plena "guerra fria", havia ainda duas Alemanhas, os russos e a sua influência estavam por muito perto, apenas a algumas dezenas ou centenas de quilómetros.

O meu condutor sentiu-se estimulado a continuar a falar contra os russos, contra o comunismo, contra o executivo da "grande coligação", entre os cristão-democratas da CDU e os social-democratas do SPD, que então governava em Bona, em particular contra o então MNE Willy Brandt, que ele achava "um traidor", um esquerdista "vendido aos vermelhos". Ora eu, à época, até considerava Brandt um excessivo moderado, e a expressão "social-democrata", no nosso jargão político-radical de então, tinha uma sonoridade quase insultuosa. Por uma proverbial prudência, mantive-me calado, evitando qualquer comentário que pudesse aumentar a quase ira que jorrava do discurso prolixo e incessante do meu interlocutor.

"Mas isto vai mudar, você vai ver! Aqui na Alemanha, estamos a organizar um novo partido, o NPD, e vamos dar a volta a isto. Um destes dias, vamos acabar com esses vermelhos e vamos criar um regime novo. A Alemanha é um grande país. Temos de resgatar a nossa memória e deixar de ter complexos quanto ao regime que tivemos durante a guerra, que só foi derrotado pela aliança entre as democracias corruptas do ocidente e os bandidos comunistas. Vou hoje mesmo para uma reunião do NPD onde, com gente que combateu na Wehrmacht, mas também já com muitos jovens patriotas, estamos a preparar o futuro. Os Brandts e estes democratas traidores que nos governam vão ter a devida lição".

Importa lembrar, chegado a este ponto, que o NPD foi um partido neonazi criado em 1964, que nunca conseguiu fazer-se eleger para o parlamento federal, mas que chegou a estar representado em assembleias estaduais. A sua influência foi sempre muito diminuta na política alemã e alguma radicalização da conservadora ala bávara dos cristão-democratas, a CSU, de Franz-Josef Strauss, terá contribuído para esse inêxito. 

Aquela viagem estava a ser-me muito incómoda. Ia-me enterrando cada vez mais no banco do automóvel, desejoso que aquilo acabasse rapidamente, perturbado por aquele insólito encontro com uma Alemanha que apenas pelos jornais sabia que existia. Mas, ao mesmo tempo, olhando para o drama pessoal daquele homem, até era levado a entender que ele pudesse pensar da maneira que o fazia. Num certo momento, num cruzamento, tive uma inspiração: disse-lhe que, afinal, tinha mudado de ideias e que ficaria por ali, mudando os meus planos de percurso. Parou, eu retirei a mochila do banco de trás, agradeci a amabilidade da boleia e, quando me preparava para fechar a porta, ouvi-o perguntar "Você disse que era português?" Confirmei, para logo o ouvir de volta: "Que sorte que você tem de viver num país que tem à frente o Salazar. Aquilo é que é um homem!".

Não tenho a certeza, mas, baralhado como eu estava e desejoso de me ver livre do neonazi que, no fundo, tão amável tinha sido para comigo, confesso que não estou nada seguro de não ter confirmado...       

sexta-feira, maio 25, 2012

Notre Dame

A comunidade católica portuguesa em Paris reunir-se-á este ano, uma vez mais, na igreja da Notre Dame de Paris, numa celebração ligada às comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Esta é já uma jornada que se tornou tradicional e que sempre congrega largas centenas de cidadãos de origem portuguesa que vivem na região de Paris, aos quais sempre se juntam muitos turistas.

O cardeal André Vingt-Trois celebrará este ano a missa, que também conta com religiosos e coros portugueses, a qual  terá lugar no sábado, dia 16 de junho, pelas 18.30 horas.

quinta-feira, maio 24, 2012

Samuel Pisar

Há dias em que, por precipitação, falamos demais. Ontem, para mim, foi um deles.

Num jantar, aqui em Paris (alguns comentadores acham que a vida dos diplomatas é feita de jantares: é verdade, temos o hábito, quiçá excessivo, de jantar uma vez por dia), fiquei sentado próximo de um cavalheiro, já de certa idade, que, em determinado momento, e tendo sabido que eu era português, se referiu a uma homenagem que vai ser prestada, na UNESCO, a Aristides de Sousa Mendes. Revelou-me estar envolvido na organização e eu congratulei-me logo com isso, tanto mais que, como o informei, era agora o representante português na UNESCO e também ia colaborar no evento. Porque, à mesa, havia uma senhora de permeio e porque ele falava em voz bastante baixa, não tinha ouvido bem o seu nome. 

