sábado, abril 11, 2020

Reforçar a cooperação? Com quem?

(Dedicado ao Tiago Moreira de Sá)

Por ocasião das negociações dos tratados de Amesterdão e de Nice, regressou ao debate europeu a questão das chamadas “cooperações reforçadas”, também chamada de “integração diferenciada” ou de “Europa a várias velocidades”. O tema já andava nas conversas há vários anos. Alguns lembrar-se-ão também da tese dos “círculos concêntricos”. Por que surgiu e, depois, ressurgiu?

Na lógica comunitária original, todos os países deviam avançar ao mesmo tempo, com a Comissão Europeia no centro, como impulsionadora das políticas comuns e das propostas para o seu aprofundamento, que teriam de passar depois pelo Conselho (isto é, pelos governos nacionais) para aprovação.

A Europa original, dos “seis”, tinha, além de um corpo modesto e pouco ambicioso de políticas, uma relativa homogeneidade em termos de desenvolvimento. Em todos os membros desse “clube de ricos” (comparado com o resto do continente) havia regiões mais pobres, para cuja tentativa de “ratrappage” da média de desenvolvimento das restantes regiões foi criada a “política regional”, no fundo, medidas de discriminação positiva para as favorecer, através da alocação de fundos. E, claro, havia também a “Política agrícola comum”, a famosa PAC, que levava quase metade do orçamento comunitário, mas que era considerada “identitária” pelos que “mandavam” nas Comunidades Europeias (leia-se, Alemanha e França).

Os alargamentos significaram a entrada no “clube” de sócios com diferentes ideossincrasias. O Reino Unido, que tinha decidido inicialmente permanecer fora do projeto, para proteger a sua identidade e autonomia decisória, percebeu, durante o período áureo das “trente glorieuses” (“années”, os trinta anos iniciais de grande sucesso do projeto), que, por razões estritamente económicas, não podia ficar de fora. A França, o mais vitorioso de todos os derrotados na Segunda Guerra, que percebia que tinha a “inferioridade” alemã nas suas mãos, resistiu quanto pôde a que Londres aderisse. Mas o mercado britânico, importante para os alemães, acabou por se impor.

Viria a entrar também a Dinamarca, embora sempre muito desconfiada do imenso vizinho germânico do Sul. Depois, pela sua imbricação inescapável com o Reino Unido, a Irlanda integrou o grupo. Trazia consigo a primeira exceção: era o único não-membro da Nato. O fim da ditadura na Grécia dos coronéis levou a que um segundo país pobre (depois da Irlanda) entrasse no ”clube dos ricos”. O preço era, contudo, barato: a densidade das políticas, por esse tempo, era muito limitada, pelo que os custos desses alargamentos eram marginais.

O fim das ditaduras ibéricas levou a um novo esforço. Tal como no caso grego, havia que apoiar essas duas novas democracias, reforçar a sua estabilidade, o que era também um interesse geral da paz europeia. Mas eram, igualmente, novos mercados não despiciendos para os produtos da Europa desenvolvida - 50 milhões de habitantes. Portugal, pela primeira vez, ficava num corpo de alianças comum com a Espanha, mas poucos por cá notaram isso.

Caiu, entretanto, o muro de Berlim. E alguns Estados neutrais que, nunca tendo estado sob a tutela de Moscovo (alguma doutrina divide-se quanto ao caso da Finlândia), pediram a adesão, para ficarem sob o chapéu tutelar da Europa das liberdades e da economia de um mercado que, centrado em Bruxelas, parecia caminhar para vir a ser uma grande potência autónoma, quiçá mesmo política, no termo da Guerra Fria. Não eram membros da Nato, para a qual a Espanha fora já cooptada? Isso contava menos, num tempo em que se pensava que a Rússia ia ser “outra”, pelo que não impedia que, com a Irlanda, viessem a dar força a uma ala “neutralista” dentro daquilo a que se passou a chamar-se, entretanto, União Europeia. Aliás, vendo bem as coisas, funcionavam já numa espécie de “neutralidade colaborante” para utilizar a designação hipócrita cunhada pelo oportunismo de Salazar, durante o conflito de 1939/1945.

Por essa altura, e regresso à questão inicial, começou a constatar-se que alguns parceiros pareciam não estariam disponíveis para avançarem à velocidade dos outros. O corpo de políticas comunitárias ia-se aprofundando e aquilo que passou a decidir-se em Bruxelas era cada vez mais relevante. E um órgão proto-parlamentar, inicialmente meramente retórico, como era o Parlamento Europeu, passou a reclamar poderes e a decidir, cada vez mais, com base na representatividade demográfica dos Estados. Ora isso afetava o equilíbrio original dentro do “diretório”, que tinha voto igual no Conselho e o direito a indicar dois comissários europeus, ao contrário dos restantes Estados. A “décrochage” entre as potências que, na Europa, fazem o papel de grandes desagradava a Londres, mas também a Paris.

O Reino Unido, claro, mostrou-se logo à frente de todos os relutantes. Embora fosse um dos vencedores da Guerra Fria, como potência subsidiária do “amigo americano”, a ideia de uma “Europa-potência”, que, com razão, pressentia ir ser tutelada pelo “eixo franco-alemão”, que o Tratado de Maastricht prenunciava, não lhe agradava, tanto mais que o via como desafiador desse poder que era a sua “special relationship” com o outro lado do Atlântico. A sua vontade de promover, com rapidez, um imenso alargamento aos Estados saídos da anterior tutela soviética demonstrava bem o que desejava que a futura Europa viesse a ser. E os seus “opt-out”, garantidos em Maastricht, tidos como vitórias da soberania de Westminster sobre a tendência centralista da rue de la Loi, lá por Bruxelas, faziam pressentir a sua resistência ao aprofundamento do projeto. A sua auto-exclusão do chamado “protocolo social” havia, aliás, representado a sua verdadeira primeira “fuga” ao “template” comum. O Brexit, anos mais tarde, representaria o “opt out” final.

Já antes disso, também o acordo de Schengen, que (recordo) não era comunitário, causara engulhos a Londres. Se o Mercado Interno, que o Ato Único Europeu consagrara, era do seu pleno interesse, a “quarta liberdade”, que era a livre circulação de pessoas (depois das mercadorias, dos capitais e dos serviços - terrenos onde só tinha a ganhar), contrariava o seu perfil orgulhoso e controlador de ilha soberana. Relutantemente, porque a geografia é o que é, a Irlanda teve então de ir pelo mesmo caminho. Outros países ficaram também de fora, menos por vontade própria e mais pelo facto dos outros não confiarem na sua capacidade de controlarem a porosidade das suas fronteiras. Foi o caso da Itália e da Grécia - e sei do que falo, porque presidi a longas reuniões em que foi fixado o “road map” que viria a permitir a sua posterior entrada.

