sábado, outubro 27, 2018

O serviço


O nosso homem vinha a guiar desde Porto, na estrada antiga para Vila Real, onde era taxista. Tinha ido levar uns emigrantes a Pedras Rubras, ainda antes do aeroporto ser crismado por uma tragédia. Nesse tempo, mesmo há muito tempo, a viagem era longa, pesada, com os carros de então e o imenso Marão, de estrada curvosa pelo meio, a não ajudarem. E, por falar em curvosa, foi antes de Penafiel que a viu, à beira da estrada. Belíssima, com o sorriso e tudo o resto generoso. Encostou, auscultou o tarifário e o negócio estabeleceu-se por mútuo acordo, sem delongas. Por indicação experiente dela, um pinhal ali perto, com estrada de terra batida, seria o terreno certo para estacionar o carro, cujo amplo banco de trás tinha todas as condições para a conclusão feliz da operação. Nesse tempo, em que os telemóveis eram uns matacões incómodos e caros, ele orgulhava-se de possuir, no “carro de praça”, um rádio ligado à sua casa. Decidiu por ele avisar “a patroa”, lá em Vila Real, de que não estivesse em cuidado, que ia chegar um pouco mais tarde. É que, “por sorte”, tinha-lhe aparecido um outro “serviço”...

Está por esclarecer que patilha do aparelho de rádio terá sido acionada. Fosse ela qual fosse, a verdade é que essa ligação permitiu à esposa do nosso motorista ouvir, em direto e “a cores”, o que se passou naquele carro durante o “serviço“ excecional que tinha surgido na estrada do Porto. A ofendida cônjuge revelou-se uma mulher de armas: quando ele assomou à porta de casa, perto de Vila Real, estava já ela de caçadeira em punho, embora, felizmente, só tenha conseguido disparar um “Ah! Bandido!”, seguido de outros epítetos que este espaço para famílias não pode acolher, porque o filho de ambos lhe travou, no último instante, a sua conjuntural propensão para a viuvez. Depois, sabe-se lá como, tudo acabou por acalmar. Até hoje, ao que parece.

“Shôtôr, que gosto em vê-lo! Vai um cafezinho?”, disse-me ele, há uns anos, com o seu sempre largo sorriso, por detrás do balcão por onde, num fim de tarde, o encontrei lá por Vila Real. Eu, malandro, não resisti, até porque era pura verdade: “Vai, sim senhor! Cheguei agora do Porto e estou cansado, a precisar de um café. Embora a estrada agora já não seja tão cansativa como era, não acha?”. “Sim, sim! Nada que se pareça!” E, já sem me olhar, tirou a bica.

3 comentários:

Anónimo disse...

Lido com sorriso.

Despacho:

Mais uma vez se confirma a arte do nosso escriba para os relatos não-políticos.

Deferido.

Anónimo disse...

"Shôtôr" ?!
Também escreve "bisho" e "canishe"? "Asho" que não...

Maria Eu disse...

Ai, o diabo do taxista! Teve sorte, não ser disparada a caçadeira e atingido as partes baixas...

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