A certo passo da conversa, ainda sob o tema Portugal, perguntou-me por Mário Soares e pela sua "simpática esposa", que conhecia bem. Disse-lhe as últimas notícias que sabia de ambos, tendo ele acrescentado: "Um livro meu tem um prefácio de Mário Soares". Com um orgulho algo adolescente (cada vez mais me convenço que nós "adolescemos" com a idade), saiu-me de imediato: "Tem graça! Eu também tenho um livro prefaciado por Mário Soares". Sorrimos e o jantar lá prosseguiu.

Minutos depois, perguntei discretamente à senhora que se interpunha entre mim e o tal cavalheiro, já octogenário: "Tem ideia de como se chama o seu vizinho do lado? Não consegui ouvir o nome dele...". A senhora olhou para o pequeno papel que identificava o conviva e disse, baixo: "Samuel Pisar".

Samuel Pisar? "O" Samuel Pisar, nascido na Polónia, que estivera detido em Auschwitz, que escapou miraculosamente das garras de Mengele e de outros cenários de horror, cujo pai fora morto pela Gestapo? "O" Samuel Pisar que, no fim da guerra, se formara em Oxford e na Sorbonne, e que, naturalizado americano, dera aulas em Harvard e fora assessor económico de John Kennedy? Olhei de viés e, com uma curiosidade acrescida, procurei escutar algo que ele dizia para o outro lado da mesa. Nada de decisivo, apenas elogiava a textura dos espargos que estavam a ser servidos, agora que é a época deles.

No final do jantar, num canto, falámos um pouco da Europa e do lugar de Portugal nela. Samuel Pisar é hoje um senador de uma vida que, como poucos, soube recriar a partir da barbárie e que um dia, ao que agora recordo, escreveu: "hoje, sobrevivente dos sobreviventes, sinto uma obrigação de transmitir algumas verdades que aprendi na minha passagem pelo mais baixo da condição humana e, depois, por alguns dos seus momentos altos".

Nunca me perdoarei de ter, inadvertidamente, "rivalizado" com Samuel Pisar, ao reivindicar ter, como ele, um prefácio de Mário Soares. Ou melhor, e pensando bem, talvez tenha a obrigação de ficar contente por poder ter, com ele, esse honroso ponto em comum. 

quarta-feira, maio 23, 2012

Velharias

Não tenho por hábito regular fazer aqui apologia de outros blogues. Mas, desta vez, não resisto. Um amigo chamou a minha atenção para este magnífico Restos de Colecção, onde se recolhem coisas antigas (como o próprio "c" na palavra "colecção"). 

Este cartaz da União Nacional é imperdível, por todas as razões, em especial por essas em que o leitor está a pensar...

Imprensa

Tem vindo a ser extremamente curioso acompanhar a evolução de alguma imprensa francesa, no período posterior às eleições presidenciais. Com algumas exceções, essa imprensa - não falo dos órgãos regionais, que não acompanho - assumiu, ao longo do último ano, uma clara atitude política, de apoio ou de oposição, em face daqueles que eram os dois principais candidatos. Alguns desses orgãos de comunicação social foram de um seguidismo quase militante, tornando-se verdadeiros instrumentos de campanha, quer na defesa do seu político preferido, quer na diabolização daquele de quem não gostavam.

O resultado das eleições, revertendo a realidade face ao statu quo ante, obrigou a uma reconversão de atitude, a qual, nota-se, não está a ser fácil. Passar da oposição à "situação" (como se dizia no Estado Novo) pressupõe o abandono de um estilo exaltado e a criação de outro mais sereno. Sair de esteio mediático do poder para se transformar numa tribuna acerba de combate requer a adoção de uma nova tipologia jornalística, que se vê até na construção dos títulos. São culturas diferentes, que apenas o tempo ajudará a sedimentar. Para um observador exterior, é, sem dúvida, um fenómeno muito interessante para se observar.