E, depois, claro, temos o caso do euro. Alguns países entenderam que a adesão a uma moeda única europeia feria uma sua marca de soberania tida por essencial. Reino Unido, Dinamarca e Suécia, dentro da Europa “a quinze”, decidiram não fazer parte do projeto. Outros, dos futuros alargamentos, pensaram de forma diferente e juntaram-se à moeda comum.

Na realidade, por muito que se fale hoje de ”cooperações reforçadas”, e tendo embora havido casos posteriores de agregação de países em torno de certas políticas, a realidade é que Schengen e o euro ainda são, na prática, aquelas que realmente contam. Teremos, de futuro, outros modelos na defesa, mas os seus contornos efetivos estão ainda por definir. Os mecanismos das “cooperações reforçadas” que os tratados de Nice e de Lisboa prevêm distinguem-se, aliás, destes modelos, que o linguarejar europeu crismou como “cooperações reforçadas pré-determinadas”. Sempre fui de opinião de que as “cooperações reforçadas” funcionavam mais como uma espécie de “ameaça” para forçar alguns a seguirem o caminho dos outros, acenando com os riscos decorrentes da sua não inclusão. 

Vale a pena lembrar que Portugal esteve, desde o primeiro momento, em todos os modelos de integração diferenciada. Foi sempre, da nossa parte, uma decisão essencialmente política. Sendo um país geográfica e economicamente periférico, um juízo de razoabilidade levou diferentes executivos portugueses a considerarem que “falhar” a essa “chamada”, logo no momento inicial, seria um erro histórico, porque poderia configurar oportunidades perdidas. Ficar fora do “comboio” da integração plena, para um país muito frágil, em todos os domínios, como Portugal sempre foi e continua a ser, poderia ser um “suicídio” irresponsável. Não tenho hoje a menor dúvida de que estivemos certos ao tomar essas decisões.

A Europa vive hoje sob pulsões de desagregação, quiçá sob tentações de agregação “separatista”, de raiz voluntarista, motivadas por um ambiente raro de crise e acrimónia. Não tenhamos ilusões: por muito que proclamemos o nosso europeísmo “à outrance”, por muito “beneluxenses” que nos queiramos mostrar, o original valerá sempre mais do que a cópia... Mas quem é que mede isso, perguntarão alguns, de “peito feito”? A Alemanha. Berlim é o proprietário da “árvore genealógica” da família europeia. E a França? A França é dona dos castelos de uma aristocracia arruinada e tomara Macron conseguir controlar os seus “gilets”, que têm a cor do sorriso com que hoje enfrenta Angela Merkel nos Conselhos Europeus. 

Façamos todo o “barulho” que entendamos dever fazer, coloquemos todas as nossas cartas de responsabilidade sobre a mesa, mas, neste tempo sem futebol, lembremo-nos sempre da frase histórica de Gary Liniker: “O futebol é um jogo de 11 contra 11 em que, no final, ganha sempre a Alemanha”. E é ela que, nas últimas décadas, escolhe os jogadores, nunca o esqueçamos também! 

Essa é que é essa!


A brincar, a brincar, a verdade é que o Sporting já não sofre um golo há um ror de semanas.

Essa é que é essa, embrulhem!

Felizes são os donos da verdade!


Há quem tenha tido a sorte de, um dia, ter descoberto a verdade. Matutou muito e concluiu, depois dessa longa reflexão, que o mundo é assim: os maus estão de um lado e os bons estão do outro. E sabe, de ciência certa, quem são uns e quem são outros, tudo já sem a menor sombra de dúvida. Deve ser bem confortável viver assim.

Há muitos anos, recordo-me de que havia na “Seara Nova”, já no pós-25 de abril, uma figura que, todos os meses, como arauto desse maniqueísmo limite, teclava uns exercícios de estilo em que explorava o género, numa linguagem muito adjetivada. O nome desse escriba não vem aqui ao caso. Havia lutado contra a ditadura, mas o saldo de Abril não era bem aquilo que ele tinha desejado, e, por ter tido entretanto a “revelação” da tal verdade, sentia-se autorizado, do alto do seu mal-estar, a zurzir meio mundo. Elegera, em particular, alguns inimigos de estimação. Porque isso lhe seria incómodo, à luz de algumas cumplicidades passadas, não lhes referia o nome, andava por ali à volta, tudo “à bon entendeur”.

Esses detentores da verdade voltam a cirandar por aí, imagina-se que com o mau génio agora potenciado pelo confinamento. São invariavelmente ácidos, sempre irados, detetando conspirações, na eterna lógica do confortável “não é por acaso que”. Aliam-se ao diabo, se necessário for, para defenderem a sua dama. Sendo os donos da verdade, não deveriam andar felizes? Mas, pelos vistos, não andam. Que se há-de fazer?

sexta-feira, abril 10, 2020

Europa

Apontas para o rosto sarcástico do sol de Inverno
E disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, só sabes disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.
Não é contra o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
Nem sequer contra o insólito, contra o desespero.
Tu disparas contra a luz.
Podes atirar-nos tudo à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de contas.
Podes até atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem gravatas. Os teus filhos querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.
Há tantos meses que não chove – reparaste?
A terra está seca. Nem abraçados à terra conseguimos dormir.
Enquanto te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro.
Os teus filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vás adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me o futuro e o dos meus irmãos.
Se estamos calados, Europa, é apenas porque, contrários ao teu gesto,
Nós não queremos disparar.


Filipa Leal

José Augusto Duarte


As estruturas diplomáticas tendem a ser os bodes expiatórios prioritários da má vontade que, ciclicamente, se abate sobre o serviço público. Por isso, fiquei muito satisfeito por ter visto reconhecido na imprensa o magnífico trabalho desenvolvido, nesta crise, pela nossa embaixada na China.

O embaixador José Augusto Duarte, que dirige aquela missão diplomática, é um experiente profissional, com brilhantes provas dadas em todos os postos onde esteve colocado, de que a embaixada em Maputo foi um exemplo notório, mas igualmente nas funções de assessoria que exerceu junto do presidente da República.

O seu desempenho, neste momento complexo, honra o serviço diplomático, prestigia a carreira de que faz parte e é um belo exemplo da excelência do serviço do Estado.

Um forte abraço de felicitações, José Augusto! “And take care!”

“Indemissível”


A crise pandémica criou uma situação caricata no Brasil. O presidente, que refuta a bondade das teses do isolamento das pessoas e, temente das consequências políticas da quebras económicas da conjuntura, quer flexibilizar rapidamente algumas restrições impostas, acaba de perceber que não tem condições - leia-se, poder - para demitir o seu ministro da Saúde. É que, em escassas semanas, o governante, de seu nome Mandetta, de obscura figura política passou a vedeta nacional - pela serenidade que projeta, pelo bom senso que demonstra, pela segurança que as suas intervenções públicas transmitem. E como defende teses em tudo opostas às orientações de Bolsonaro, a questão acabou por se transformar num braço de ferro entre os dois. O presidente, em sucessivos comentários públicos, ameaçou “usar a caneta”. Mas a ausência de tinta política suficiente impede, pelos vistos, que a sua vontade de demitir o subordinado passe a letra de forma. As lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado, repercutindo o sentimento prevalecente em ambos os órgãos, tal como figuras cimeiras do Supremo Tribunal Federal (que os anos têm vindo a converter numa instituição com interferência regular nos atos do executivo, situação muito bizarra aos olhos europeus), acompanhados por 20 dos 27 governadores de Estados, defendem abertamente o ministro contra Bolsonaro. Ao que consta, muitos militares seguem a mesma linha. E o ministro, de cuja estratosférica popularidade o presidente tem inveja, tornou-se assim “indemissível”, pelo menos até ver, para usar uma expressão curiosa criada pelos brasileiros, que, no entanto, ainda não arranjaram qualquer outra para substituir o qualificativo de inimputável, que, esse, já ninguém com dois dedos de testa recusa atribuir a Bolsonaro.

