sexta-feira, novembro 02, 2018

Um destino emergente


Algum Brasil sempre detestou o qualificativo de "país do futuro". E com razão. É um pouco como aqueles letreiros que, por graça, antigamente surgiam em algumas lojas: "Hoje não se fia, amanhã sim". Embora a esperança esteja sempre associada ao dia seguinte, é evidente que não ter uma ambição forte no presente acaba por desresponsabilizar as gerações que o gerem e condenar o país a um destino pouco distante da banalidade. Mas a verdade é que confiar num futuro redentor tem sido, de há muito, a aposta nacional brasileira. E o mundo sempre ironizou um pouco com isso.

O Brasil é um país cujo potencial - o tal futuro - ninguém coloca em causa, mas cuja plena exploração permanece recorrentemente adiada. Numa dimensão quase continental, com imensos e diversificados recursos naturais, dispondo uma curva demográfica favorável, o país deu, nas últimas décadas, saltos fortíssimos na qualificação dos recursos humanos, longe, porém, daquilo que necessitaria para se aproximar das economias e sociedades mais desenvolvidas. Além disso, esses avanços não se deram de modo uniforme. Conseguiram recuperar, pontualmente, algumas situações mais gravosas e, no extremo oposto, criaram “ilhas” de excelência que por lá, significativamente, são designadas como “de primeiro mundo” - em especial na economia, mas também na ciência, no sistema educativo, na saúde, etc. Porque há um imenso Brasil que ficou para trás nessa corrida, a diversidade brasileira continua a traduzir-se em elevados contrastes sociais, com tensões muito fortes que se transmitem negativamente na cultura de convivência cívica.

O atraso brasileiro tem ainda componentes estruturais. O país padece de uma grande debilidade em matéria de infra-estruturas, fruto de erros estratégicos que levaram a ciclos de desinvestimento, conducentes a situações hoje muito difíceis de recuperar. Isso leva a que algumas políticas públicas se ressintam, em permanência, dessas limitações - de que os transportes, as comunicações, a saúde, a educação e a segurança são exemplos gritantes.

Como é óbvio, a estrutura política reflete, condiciona e interage, em permanência, com essa realidade económico-social. O Brasil apostou num modelo constitucional federal similar ao americano, numa tentativa de consagrar, por via institucional, a acomodação entre uma representação estadual de interesses, que em muitos casos ali reflete uma cultura dos tempos do “coronelismo”, com um modelo de gestão central tradicional. Poderá dizer-se que, no essencial, o sistema tem funcionado, sobrevivendo mesmo a ciclos políticos muito contrastantes entre si. Porém, essa aparente resiliência dá sinais de resultar num forte imobilismo na cultura cívica, com vícios muito arraigados que só recentemente têm vindo a merecer atenção e sanção pública. O artificialismo da vida partidária brasileira, que permanece muito dependente de uma obsessiva fulanização, que continua a ser a imagem de marca da sua vida política, teve nas recentes eleições uma expressão notória, com uma fragmentação a nível da representação partidária que pode vir a contribuir para possíveis impasses institucionais.

No plano internacional, o Brasil vive, de há muito, com o sonho de poder ascender a patamares de afirmação institucional mais elevados. A entrada para membro permanente do Conselho de Segurança da ONU é o principal desses objetivos, o que justificou, num passado recente, um esforço de expressão diplomática, em particular junto dos países “do Sul”. A essa finalidade correspondeu também o forte investimento que o país fez no reforço do G20, apostando numa perca de força do G8, aquando da crise financeira.

O mundo, entretanto, mudou. O ciclo de afirmação multilateral está, pelo menos, congelado, nos tempos mais próximos. Além disso, a menos que uma surpresa, que poucos são tentados a prever, venha a acontecer, a nova liderança brasileira vai acarretar para o país um custo reputacional que, uma vez mais, funcionará a contraciclo do legítimo desiderato nacional brasileiro de apressar o futuro.

4 comentários:

Rui Franco disse...

O Brasil assim, unido, imperial, é um erro da História e é a razão pela qual a língua portuguesa não tem, nem terá, qualquer futuro enquanto idioma internacional. Ao contrário, o grande trunfo da "hispanidade" foi aquilo que na altura pareceu ser uma fraqueza: o divisionismo nas ex-colónias espanholas. Em vez de se gerarem duas "famílias", competitivas entre si, o que aconteceu foi que se criou um gigantone (e não tanto um gigante), isolado do grupo e sem pontos de apoio, rodeado por culturas diferentes mas que partilham uma matriz e que, por via do número de Estados que formaram (e não tanto da quantidade de população), multiplicam a sua influência apresentando-se como um bloco político e cultural que até tem direito a nome próprio: América Latina (sim, o Brasil é, geralmente, excluído nesta designação).