Noto que esta realidade se prolonga aqui também pelos "sites" noticiosos, que, em alguns casos, têm considerável importância e influência. Já a blogosfera não é, em França, tão proeminente como entre nós, aparecendo quase sempre como mero prolongamento escrito de outra ação pública mais visível dos seus titulares.

terça-feira, maio 22, 2012

Defesa e Segurança

A ideia é rever o Conceito Estratégico de Defesa e Segurança no qual se apoia a definição, por Portugal, das opções a seguir em matéria de defesa dos seus interesses enquanto Estado. O método utilizado foi a criação de uma comissão, determinada pelo ministro da Defesa nacional e coordenada pelo professor Luis Fontoura, que inclui personalidades como Gomes Canitilho, Adriano Moreira, António Vitorino, Pinto Balsemão, Severiano Teixeira, Loureiro dos Santos, Fátima Bonifácio, entre outras. O trabalho terá de estar concluído em setembro, a fim de ser apreciado pelo Governo e, posteriormente, ser submetido à Assembleia da República

Ao lado do meu colega embaixador Leonardo Mathias, terei o gosto de representar a diplomacia portuguesa no seio desse grupo de reflexão.

segunda-feira, maio 21, 2012

Ainda e sempre os livros

Há uns dias, revelei aqui o ambiente que a minha casa em Lisboa iria ter quando todos os meus livros chegassem. Este fim de semana, descobri esta forma um pouco mais prática de os arrumar, embora talvez com alguma dificuldade de acesso àqueles que fiquem no meio. Mas não se pode ter tudo, não é?

Se

Durante dois dias, por razões que não vêm para o caso, estive ligeiramente "alheio" à informação sobre o que se passa em Portugal.

Hoje, ao retomar o contacto, leio esta frase do Dr. Jardim Gonçalves, antigo presidente do BCP, a propósito da entrada do Estado nos capitais dos bancos:


Devo dizer que, antes de terminar o dia, vou tentar encontrar uma gramática de língua portuguesa, porque me dou conta de que, afinal, estou um pouco desatualizado quanto à utilização dos pronomes reflexos.

sábado, maio 19, 2012

Amizades & conhecimentos

Custa-me ter de voltar a reiterar esta questão, mas devo esclarecer, uma vez mais, que, por uma questão de meridiana lógica, só posso considerar integrar na minha lista de "amigos" no Facebook, ou de "contactos profissionais" na rede LinkedIn, pessoas que, efetivamente, eu conheça e com as quais tenha relações. 

Fico muito grato a todos os outros, que tiveram ou têm a amabilidade de formular uma solicitação de adesão, mas cada um tem os seus critérios. E este, bom ou mau, é o meu.

sexta-feira, maio 18, 2012

Cargos

aqui havia falado neste assunto, suscitando então reações curiosas. Volto à carga, porque a questão se repete agora.

No novo governo francês, Laurent Fabius acaba de assumir a pasta de ministro dos Negócios Estrangeiros. Trata-se de uma grande figura da vida política francesa, que já foi primeiro-ministro e presidente do parlamento. A indigitação de um antigo chefe do governo para um cargo de ministro não suscitou aqui o menor comentário ou estranheza.

Alguém está a ver, em Portugal, um antigo primeiro-ministro a voltar a integrar um governo, como ministro? Por que será?

Portugal e a guerra

Meaux é uma pequena cidade na periferia de Paris. Há meses, foi lá inaugurado um museu sobre a primeira Guerra Mundial.

Ontem, aproveitando o feriado, visitei esse museu e recolhi esta imagem num documento comemorativo da nossa participação naquela guerra. Verdade seja que foi a única referência a Portugal que por lá encontrei...

Para além dos estudiosos e de algumas pessoas ligadas à zona onde teve lugar a batalha de La Lys, em 9 de abril de 1918, raro é o francês que não se surpreende quando lhe falo na nossa participação na primeira Guerra Mundial.

Em tempo: para alguns comentadores, críticos do nosso comportamento em La Lys, deixo aqui e aqui o que sobre isso penso.

quinta-feira, maio 17, 2012

Novo governo

Jantar, na noite de ontem, numa embaixada europeia.

O novo governo, acabado de ser anunciado minutos antes, fazia parte do "menu". A anfitriã distribuiu mesmo a lista completa - 34 nomes - pelo convivas, para avaliar as reações.