O Holandês Voador


Pessoa escreveu o Mostrengo. Os tormentas do nosso cabo europeu ficam aqui neste poema de conjuntura do meu amigo e poeta Luís Castro Mendes, sobre este “Flying Dutchman” que agora nos saiu em rifa:

O Holandês Voador

O holandês que o dinheiro está a contar
na noite de breu ergueu-se a voar.
À volta da Europa rodou três vezes,
rodou três vezes a chiar. E disse:

Quem é que ousou vir tentar
fugir à Morte com os meus fundos
sem os juros me vir pagar,
sem meus conselhos profundos?

De quem é a preguiça por que me roço,
a ligeireza que vejo e ouço,
disse o holandês e rodou três vezes,
como o outro rodou, imundo e grosso.

E o homem do leme tremeu e disse:
eu sou do cabo do mundo.

Três vezes ao écran as mãos ergueu,
três vezes no teclado se reconheceu
e disse no fim de tremer três vezes:

Aqui na videoconferência sou mais do que eu.
Sou a Europa que quer o dinheiro que é seu.
E mais que o holandês que a conferência teme
e esconde o seu ouro todo no fundo
manda a vontade que me segura o leme
para resistirmos ao pavor do mundo.

É feriado?


Alguém me sabe dizer se sexta-feira santa é feriado? É que, se não é, pelo pouco movimento que por aí se vê, até parece! Mas já ontem...

Contra o vento, claro!


Não conheço Fernando Tordo. Ou melhor, conheço muito bem a música com que Fernando Tordo me ajudou a suportar anos sombrios, em que ainda não tinham nascido alguns que agora, surfando o ar cáustico do tempo e aproveitando a liberdade que a luta de Tordo e de alguns mais hoje lhes proporciona, vêm a terreiro vilipendiá-lo. Para esses, ali bem retratados, fica a letra da “Tourada”, em que Ary dos Santos desenhou a cores um certo país que, afinal, deixou por aí uma triste descendência:

“Não importa sol ou sombra 
camarotes ou barreiras 
toureamos ombro a ombro 
as feras. 
Ninguém nos leva ao engano 
toureamos mano a mano 
só nos podem causar dano 
esperas. 

Entram guizos, chocas e capotes 
e mantilhas pretas 
entram espadas chifres e derrotes 
e alguns poetas 
entram bravos cravos e dichotes 
porque tudo o mais 
são tretas. 

Entram vacas depois dos forcados 
que não pegam nada. 
Soam brados e olés dos nabos 
que não pagam nada 
e só ficam os peões de brega 
cuja profissão 
não pega. 

Com bandarilhas de esperança 
afugentamos a fera 
estamos na praça 
da Primavera. 

Nós vamos pegar o mundo 
pelos cornos da desgraça 
e fazermos da tristeza 
graça. 

Entram velhas doidas e turistas 
entram excursões 
entram benefícios e cronistas 
entram aldrabões 
entram marialvas e coristas 
entram galifões 
de crista. 

Entram cavaleiros à garupa 
do seu heroísmo 
entra aquela música maluca 
do passodoblismo 
entra a aficionada e a caduca 
mais o snobismo 
e cismo... 

Entram empresários moralistas 
entram frustrações 
entram antiquários e fadistas 
e contradições 
e entra muito dólar muita gente 
que dá lucro as milhões. 

E diz o inteligente 
que acabaram as canções.“

Um mundo de faroleiros?


O que sentimos, por estes dias, será algo parecido àquilo que é o quotidiano dos faroleiros?

O vírus no mundo


Recomendo este interessante serviço da Google, que faz uma agregação atualizada dos dados sobre a expansão do vírus em grande parte dos países do mundo: https://google.com/covid19-map/?hl=en

quinta-feira, abril 09, 2020

Eurogrupo

Agora que, finalmente, o Eurogrupo chegou a uma decisão sobre as ajudas à conjuntura de crise, vamos esperar pela análise serena e competente de quem, de facto, sabe tecnicamente destes assuntos. Até lá, convém evitar ouvir os tudólogos. Ah! E dar os parabéns a Mário Centeno.

Aeroportos


É nestes dias que o aeroporto de Lisboa se assemelha ao de Beja...

Então?!

Costa esqueceu-se das regras e apertou a mão a um ministro. Não devem tardar os pedidos para que se demita ou, no mínimo, o apelo a que se crie uma comissão parlamentar de inquérito. Ou isto já não é o que era!

A verdade a que eles têm direito


Dado o modo displicente como a Bielorrússia está a tratar a questão do vírus, pode dizer-se que prevalece por ali uma espécie de “laxismo-leninismo”.

Casa

Gosto imenso de estar em casa, tenho mesmo muito prazer em passar dias inteiros sem sair. Mas, nestas últimas semanas, dei-me conta de que só gosto disso quando sei que posso ir à rua quando me apetecer.

Noronha da Costa


Morreu Noronha da Costa. Continuarei a lembrar-me dele nos dias de nevoeiro.

Cuidados

Boris Johnson saiu dos cuidados intensivos. A União Europeia, a acreditar no que nos chega do Eurogrupo, ainda não.

Salsa, coentros & muita simpatia


Não, não vou enveredar por qualquer receita culinária! Sou um perfeito incapaz em matéria de confeção gastronómica, pelo que me limito, modestamente e no fim da linha, a degustar aquilo que quem sabe me proporciona.

Nestes dias de confinamento, de quando em vez, recorremos ao “take away”, mas apenas e exclusivamente, aos que nos trazem as coisas a casa. E com antecipada (quase) garantia de qualidade.

Já aqui falei de excelentes refeições que nos foram proporcionadas pela Marta Bártolo (965 080 839) e pela Tasca da Esquina (919 837 255).

Hoje, falo do Duarte, um bom amigo que conheci na Charcutaria, primeiro na Coelho da Rocha, depois no Alecrim, e que, desde há bem mais de uma década, criou esse pouso de boa comida que é o “Salsa & Coentros”, num improvável lugar de Alvalade, não muito longe dos bombeiros e do LNEC.

