Algum Brasil sempre detestou o qualificativo de "país do futuro". E com razão. É um pouco como aqueles letreiros que, por graça, antigamente surgiam em algumas lojas: "Hoje não se fia, amanhã sim". Embora a esperança esteja sempre associada ao dia seguinte, é evidente que não ter uma ambição forte no presente acaba por desresponsabilizar as gerações que o gerem e condenar o país a um destino pouco distante da banalidade. Mas a verdade é que confiar num futuro redentor tem sido, de há muito, a aposta nacional brasileira. E o mundo sempre ironizou um pouco com isso.
O Brasil é um país cujo potencial - o tal futuro - ninguém coloca em causa, mas cuja plena exploração permanece recorrentemente adiada. Numa dimensão quase continental, com imensos e diversificados recursos naturais, dispondo uma curva demográfica favorável, o país deu, nas últimas décadas, saltos fortíssimos na qualificação dos recursos humanos, longe, porém, daquilo que necessitaria para se aproximar das economias e sociedades mais desenvolvidas. Além disso, esses avanços não se deram de modo uniforme. Conseguiram recuperar, pontualmente, algumas situações mais gravosas e, no extremo oposto, criaram “ilhas” de excelência que por lá, significativamente, são designadas como “de primeiro mundo” - em especial na economia, mas também na ciência, no sistema educativo, na saúde, etc. Porque há um imenso Brasil que ficou para trás nessa corrida, a diversidade brasileira continua a traduzir-se em elevados contrastes sociais, com tensões muito fortes que se transmitem negativamente na cultura de convivência cívica.
O atraso brasileiro tem ainda componentes estruturais. O país padece de uma grande debilidade em matéria de infra-estruturas, fruto de erros estratégicos que levaram a ciclos de desinvestimento, conducentes a situações hoje muito difíceis de recuperar. Isso leva a que algumas políticas públicas se ressintam, em permanência, dessas limitações - de que os transportes, as comunicações, a saúde, a educação e a segurança são exemplos gritantes.
Como é óbvio, a estrutura política reflete, condiciona e interage, em permanência, com essa realidade económico-social. O Brasil apostou num modelo constitucional federal similar ao americano, numa tentativa de consagrar, por via institucional, a acomodação entre uma representação estadual de interesses, que em muitos casos ali reflete uma cultura dos tempos do “coronelismo”, com um modelo de gestão central tradicional. Poderá dizer-se que, no essencial, o sistema tem funcionado, sobrevivendo mesmo a ciclos políticos muito contrastantes entre si. Porém, essa aparente resiliência dá sinais de resultar num forte imobilismo na cultura cívica, com vícios muito arraigados que só recentemente têm vindo a merecer atenção e sanção pública. O artificialismo da vida partidária brasileira, que permanece muito dependente de uma obsessiva fulanização, que continua a ser a imagem de marca da sua vida política, teve nas recentes eleições uma expressão notória, com uma fragmentação a nível da representação partidária que pode vir a contribuir para possíveis impasses institucionais.
No plano internacional, o Brasil vive, de há muito, com o sonho de poder ascender a patamares de afirmação institucional mais elevados. A entrada para membro permanente do Conselho de Segurança da ONU é o principal desses objetivos, o que justificou, num passado recente, um esforço de expressão diplomática, em particular junto dos países “do Sul”. A essa finalidade correspondeu também o forte investimento que o país fez no reforço do G20, apostando numa perca de força do G8, aquando da crise financeira.
O mundo, entretanto, mudou. O ciclo de afirmação multilateral está, pelo menos, congelado, nos tempos mais próximos. Além disso, a menos que uma surpresa, que poucos são tentados a prever, venha a acontecer, a nova liderança brasileira vai acarretar para o país um custo reputacional que, uma vez mais, funcionará a contraciclo do legítimo desiderato nacional brasileiro de apressar o futuro.