Do lado dos franceses presentes, que não eram necessariamente da cor do novo governo, foi interessante notar os comentários à forte presença de mulheres e de figuras com nomes que indiciavam uma origem estrangeira. O mais evidente era, contudo, a revelação do seu total desconhecimento face a muitos dos nomeados, em grande parte membros de uma nova geração e, apenas em alguns casos, com alguma expressão mediática no período eleitoral. Há uma nova França que chega ao governo.

Da nossa parte, dos diplomatas, uma atitude mais contida impôs-se. Sublinhávamos as nomeações óbvias, notávamos duas ou três novidades, mais ou menos inesperadas. Mas éramos reservados, nas apreciações pessoais. O país não é o nosso, o governo é o da França e, seja quem for que o integre, passa a ser o nosso interlocutor. 

A certo passo, alguém referiu um certo nome, agora ministro num determinado cargo. Praticamente ninguém o conhecia. Eu e um outro colega estrangeiro fizemos então "um figurão": havíamos almoçado com ele, há cerca de duas semanas. A nossa "glória" durou precisamente o tempo que nos demorou a dizer todas as escassas coisas que nos era permitido reportar daquela conversa. Amanhã, depois dos jornais e dos debates televisivos, todos ficarão a saber tanto como nós. Ou mesmo mais.

Não há nada de mais parecido com um "dinêr en ville", aqui em Paris, do que uma conversa num "Café du commerce" da província francesa ou no "Café central" de qualquer vilória nossa. Podem crer.  

quarta-feira, maio 16, 2012

Igreja

Foram cerca de duas dezenas os sacerdotes católicos que hoje reuni num almoço na embaixada. Trata-se de religiosos - portugueses mas também franceses, espanhóis, brasileiros e até angolanos - que prestam serviço junto das comunidades portuguesas e lusófonas, em Paris e arredores. 

Este encontro, que promovo anualmente desde a minha chegada, e onde algumas dessas pessoas acabam por se encontrar pela primeira vez, destina-se a agradecer o trabalho de acompanhamento dos cidadãos portugueses que esses sacerdotes desenvolvem, nomeadamente no domínio social.

A conversa, à mesa, não tinha agenda. Mas o tema dos novos imigrantes portugueses chegados a França esteve no centro das preocupações de quase todos, por se tratar de uma realidade a que é necessário estarmos bem atentos. Curiosas foram as notas deixadas sobre a relação entre a comunidade tradicional e os recém-chegados, com atos de generosa solidariedade dos primeiros, em relação aos segundos, a serem registados por alguns dos presentes.

Ferry

Jules Ferry é a grande referência histórica da educação francesa. Como político, é reconhecido como o introdutor daquilo que hoje é um orgulho de toda a França: a escola gratuita, laica e obrigatória. Morreu em 1893.

O novo presidente francês, François Hollande, quis homenageá-lo no dia da sua tomada de posse, como uma das grandes figuras do pensamento da República.

Aqui del-rei! Uns cocabichinhos da História foram logo desencantar algumas frases de Jules Ferry onde este defendia a superioridade de umas raças sobre as outras, na sua apologia do colonialismo. Nada que, à época, muita gente não pensasse.

Mas como agora está na moda, pelo "politicamente correto", obrigar à releitura crítica das ideias antigas, o presidente François Hollande acabou por ser obrigado, no seu discurso junto ao monumento a Jules Ferry, a fazer notar que parte das suas ideias era inaceitável e não deve servir de exemplo, à luz dos princípios do humanismo contemporâneo.

Pena é que, já agora!, o "politicamente correto" não se alargue à estética. Isso permitiria dizer que também já não são aceitáveis barbas como as que Jules Ferry exibia...

terça-feira, maio 15, 2012

Presidência (2)

Foi uma bela cerimónia aquela a que ontem assisti, como convidado, na "Mairie" de Paris, onde o presidente François Hollande foi recebido "pela cidade", com um discurso emocionado do "maire" Bertrand Delanoe. Com rigor e sentido histórico, ambos lembraram, nas suas intervenções, que Paris está para sempre ligada à data inesquecível na qual Charles de Gaulle inaugurou a nova liberdade francesa, no imediato pós-guerra. Uma recordação justa àquele que foi o fundador da V República que agora, uma vez mais, se renova.