Para ontem e hoje, encomendei-lhe uma perdiz de escabeche, um magnífico arroz de pato, uma encharcada (espero que ao meu médico escape este post) e uma tarte de requeijão. Ah! e, claro, tudo antecedido de umas empadas que fazem parte da imagem de marca da casa.

Para evitar que tudo se perdesse numa sinfonia sem direção, fiz acompanhar as vitualhas de um Chryseia de 2015, que tinha há muito “arquivado” e que esteve bem à altura do repasto, ou vice-versa.

O vírus, se formos descuidados e inconscientes, pode tirar-nos a vida. Mas, antes disso, ao menos, que nos não tire o apetite.

Querem comemorar bem esta Páscoa? Telefonem ao Duarte (218 410 900 ou 960 000 381) e peçam uma refeição ao “Salsa & Coentros”. Vem tudo impecavelmente embalado e pagam com o cartão, à chegada. E verão que o preço é bem “em conta”!

Saudades do Pacto de Estabilidade


Dizer que tenho saudades do Pacto de Estabilidade é sacrilégio? Há dias, quando a presidente da Comissão anunciou a suspensão do Pacto, tive um sentimento ambivalente. De facto, com as despesas estatais a dispararem em todos os Estados, que outra decisão poderia ela tomar? É como se passássemos a andar a 180 km/h nas auto-estradas e a GNR dissesse que não nos ia multar a todos! Nessa “generosidade”, vi um presente envenenado.

O Pacto de Estabilidade é o “código da estrada” do euro. As suas regras, que viriam a revelar-se insuficientes, foi aquilo que o ministro das Finanças alemão, Theo Waigel, nesse tempo em que era ainda Bona e não Berlim, aceitou prescindir do Marco, considerou o mínimo indispensável para os países poderem fazer parte do euro.

Tinha regras fixas, outras tendenciais, e, pouco tempo depois da sua entrada em vigor, logo se constatou uma realidade não escrita: o Pacto era para ser cumprido com rigor pelas economias mais fracas mas tinha uma “elasticidade” maior quando os prevaricadores fossem dos “powers that be” europeus. Ou, como um dia disse Jean-Claude Juncker, quando perguntado por que não era sancionada a França: “parce que c’est la France!”. Depois do Pacto, o Tratado Orçamental e algumas outras regras viriam a somar-se aos requisitos para os membros do euro.

Por que tenho saudades do Pacto de Estabilidade? Porque foi graças ao cumprimento escrupuloso da sua regra do défice máximo que Portugal, apesar de ter uma dívida monstra, pôde começar a ir aos mercados para a “reciclar” a taxas cada vez mais baixas. Por isso Centeno preside ao Eurogrupo. A geringonça é, no fundo, um filho “bastardo” do Pacto de Estabilidade. Os “compagnons de route” do PS mantiveram a sua retórica irresponsável contra o Pacto, mas foram “comprados” com a recuperação de rendimentos e uma limitada reversão nas privatizações, que financia a máquina sindical comunista.

O nosso futuro, na sua extrema complexidade, vai agora ser muito simples. Portugal, bem como os outros países com dívida alta que os mercados olham com desconfiança, está num dilema. Ou consegue assegurar que tudo quanto vier a gastar acima das taxas máximas de défice previstas no Pacto será coberto por um qualquer modelo de raiz europeia que, a curto ou médio prazo, não impacte no seu serviço de dívida ou, na ausência desse suporte, se a dívida soberana portuguesa vier a ter de acumular mais esses astronómicos montantes, as taxas de juro que pagamos nos mercados vão disparar, a nossa dívida dá um salto gigantesco e a permanência no euro fica em sério risco.

Os mercados não são nem europeístas nem solidários. De momento, estão relativamente quietos, porque todos os Estados estão ainda no mesmo barco. Quando uns passarem para iates e outros para cascas de noz, os efeitos da tempestade serão muito diferentes para cada um. Por isso, seria essencial que o nosso défice regular regressasse ao conforto do Pacto de Estabilidade e que o défice excedentário passasse a ser coberto por mecanismos europeus – chamem-se coronabonds, moratórias ou seja lá o que for.

quarta-feira, abril 08, 2020

Fundos para gatunos, já!

Um amigo, que reside em Lisboa, teve a sua casa assaltada, num destes dias de confinamento. Os ladrões forçaram a porta de entrada e fizeram uma “limpeza”, embora apenas no hall, provavelmente por sentirem que o resto do apartamento estava ocupado.

Sabendo do facto, telefonei-lhe. Estava sereno e construtivo: “Deve tratar-se de rapaziada que ficou sem ocupação, pelo fim da atividade no 28, onde “aliviava” turistas”. Referia-se ao pessoal que, esforçado, desde manhã cedo, se dedicava a operar no elétrico 28, que parte dos Prazeres para outros locais mais animados.

Pensando bem, a culpa não é dos larápios, é do governo. Porquê? Porque as nossas autoridades, que tenha sido anunciado, ainda não criaram uma linha de financiamento compensatório da suspensão da atividade dos carteiristas, pequenos gatunos e ofícios correlativos. Dir-se-á que não é admissível apoiar atividades ilícitas. É verdade. Mas nada impede - pelo contrário, tudo o recomenda! - que o governo financie os potenciais delinquentes. Financiar delinquentes? Leu mal. Eu não proponho que se financiem pessoas que cometam ilícitos, sugiro que se subsidiem essas pessoas a montante da execução do delito. Um carteirista, impossibilitado de subtrair uma bolsa a uma americana de passagem, nunca poderia beneficiar de uma compensação financeira se o tivesse feito. Seria imoral! Mas se receber uma ajuda financeira antes de cometer o delito, não apenas isso ajudaria a economia como, muito provavelmente, evitaria a consumação do delito (a verdade é que a americana já “desandou” de cá). Era “dois em um”! De uma coisa tenho (sempre) a certeza: a culpa de tudo isto é do governo!

Pense nisto, leitor, enquanto eu me delicio com uns gambozinos preparados de escabeche pelo Alain Ducasse, que encontrei, de máscara à Zorro, na fila para o pão no Gleba, ali em Alcântara.

O desabafo do Eugénio


Eugénio Lisboa é, de há muito, um amigo. Escritor, crítico e homem desassombrado, tem sobre a vida, e sobre as coisas que ela nos traz, opiniões sempre claras. Não se esconde por detrás das palavras, usa-as como armas da crítica, na fórmula de um clássico. Diz o que pensa, o que é muito evidente nas memórias com que, desde há alguns anos, nos tem recordado tempos e pessoas do seu passado rico e diverso.

Nestes dias de chumbo, em que a poesia e a graça fazem parte do quotidiano de todos nós, mandou-me este curto exercício de estilo.

Ele aqui fica, com um abraço para ele e votos de muita saúde, para que o sol, que não tardará, o possa fazer voltar a sentar, com conforto, nos únicos bancos em que sempre podemos manter confiança.
VERSINHOS DE UM POETA COM ALGUMAS DIFICULDADE DE CONJUGAÇÃO
O Trump, fodido, irá-se
embora se a peste vá-se.
Que chatice se ele ficasse
no governo e nos lixasse!
Que bom se ele se fixasse
na sua Torre e se calasse!
Se o Almada ainda falasse,
diria que o Trump, sem classe,
cheira mal da boca – hélas!