Feito enorme, o Brasil tornou-se uma nação desequilibrada económica e culturalmente, politicamente arrogante relativamente ao seu passado (e não por causa dele), e incapaz de se sentir como parte de um todo (que até está longe, do outro lado do mar). O Brasil é o paradoxo que mata as esperanças da lusofonia: merecedor de influência internacional pelo tamanho mas, precisamente por causa deste, sobranceiro e incapaz de compromissos que julga serem uma perda de posição (que, de qualquer modo, nunca pretende assumir).

Se o Brasil não se tivesse tornado independente com aquele tamanho (que, na altura até era inferior ao que tem hoje, fruto de conquistas e aquisições), hoje talvez existisse uma comunidade de alguns países lusófonos na América do Sul, Portugal teria mais influência política e cultural na zona (por ser visto como a casa-mãe do conjunto e, também, um possível árbitro de disputas), o Português falado e escrito seria de muito melhor qualidade por haver Estados capazes de proporcionar um ensino de qualidade aos seus cidadãos e alguma estrutura política ligada ao idioma talvez tivesse hipóteses por nenhum país se sentir "sócio maioritário" da língua.

Vê-se muitas vezes elogiar a unidade do Brasil como o último grande feito português naquelas terras mas isto baseia-se num princípio de vaidade, de novo-riquismo que gosta de apresentar coisas grandes para inglês ver, ignorando os problemas causados pelo gigantismo do país aos seus próprios cidadãos. A função dos Estados não é preencherem mapas de forma vistosa mas sim serem espaços de prosperidade e paz para quem neles habita. E nisto o Brasil tem sido um falhanço.

Talvez uma maior oposição militar nossa tivesse ganho tempo para que se criasse ali uma espécie de Canadá (a ocultação - no ensino da História por cá -, da guerra com os brasileiros é uma daquelas heranças do Estado Novo com a qual, curiosamente, ninguém parece querer acabar); talvez se a independência não tivesse nascido monárquica; talvez se algumas das revoltas durante o período colonial (e que eram "regionais"), tivessem vingado; talvez se os embriões de repúblicas no sul tivessem resistido...

Mal por Mal disse...

O nosso presidente foi a Porto Santo comemorar o aniversário do achamento.

E se fossem comemorados todos os achamentos?

Quantos aniversários!

Se o Brasil fosse dividido em pequenos Porto Santos, o que diria Rui Franco!

E se a Madeira ficasse independente como queriam os da Flama há 44 anos?

Tinhamos mais um PALOP e talvez o idioma luso já fosse oficial na ONU, pela ideia de Rui Franco.

Anónimo disse...

Eu penso que um grande problema que existe tanto no Brasil como em Portugal, se encontra no facto de não valorizarem a sua cultura tanto quanto deveriam fazer,
e o Brasil não aceitar Portugal como a pátria dos seus antepassados, sem os julgar à luz dos nossos dias, porque o passado não se muda, os nossos pais têm os seus valores que devemos respeitar, (parece que existe uma espécie de "acanhamento" que hoje felizmente tende a ser menos óbvio),
na busca do conhecimento real da sua história, que se deve ensinar aos seus filhos, das suas cidades, paisagens, tradições, festas, musica, escritores, poetas, um poder enorme que parece quase desperdiçado, quando se dá mais atenção a fatores de crítica social, e
que em Portugal, felizmente, até se encontra com algum nível visto os portugueses, em geral, mostrarem interesse pela cultura brasileira !
dai que os "pilares" se fragilizem na desunião e aproveitamento por parte de interesses contrários aos interesses do povo,

a cultura é muito importante, o orgulho nos nossos pais e avós dá-nos força,
a proteção do nosso património comum, da nossa diversidade, permite que se encontrem bases de consenso,
além de não ser fácil gerir territórios imensos com populações tão diversas que precisam de ser assimiladas para viver em harmonia, e com riquezas que dificilmente se escondem da cobiça

e os países da Lusofonia deveriam "ajudar" o grande Brasil a crescer como nação orgulhosa da sua história e de todos os componentes da sua sociedade,

com grande abraço ao povo brasileiro

Anónimo disse...

O comentário de "2 de novembro de 2018 às 16:46" não faz qualquer sentido. Com tanta insistência na Madeira só faltou falar na poncha e no seu papel na produção filosófica.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...