Todos os que estavam no "Hôtel de Ville" desejavam sucesso ao novo presidente, na certeza de que um futuro de progresso da França não é indiferente ao futuro de todos nós, nesta Europa turbulenta e interdependente em que vivemos. Mas todos tinham, da mesma forma, plena consciência de que o presidente francês tem, diante de si, um período muito complexo e, essencialmente, não tem muito tempo para reagir à imensidão de problemas prementes. Nestes dias em que emergem os mais diversos comentários, Michel Rocard, o antigo primeiro-ministro, cometeu mesmo o mais notório lapsus linguæ da temporada, ao dizer: "François Hollande n'aura pas un état de grèce", quando pretendia dizer "de grace"...

Na cerimónia de ontem, naquela grande sala de gala da "Mairie" parisiense, praticamente não cabia mais ninguém. Uma larga área era ocupada por cadeiras onde estavam sentadas muitas figuras que a imprensa dá como potenciais integrantes de um governo que só será anunciado hoje à noite. Um amigo, velho "routier" da política francesa, comentava comigo, olhando os assentos desse núcleo de potenciais governantes: "C'est un paradoxe. Aujourd'hui ils sont tous assis, mais demain pour quelques uns il n'aura pas de places..." 

segunda-feira, maio 14, 2012

Presidência

Hoje, François Hollande, toma posse como novo presidente francês. Apesar da sua eleição se ter processado no termo de uma campanha muito tensa, com grande mobilização popular e forte participação nas urnas, sob uma notória bipolarização, o ambiente que rodeia a chegada do segundo presidente socialista ao Eliseu está já muito longe daquele que, em 1981, marcou a eleição de François Mitterrand. A ascensão democrática de François Hollande é aqui sentida com total naturalidade, como normal teria sido a reeleição do anterior presidente.

As coisas não foram assim em 1981. Vivia-se ainda então um tempo de "guerra fria", com a "détente" a fazer o seu paciente caminho. A entrada dos comunistas no governo francês era vista, por alguns, com um temor histórico quase existencial, sem que houvesse a perceção de que esse passo foi, precisamente, o princípio do fim da grande influência que o PCF detinha na política francesa, desde a Resistência. Recordo-me bem que, ao tempo, algumas "cassandras" falavam mesmo da possibilidade de, dentro em pouco, haver "carros de combate soviéticos na praça da Concórdia".

Ao jantar, comentava com um jovem francês esse ambiente de então, que ele não tinha vivido. E concluímos que o mundo já não é o que era: nos dias de hoje, já nem sequer há soviéticos...

São Moreirense

Acabo de saber e rejubilo: o Moreirense subiu à Primeira Liga!

Há tempos, um cronista de restaurantes que, na revista "Sábado", dava pelo nome de Augusto Maria de Saa, deu a um seu artigo o título de "Já viu jogar o Moreirense?". Que raio de pergunta! Nunca vi jogar o Moreirense, nem faço tenções de o fazer. Mas então, qual a razão do júbilo? 

Porque o texto chamava a atenção para o facto de, precisamente ao lado do estádio do Moreirense, se situar aquele que, para muitos, é o melhor restaurante de Portugal - o "São Gião". (Por mim, já o tinha dito aqui)

Agora, com a equipa vizinha ascendida à divisão principal do nosso futebol, o "São Gião" vai passar a ter nova e farta freguesia. Nestes tempos de troika & tralhas correlativas, é muito bom que o negócio do "São Gião" progrida. Só peço ao Fernando Pedro Nunes que os preços não "sofram" com a avalanche e que continue a garantir-me uma mesa nessa incomparável "catedral" de restauração de Moreira de Cónegos.

domingo, maio 13, 2012

Viagens

Leio hoje anunciado, pelo que deve ser verdade...

No dia 15 de julho, com os meus colegas diplomatas Marcello Mathias e António Monteiro, vou falar em Coimbra, na Quinta das Lágrimas, no Festival das Artes, sobre "As viagens dos portugueses, cinco séculos depois - Ásia, Brasil, África".