Eugénio Lisboa,

Com um muito humilde pedido de desculpas
por isto não ser tão bom como, digamos, os Lusíadas!

Os dias da imprensa


Há uns tempos, em Vila Real, observei um jovem, na casa dos 20 anos, a comprar dois jornais. Porque ver alguém daquela idade sobraçar imprensa em papel é, por estes dias, uma imagem quase de ficção, ousei perguntar-lhe se ia ler aquilo que acabava de comprar. Olhou-me com alguma estranheza e explicou que os jornais eram para o avô. Nem sequer eram para o pai, dei comigo a imaginar.

Esse avô, tal como eu, era, com certeza, alguém que gostava de folhear a imprensa, de perceber, pelo lugar onde a notícia “sai”, a sua importância relativa. Olharia primeiro, como toda a gente, a página de rosto, depois talvez a terceira ou a última e, tal como a psicologia tradicional aponta, daria, provavelmente, mais importância àquilo que vem nas páginas ímpares do que nas páginas pares - numa das quais, no entanto, o leitor está a fazer o favor de me ler, neste momento, porque quem gosta da opinião sabe onde procurá-la.

No bairro onde vivo, em Lisboa, conseguir comprar um jornal é uma tarefa que exige já uma certa “expertise” – e falo dos tempos de vida normal, não deste confinamento, que nos faz perceber melhor o que deve ser estar com “residência fixa” ou de pulseira eletrónica. As escassas tabacarias, quase já só nos bairros adjacentes, fecham cedo, em algumas certos jornais ou revistas esgotam-se rapidamente, em outras há títulos (como este JN) que nunca surgem à venda. Repito: começa a dar já algum trabalho comprar imprensa em papel.

Não quero parecer catastrofista, mas, ainda antes desta crise, era óbvio que a imprensa escrita estava a perder popularidade - imagino que com exceção da que alimenta o sectarismo desportivo ou a especializada no “voyeurisme” do crime, na vida social dos “famosos”, nos desastres e em tudo o que “corre mal”. E, mesmo essa, ao que consta, estará também a declinar, substituída pelo comodismo da imagem televisiva repetida à exaustão. Irá esta crise ser-lhe fatal?

Sinto-me um utente viciado em plataformas de informação em declínio. Comecei já a migrar para o “on-line”, embora não deva ser exemplo maioritário nas pessoas da minha faixa etária. Uso iPad e iPhone e percebo o truque dos títulos preparados para os “clickbaits”, que dão aos jornais números para encantar os anunciantes. Não tenho hoje falta de notícias, tenho mesmo notícias a mais, o que é diferente de ter melhor informação. A informação são as notícias trabalhadas por alguém que nos dá plena garantia de isenção. Nos dias que correm, estou a perder esses mediadores de confiança.

terça-feira, abril 07, 2020

Hume


Havia lá por casa, em Vila Real, um livro com o título “Tratado da Natureza Humana”. Era uma tradução francesa de uma obra de David Hume, um importante filósofo do século XVIII. Nunca li o livro, confesso, embora, muitos anos mais tarde, tivesse vindo a conhecer a essência do pensamento do autor. O meu pai tinha-o herdado do meu avô, mas também nunca me pareceu muito interessado nele.

Um dia, tinha eu aí uns oito ou nove anos, perguntei-lhe: “Este livro é sobre quê? Quem o escreveu?” O meu pai, sem que eu lhe tivesse detetado a ironia, disse: “É de um filósofo. Foi o homem que inventou a pedra Hume...” E passou adiante. Eu registei.

A pedra Hume era uma massa translúcida que via numa prateleira da casa de banho e que o meu pai usava para estancar o sangue, em caso de pequenas feridas na feitura da barba.

Muitos anos mais tarde, numa ida a Vila Real, ao ver o livro numa estante, quando já sabia bem quem era David Hume, confrontei o meu pai com a resposta que me tinha dado. Já não se lembrava. Os miúdos fixam estas coisas, os adultos não. Rimo-nos.

Hoje de manhã, alguém me ouviu dizer, irritado com um inesperado corte na pele, ao fazer a barba: “Onde é que anda a pedra Hume?”. “A pedra quê?”, foi a resposta. Cá em casa não há nem nunca houve pedra Hume. Há uns sticks envolvidos num papel vermelho, com um nome comercial qualquer. E, como é típico destas coisas de utilização rara, para emergências, nunca estão num sítio visível quando delas necessitamos.

Enfim, coisas do quotidiano, em dias de confinamento. Prometo solenemente duas coisas: não escrever um diário deste tempo do vírus e, em absoluto, não comprar nenhum livro inspirado no tema. Já basta o que basta, e não é pouco!

A outra quarentena

Bem pode Rui Rio tentar que o seu PSD mantenha atitudes de Estado! Alguns dos seus parceiros de partido, em especial no Twitter e Facebook, esforçam-se em encontrar nichos de polémica com o governo, para não “perderem a mão”, aguardando ansiosos o fim da quarentena da unidade.

segunda-feira, abril 06, 2020

A vida de um amigo


Manuel Domingos Augusto é, desde há muitos anos, um amigo muito próximo. Conhecemo-nos em Luanda, em 1982. Era, à época, o meu contraparte angolano no Ministério da Cooperação. Com ele, num tempo muito difícil das relações bilaterais, estabeleci um entendimento que, sem pôr em causa a defesa que cada um de nós fazia do interesse de cada um dos nossos países, tinha uma componente pessoal, que começou marcada pela cordialidade e acabou numa sólida amizade. Desde então, celebrámo-la pelo mundo, onde, a espaços e nos mais variados locais, nos íamos encontrando. Ele fez uma carreira brilhante, primeiro na diplomacia, depois na política, onde desempenhou vários cargos, o último dos quais o de Ministro das Relações Exteriores, posto que ocupou até hoje. Há umas semanas, aqui em Lisboa, tivemos mais um longo e agradável almoço a dois, num lugar com a vista que a imagem mostra. Outros haverá no futuro, como já combinámos! Já escolhi o vinho, Manel!

Apoio à imprensa

Eu também gosto da ideia de se apoiar o jornalismo, isto é, ajudar quem relata os factos com rigor, quem ouve sempre de forma equilibrada ambos os lados de uma polémica, quem não confunde notícias com opinião.

Não me importo de ajudar, com os meus impostos, aqueles jornais, televisões ou rádios onde a regra é o pluralismo equilibrado das vozes (e não o facto de ter por lá um ou dois do “outro lado”, para fingir diversidade), que são algo mais do que veículos disfarçados para a propagação de projetos ideológicos ou partidários.

Mas só esses!

domingo, abril 05, 2020

Saúde


Gostei muito da entrevista dada pela ministra da Saúde, Marta Temido, à RTP. Confirmou-me a excelente impressão que, desde o primeiro momento, tenho desta ministra.

