Os sinais que chegam de Paris apontam para um súbito agravamento das tensões no seio do Partido Socialista, com efeitos devastadores na sua potencial capacidade de sustentar futuros embates eleitorais. As vozes dentro do PSF são cada vez mais divergentes e isso tem um efeito muito negativo na leitura que os franceses fazem da formação à qual, há pouco mais de dois anos, deram uma sólida maioria para governar o país.
Em 2012, François Hollande foi eleito sob uma agenda onde se acantonavam todos os clichés que sustentavam a possibilidade do país continuar a viver "à grande e à francesa", com a ideia mirífica de que os índices macroeconómicos poderiam ser objeto daquilo que se pensava ser uma discussão de poder com Berlim. A realidade é diferente, a Europa está mais exigente, a Alemanha mais "teimosa" e a França bem mais fraca. Tem mesmo de aturar agora a reprimenda pública e as recomendações do novo comissário para as questões económicas, o francês Pierre Moscovici, que foi o primeiro ministro das Finanças de Hollande, por cujo lugar europeu tanto se bateu. Ele há ironias...
Como num governo de coligação, Hollande juntou inicialmente todas as alas do partido, numa ilusão de que a partilha de pastas ministeriais acalmaria as várias tendências, anulando a anterior luta entre si. Viu-se o resultado. O primeiro-ministro Ayrault foi incapaz de federar o infederável e, tal como Mitterrand havia feito com Rocard, Hollande optou por chamar Manuel Valls, no velho sonho de que é possível governar em nome da esquerda sem assustar a direita, para isso utilizando a esquerda de que a direita gosta (Rocard era chamado pelos críticos de esquerda "Rocard d'Estaing" e Valls sonha em mudar o nome do partido para "meter o socialismo na gaveta").
O resultado aí está: por exemplo, de um ministro do "Redressement Productif" (ninguém melhor que os franceses para inventar nomes para ministérios) bem à esquerda e soberanista, que assustava o empresariado, Hollande saltou para um economista liberal, reformador à moda do mercado, que já incendeia o seu grupo parlamentar e os sindicatos (do setor público, porque só esses contam na França de hoje). O resto do governo tem sido uma fonte de conflitos (e demissões) e muito poucos ministros (alguns teimam ainda em impor agendas modernaças e fraturantes) contribuem para uma imagem positiva do executivo, que o mesmo é dizer, da governação presidencial. Valls está assim a ser "frito" em lume brando e as suas hipóteses de vir a suceder a Hollande começam a desvanecer-se.
O resultado aí está: por exemplo, de um ministro do "Redressement Productif" (ninguém melhor que os franceses para inventar nomes para ministérios) bem à esquerda e soberanista, que assustava o empresariado, Hollande saltou para um economista liberal, reformador à moda do mercado, que já incendeia o seu grupo parlamentar e os sindicatos (do setor público, porque só esses contam na França de hoje). O resto do governo tem sido uma fonte de conflitos (e demissões) e muito poucos ministros (alguns teimam ainda em impor agendas modernaças e fraturantes) contribuem para uma imagem positiva do executivo, que o mesmo é dizer, da governação presidencial. Valls está assim a ser "frito" em lume brando e as suas hipóteses de vir a suceder a Hollande começam a desvanecer-se.
Neste quadro, com uma esquerda à procura de um novo registo e uma direita democrática que, apesar do regresso de Sarkozy às lides, não fez desaparecer as recorrentes "zizanias" entre os seus ambiciosos barões, sente-se a ascensão da extrema-direita, cujo discurso de egoísmo nacional e de rejeição da solidariedade começa a sedimentar caminho entre pessoas com mais problemas do que esperança.
François Hollande, cuja popularidade, por "gaffes" e desartes de avanços-e-recuos, está de rastos (exceto num certo "terreno" onde, pelos vistos, tem insuspeitados encantos e surpreendente tempo para os pôr em prática), parece um pouco "déboussolé" (uma expressão gaulesa magnífica, que por cá poderia designar o comportamento de catavento), tentando hoje o que ontem parecia impensável. Deve rezar para que ninguém se lembre do seu programático discurso de Le Bourget e, muito em particular, do que anunciou que faria como "Moi, président", no debate em que calou Sarkozy. Naquilo que é a tragédia dos governos que entram em agonia, avança agora medidas que desaparecem na espuma do dia imediato e apenas parece ter como destino acorrer às sucessivas crises (embora, no plano político-militar externo, tenhamos de convir que foi uma surpresa positiva).
A V República havia criado no imaginário francês um perfil de presidente que, manifestamente, não se cola ao de Hollande. Ser um "presidente normal" é tudo aquilo que os franceses não esperam do ocupante do Eliseu. E daí a vê-lo como um presidente "vulgar" não vai uma grande distância...
Mas voltemos ao Partido Socialista Francês. Este PSF é uma criação de François Mitterrand e, por muito tempo depois dele, ficou preso à matriz do seu programa não realizado. Não será totalmente de estranhar que um futuro desaire eleitoral, que se adivinha de grandes proporções, possa pôr em causa a sua própria existência, cindindo-o entre duas alas. É que o atual PSF, nos tempos que correm, parece já estar mais "in office than in charge", para utilizar uma categoria do outro lado da Mancha. Posso (e espero) estar enganado, mas já esteve mais longe.