O convite partiu do nosso comum amigo José Miguel Júdice e da Fundação Inês de Castro. Esperamos que esta "troika" viajante possa trazer um saldo positivo para a conversa.

sábado, maio 12, 2012

"Paris vs New York"

É um livro divertido, por onde perpassa um humor culto, que traça um olhar sereno, mas muito atento e informado, sobre as dissemelhanças entre Paris e Nova Iorque.

A ideia nasceu num blogue e, já há vários meses, saiu em França um volume de desenhos sobre os contrastes nos hábitos e a vida de duas belas cidades. 

Tendo vivido em ambos os locais, recomendo.

sexta-feira, maio 11, 2012

Cesária lusófona

Ontem, comemorando o dia da Língua portuguesa, os países lusófonos encheram o grande auditório da UNESCO, numa homenagem musical a Cesária Évora, que, no ano passado, morreu aqui em Paris.

Se bem pensarmos, Cesária é uma das poucas intérpretes que hoje é comum a todo o mundo da lusofonia, que com a sua música se identifica com naturalidade. Talvez isso se deva ao facto do seu país de origem, Cabo Verde, ser, enquanto espaço de expressão cultural e humana, um espaço de cruzamento com uma riqueza bastante atípica.

quinta-feira, maio 10, 2012

Chandeigne

Desde há algumas semanas, a Librairie Portugaise et Brésilienne, de Michel Chandeigne, tem novas instalações, no 19/21 rue des Fossés Saint Jacques, Place de Estrapade, 75005 Paris, numa zona próxima do seu antigo endereço, também na zona do Panthéon. Aí pode ser encontrada uma muito boa oferta de títulos em língua portuguesa, originários de vários países, bem como de traduções francesas de muitas obras das culturas que se expressam na nossa língua.

Michel Chandeigne é uma personalidade a quem a cultura portuguesa em França muito deve, quer através das edições que promove, quer pelo trabalho desenvolvido na livraria, quer, igualmente, por toda a difusão da História e da cultura portuguesa que tem feito, em múltiplas conferências e palestras.

quarta-feira, maio 09, 2012

Os "Gês"

Há dias, numa conferência em Paris, Alfredo Valladão, um amigo brasileiro que, há muitos anos, é aqui professor universitário, falou sobre a relação entre o G8 (grupo que reúne os oito países mais industrializados do mundo) e o muito mais recente G20, onde esses Estados estão agora lado-a-lado com os "países emergentes" (como o Brasil ou a Índia) e um conjunto de outros de menor dimensão económica (aliás, já bem mais de 20...).

Numa graça, durante a sua intervenção, Valladão comentou: "No passado, os "emergentes" estavam no menu do G8. Agora estão a comer à mesa com eles". É pura realidade: com a sua crescente relevância à escala mundial, os "emergentes" como que forçaram os G8 a abrirem-se. 

Formalmente, o G8 continua a existir, embora a sua agenda, a regular sempre por consenso, seja cada vez menos substantiva, o que se ficará a dever, em grande parte, às reticências crescentes que chegam das bandas de Moscovo. Já o G20, que teve horas de glória mediática no auge da crise financeira, sendo um palco para afirmação de esperanças salvíficas de um novo entendimento universal, parece estar hoje em alguma "panne" decisória significativa, passado que foi, para alguns, o momento maior do susto.

Portugal, que não tem dimensão económica para poder ter ambição sequer de entrar no G20, olha para estes fóruns de designação cooptativa a uma certa distância, cabendo-lhe apenas tentar neles projetar os seus interesses, nomeadamente através da União europeia e de outros países com os quais tenha especiais relações ou identidade de posições. Mas, a prazo, o nosso país tem uma obrigação estratégica de lutar para que as decisões que possam afetar os seus interesses como país sejam reconduzidas para as estruturas multilaterais competentes, nomeadamente as Nações Unidas e as suas agências, bem como as instituições de Bretton Woods (FMI e Banco mundial). Os países mais fracos não têm nenhuma vantagem de verem decidido pelo outros o seu destino e, muito em especial, têm sempre a ganhar em que o processo decisório que os afete assente em modelos de representação democrática, controlada por regras transparentes e equitativas. E é uma evidência que o G8 e o G20, sendo uma realidade incontornável que há que ter em conta, estão muito longe de poderem, com total legitimidade, representar a comunidade internacional.

Entrevista à revista "Must"

Aque horas se costuma levantar?  Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-f...