Há uma realidade muito simples, que nunca vi dita ou escrita: nenhuma pessoa morreu em Portugal, por virtude deste vírus, por ausência de assistência adequada no SNS, nomeadamente por falta de ventiladores. ‬

O discurso da rainha


Vi, há minutos, o discurso da rainha Isabel II ao país. Estava lá o essencial. Quem escreveu o texto fê-lo com uma grande atenção aos pormenores, sem gongorismos e numa linguagem escorreita e muito adequada. A mensagem tinha um tom muito profissional, bem à altura da grande profissional da representação simbólica do poder que aquela senhora é. Pela primeira vez num seu discurso real - e lembro-me de todos os anteriores, desde aquele que ela mencionou, nos anos 40 - houve um “editing” de imagem, intercalando neste caso cenas do combate ao vírus. O Reino (“so far”) Unido do futuro deve ter gostado: modernidade qb e tradição com conta peso e medida. Como gostou, com certeza, daquela imensa serenidade, a roçar, como sempre, uma aparente frieza - menos “blood, sweat and tears” e mais “we shall overcome”. Até nisso, o discurso foi britânico. Enfim, foi uma boa peça, de alguém que falou com a autoridade da muita História que já passou por ela, onde não faltou a inevitável referência à Commonwealth, embora, neste caso, a diversidade da dita impeça qualquer juízo valorativo de eficácia sobre o modo como aí terá sido sentida a mensagem. Há ainda algo que me marcou: a pompa com que todas as televisões marcaram a entrada em cena da soberana. Persiste por ali um respeito, que faz parte da coreografia que sustenta a monarquia, e que uma vez mais ficou bem visível. Mas quando esta senhora morrer, e ela “já não vai para nova”, ou há uma imensa inteligência e bom senso da parte de quem lhe suceder, ou esta “magia” dificilmente sobreviverá por muito tempo.

Curados


São mais difíceis de encontrar, mas felizmente ainda vai havendo.

Bancos


Nestes tempos de crise, contamos com os nossos bancos.

Mais um livro?


Há dias em que sinto a tentação de comprar mais um livro. Mas há por aí tantos! E a bom preço, caramba! Mas eu só compro quando confio no autor. E, neste caso, não sei...

E as guerras?


E ninguém nos diz nada sobre as guerras que andam por aí? Ou o vírus também as parou?

A minha rua


Havia dias em que a minha rua, a rua de São Domingos, parecia uma pista de corridas. Ao verem todo aquele espaço livre, alguns carros desciam em velocidade por ali abaixo, para raiva de quem andava pelos passeios e se sentia ameaçado por esse movimento desaustinado.

Os elétricos, esses, tinham uma velocidade mais constante e dava gosto vê-los por ali, como uma memória amarela de uma certa Lisboa que gostamos de não ver desaparecer. Às vezes, muito raras, também eles perdiam a tramontana e, como há tempos aconteceu, um deles foi-se “esbardalhar” lá ao fundo, saindo ”pela paisagem”, sem conseguir curvar para a Garcia da Horta.

Tudo isso se reduziu imenso, a quase nada, nos dias de hoje. Os carros andam ao ritmo do “lá vai um”, como se diz na minha terra. Os elétricos, que fazem um ”fim-de-semana inglesa” (alguém se lembra do que isto era?), também rareiam, mesmo naqueles dias a que chamávamos úteis. Hoje, Lisboa, e nela a minha rua, vive, de quando em vez, atravessada por motos da “Uber-eats” e da “Glovo”, nas entregas casa a casa. Mas, nem por isso elas deixam de acelerar pela minha rua abaixo.


“By appointment”


A sua primeira visita a Portugal tinha sido a convite do Bloco de Esquerda. Se isso não dizia tudo, dizia bastante. Jeremy Corbyn nem parecia ser um mau homem mas, desde o primeiro instante que apareceu e se fez ouvir, toda a gente percebeu que era, em absoluto, “unelectable”. Nada que a esquerda britânica não tivesse experimentado já no passado, com gente igualmente estimável, embora de qualidade muito superior, como Michael Foot.

Alguns dos meus amigos, mais “esquerdalhos”, virão logo à carga: “Mas então, a esquerda britânica, para chegar ao poder, tem obrigatoriamente de ser titulada por figuras da sua “direita”, como Tony Blair?“.

Para quem é democrata e não vive com os pés bem assentes no ar, a resposta é dada sempre pelo eleitorado. Corbyn, que teve à sua frente um dos momentos mais desastrosos do Partido Conservador, saído de líderes tão medíocres como Cameron ou May, conseguiu perder uma das oportunidades de ouro do Labour, em décadas, pela sua clamorosa incapacidade na gestão do processo do Brexit. Pior era impossível! Pusilânime, equívoco, roçou frequentemente o oportunismo mais primário.

Era evidente que Corbyn nunca seria primeiro-ministro do Reino Unido. Agora, no seu currículo, pode registar um milagre: ter sido o principal responsável pela eleição de uma figura tão caricata como a que está hoje em Downing Street. Se os conservadores dominam largamente os Comuns, é graças a ele, “by appointment to Boris Johnson”.

sábado, abril 04, 2020

Os deuses e os homens

“Os deuses abandonaram os seus crentes. Só a ciência - os médicos, os enfermeiros, os cientistas, os investigadores - pode salvar a Humanidade, não a fé. Até disso se fez prova agora”. Miguel Sousa Tavares, no Expresso. Não é preciso dizer mais ou, como diriam os matemáticos, QED

Tarde de sábado


Os livros da vi da (7)


sexta-feira, abril 03, 2020

Segredos do bairro

Vamos lá ser verdadeiros: a Lapa está longe de ser um bairro onde se encontrem muitos restaurantes. A menos que possamos dar uma saltada à Madragoa ou a Santos, a oferta é bastante escassa.

Por isso, foi com alguma surpresa que, por estes dias, nos demos conta da existência, nestas bandas, de um espaço, com poucos lugares, num ambiente familiar e simpático, sem grandes exigências de “dress code”, onde se come muito bem. E a dois passos de onde estamos.

Ah! E é um lugar que cumpre todas as regras de higiene que os tempos exigem. Mas não estaremos a quebrar as regras de confinamento? Bom, confiem no meu bom senso!

Só para lhes dar um “cheirinho” do lugar que descobri, e sobre cuja “geografia” lamento não poder dar grandes pormenores, porque o segredo é a alma do negócio, sempre posso dizer que o menu do jantar de hoje no tal sítio foi um explêndido salmão fumado - com o indispensável “sour cream”, endro, ovo cozido e limão, Seguiram-se umas pataniscas de se lhe tirar o chapéu (nem muito massudas, nem demasiado espalmadas, bem secas do óleo), com um belo arroz de tomate. Como sobremesa, havia uma receita nova de torta de maçã, coberta de canela. Optámos por acompanhar a refeição com um branco, um verde alvarinho da Casa da Calçada, bem fresco. Com o café, terminei com um Johnny Walker Green Label. (Depois digo se precisei de Gaviscon).

Para os mais curiosos, informo que o restaurante se chama “Chez Nous”, mas nada tem de cozinha francesa, ao contrário do que o nome pode sugerir. Aconselho uma consulta ao site do lugar: www.estejamquietosemcasa.com.

António Arnaut


Morreu há dois anos. Foi ele quem “inventou” o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que, ao longo dos anos, muitos tentaram desqualificar e combater. Chamava-se António Arnaut. Talvez mereça algumas das palmas que por esta altura dedicamos aos profissionais de saúde.

Soneto mal guardado


Ora, se tu deixaste o papel em qualquer lado

É questão de o procurar com mais cuidado.

Bem sabes que a tentação é grande e que o pecado

Surge a quem vê um poema mal guardado.


Mas para que quereria alguém esse soneto?

Será um ladrão, um malfeitor, o que sei eu?

Terá sido um parente, uma filha, um neto?

Só o que eu sei é que o soneto desapareceu.


Vou comprar um cadeado novo.

Assim, mais seguro me sentirei com ele na algibeira.

Para não defraudar a arte e o povo.


Entretanto, à espera, será desta maneira

que escreverei um soneto muito mais novo

que, esse sim, guardarei bem na algibeira.


José Sesinando


(assim se chamava literariamente José Palla e Carmo)

Estados Unidos

Os EUA têm uma economia baseada na flexibilidade extrema do mercado laboral, na segurança de que quem perder o seu emprego pode, com alguma facilidade, vir a recuperá-lo em outro setor que sobreviva ou surja no mercado. O pior é quando muita coisa desaparece e o novo não aparece.

Vírus


Há um Brasil já infetado pelo vírus. Há um Brasil infetado por Bolsonaro. Ambos se encontram nesta fotografia.

O esforço


Há muitos anos, num jantar em casa do meu colega Fernando Neves, referi que estava a ler um determinado livro de um romancista cujo nome não é para aqui chamado. Era aquilo a que, sem exagero, se chama um “escritor menor”, daqueles que fizeram algum nome no tempo da ”outra senhora”, incensado pelo SNI e pelos panfletários do regime, mas que o bom-senso crítico, com a passagem dos anos, arquivou já no devido esquecimento.

Tinha e tenho por vício ler autores medíocres, na literatura e no ensaio, nunca concluí se por masoquismo ou se pela vontade de me divertir com os ditos. É uma mania, que se há-de fazer!

Lembro-me bem de que, nesse jantar, ao ouvir falar da minha incursão por essa literatura “de segunda”, o escritor António Mega Ferreira, um dos outros convivas, teve uma reação curiosa: “A literatura desse tipo não merece sequer o esforço de estendermos o braço para a estante, para pegar num livro dele. Quanto mais lê-lo!”

Pensei isto ontem, ao ler um texto de Elmano Alves, incluído numa obra com alguns ensaios e testemunhos, o que era o caso. Quem foi Elmano Alves, perguntará o leitor? Foi um ator secundário e quase ignoto do marcelismo (as novas gerações saberão que houve “marcelismo” antes deste Marcelo?), uma figura da política de Setúbal que, um pouco “by default”, chegou a presidente do partido único da época, a Ação Nacional Popular. Com o êxito que se viu.

Lembro-me da imagem dele, antes de se exilar no Brasil, no pátio do palácio de Belém, nos dias imediatos ao 25 de abril, a dizer uma única frase, ao menos mais corajosa do que a de alguns “vira-casacas” da época: “Estou mudo e não mudo”.

O texto é indigente, de um nacionalismo serôdio, mas, porque tenho estado a ler sobre esses “anos do fim” (a designação é do meu amigo Jaime Nogueira Pinto), fui obrigado a passar os olhos por aquilo que era a doutrina desse período. Uma conclusão tirei, sem equívocos: ler Elmano Alves não mereceu, de facto, o esforço de esticar o braço para a estante.

As palavras e as coisas


Fechados em casa, muito dependentes daquilo que nos chega, estamos, mais do que nunca, reféns da palavra dos outros - e nesta incluo, claro, as imagens, porque elas também nos “dizem” coisas.

Não sendo, por estes dias, testemunhas diretas do escasso quotidiano que se vive lá fora, recebemo-lo através de mediadores, seja aquilo que a internet nos traz, bastante a televisão, alguma coisa a rádio, cada vez menos a informação escrita – e isso dá-nos já alguns sinais para o futuro.

Cada um de nós seleciona, dessa avalanche de informações que chegam, dos números e das “curvas”, das previsões e das opiniões, umas mais “achistas”, outras mais científicas, aquilo que mais diz às suas preocupações. Alguns passam os dias a divulgar o que acham de relevante, outros, como é o meu caso, tentam blindar-se do “diário do vírus”. E a fugir da especulação, do diz-que-disse, do alarmismo tremendista, do rumorismo conspiratório.

Muitos, com forte razão, concentram atenções nos graves efeitos económicos que já se detetam. Porque têm empregos e famílias a sustentar. Ninguém, por ora, tem dados seguros, salvo a certeza de que o choque vai ser imenso. E que será assimétrico nos efeitos sobre os vários setores, cuja capacidade de reabsorção será muito variável. E, no nosso caso, como economia muito aberta que somos, com os nossos parceiros em crise, vamos ter a nossa crise e vamos importar a dos outros.

Porque a vida não para, muitos procuram continuar a trabalhar, embora seja necessário assumir uma realidade: salvo em algumas profissões, já bastante aculturadas à digitalização, é uma ilusão pensar-se que, de um dia para o outro, se transita de um escritório onde estão os dossiês, as notas e os papéis, para um idílico teletrabalho. As coisas não são assim. Nem a vida das casas de muitos é passível de uma reconversão eficaz, por razões óbvias. A própria gestão do tempo é difícil de se fazer. Passar do “from-nine-to-five” para um ambiente doméstico pode ser muito complexo.

E há ainda a nova realidade dos imensos telefonemas. Nestes dias, falamos muito com a família, com os amigos, até com simples conhecidos. As conversas, em geral monotemáticas, são até bastante mais longas do que habitual, no pressuposto implícito de que o nosso interlocutor tem, para nós, todo o tempo do mundo. E vice-versa.

Muitos de nós ainda não reorganizámos o nosso quotidiano e, pelo que às vezes vejo ser a minha própria reação, parto do princípio de que estamos todos um pouco em férias, ligando aos outros pelo telefone a toda a hora, poupado talvez o tempo das refeições. Na verdade, ninguém pode hoje dizer que não atendeu um telefonema porque não estava em casa, mas é legítimo que as pessoas não estejam disponíveis para receber sempre chamadas. Tem de ser criado um “protocolo” informal novo para esta situação inédita, porque, se perdemos momentaneamente a liberdade de movimentos, isso não implica que percamos o direito à nossa privacidade.

Há dias, um amigo telefonou-me: “Mandei-te um email há meia hora e ainda não respondeste!”. O remoque era curioso. Como eu tinha colocado, nesse período, algo numa rede social, ele partia do princípio que eu estava em frente ao computador, isto é, permanentemente atento à caixa de entrada dos emails. E ao não lhe ter respondido de imediato, isso significava, aos seus olhos, colocar essa sua mensagem num grau de prioridade inferior à graçola que eu me divertira a escrever. E se eu estivesse a ler um livro ou uma interrupção me perturbasse a sequência de um filme?

Nada do que acabo de dizer atenua a importância do ato de indispensável simpatia que significa, nos dias que correm, falarmos com amigos a quem, em regra, apenas ligamos nos aniversários ou pelo Natal. Sabe bem ouvir quem raramente ouvimos, reatar amizades a que o tempo diluiu a densidade do contacto pessoal.

Nestes tempos cinzentos, é precisamente a riqueza das relações pessoais que nos pode ajudar a libertar de uma nefasta cultura de ansiedade, que se torna vital combater.

quinta-feira, abril 02, 2020

Vergonha nossa


Só posso imaginar que as duas assinaturas portuguesas que faltam neste documento do Partido Popular Europeu (PPE) sejam ali rapidamente colocadas.

Boataria

Passo-me com essa gente que, com falsa ingenuidade, publica um video ou divulga um texto com o “disclaimer” cobarde de “não sei se isto é verdade, mas chegou-me isto...”.

Ronaldo

Um madeirense dizia-me: “Se isto continuar por mais alguns meses, e se vierem a fazer um preço jeitoso, ainda vamos ficar com o Ronaldo aqui no Marítimo”.

Esta Lisboa


Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão

Bernardo Soares (heterónimo de Fernando Pessoa)

quarta-feira, abril 01, 2020

Foi assim...


No longo corredor do terceiro andar da embaixada “portuguesa” (os angolanos nunca diziam “de Portugal”, sei lá bem porquê!) em Luanda, nesse ano de 1984, ia uma imensa agitação (um grande “restolho”, como se diz na minha terra). O Júlio Vasconcelos, um colega diplomata, aflorou à porta do meu gabinete: “O António está furibundo com um telegrama que chegou de Lisboa”.

O António era o António Pinto da França, o magnífico embaixador que nos tinha saído em rifa, que muito ajudaria a dar cor e graça aos dias dessa cidade com guerra à volta, com recolher obrigatório, praticamente sem lojas abertas e com uma vida tensa e muito difícil. “Mas o que é que diz o telegrama?”, perguntei. Aparentemente, anunciava que António Macedo, uma figura grada do PS, que constava ter uma ligação privilegiada com o MPLA, vinha a Luanda, enviado por Mário Soares, numa missão de “diplomacia paralela”, com vista a tentar atenuar as então difíceis relações bilaterais.

Mas o telegrama, assinado pelo secretário de Estado Eduardo Âmbar, dizia mais: pedia que, dado o “estado frágil de saúde” de Macedo, este ficasse instalado na residência e que o embaixador o acompanhasse nas diligências.

Quando entrei no gabinete de António Pinto da França, este estava numa imensa agitação. “Ó Francisco, você não acha um topete esta vinda do Macedo? Então vem para aqui fazer “diplomacia” partidária e pedem-me para o acompanhar! E nem posso ir de férias, que já estavam autorizadas pelo secretário-geral! E as obras, que foi tão difícil arranjar gente para as fazer? Já tinha mandado o pessoal da residência de férias...”

Havia pouco que dizer, para além de um: “Pois é, é uma chatice!”. Mas o António Pinto da França continuava inconsolável: “Não esperava isto do Jaime Gama, francamente! A favorecer uma operação de “diplomacia paralela”!”. Aí, entrei eu na especulação: “Não será por acaso que o telegrama é assinado pelo Âmbar...”. O embaixador largou o cachimbo e, tendo-me como expert nas tricas socialistas, interrogou-se: “Você acha?”.

Ainda eu não tinha iniciado a minha exegese imaginativa sobre mundo do Rato, quando o bigode do Tavares, o nosso simpático homem das comunicações, aflorou à porta do gabinete: “Senhor embaixador. Chegou outro telegrama. É do secretário-geral...”. “Dê cá, Tavares, dê cá!”, disse o António, talvez com uma vaga esperança de que tudo afinal se revertesse.

Aí, foi a “débacle”! António Pinto da França, homem pouco dado a humores irados, deu um berro: “Só me faltava mais esta!”. À sua volta, expectantes, continuavam os seus quatro colaboradores mais diretos: o José Stichini Vilela, ministro-conselheiro, o Fernando Andersen Guimarães, cônsul-geral, chamado do seu andar de trabalho ao improvisado “gabinete de crise”, o Júlio Vasconcelos e eu.

“Vocês querem saber quem é que vão mandar para cá como Conselheiro Cultural? O Reis Caldeira!”. Era, de facto, a “cereja em cima do bolo”! O embaixador tinha-se batido longamente para ter uma pessoa encarregada da área cultural, tendo mesmo adiantado sugestões de nomes. O Reis Caldeira - e eu até era, provavelmente, aquele que melhor o conhecia - era uma figura muito polémica na carreira diplomática, autor de um “infamous” livro sobre as intrigas da casa. “E o João Aurora nem uma palavra teve para comigo, antes de tomar esta decisão! Não lhe perdoo!” O João Aurora era o embaixador João Sá Coutinho, conde de Aurora, secretário-geral do ministério, o “chefe” da carreira.

A confusão já ia longe demais. O tabaco do cachimbo do agitado António Pinto da França estava espalhado pela secretária, sobre a papelada verde dos telegramas recebidos (os expedidos, como regra universal no MNE, eram imprimidos num papel róseo, da cor das paredes do palácio). A sua fúria, que já se tinha refletido no modo brusco como reagira à Luísa, a secretária, que lhe lembrara, a destempo, que o seu carro já estava à porta do prédio, para o levar ao almoço na residência, aconselhava a que fosse introduzida alguma acalmia na situação. Foi o que decidi fazer.

“Já imaginou se tudo isso fosse verdade? Que vinha por aí o Macedo e que tinha de passar a aturar o Reis Caldeira?” O embaixador olhou-me, esbugalhado, num súbito silêncio, feito de uma imensa perplexidade. Viu então a cara do Fernando Andresen Guimarães abrir-se num sorriso de cumplicidade revelada, o Zé Stichini deu uma gargalhada de quem percebia o que se passava e só o Júlio Vasconcelos ficou com um ar espantado, porque eu o tinha mantido “fora-de-jogo”.

”Hoje é o dia um de abril. Esses telegramas foram inventados por mim. E até chegaram cifrados! Deu-me uma imensa trabalheira, ontem à noite...”

Era assim o nosso grupo de Luanda, de outros tempos. Desse “team” diplomático só eu e o Fernando Andresen estamos hoje “por cá” para nos lembrarmos da história daquele dia um de abril de 1984. 

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...