quarta-feira, maio 15, 2013
A importância de se chamar Ernesto...
Ver os dourados das Necessidades encherem-se para ouvir Jorge Sampaio falar de Ernesto Melo Antunes foi um momento muito agradável do final da tarde de ontem. O antigo secretário de Estado da Cooperação externa de Melo Antunes - Jorge Sampaio tinha então 36 anos - fez um magnífico bosquejo sobre o percurso diplomático daquele que, na minha perspetiva, foi a mais importante personalidade militar do processo político que, com todos os sobressaltos do tempo, nos conduziu da ditadura para a democracia.
Jorge Sampaio desfez alguns mitos instalados, explicando, muito em particular, certas opções diplomáticas feitas em direção ao que então se chamava "terceiro mundo", passo político essencial para recentrar a política externa portuguesa, saída de uma época em que estava "coincée" pelo colonialismo e necessitando de ganhar espaço para um novo posicionamento em tempos democráticos, marcados pelo "regresso" à Europa e pelo direito à palavra respeitada pelo mundo multilateral.
Gostei muito de ouvir Jorge Sampaio, subliminarmente evocando Oscar Wilde, relembrar "a importância de se chamar Ernesto" Melo Antunes um dos homens que mais lucidamente soube interpretar o destino estratégico de um Portugal em liberdade.
terça-feira, maio 14, 2013
Brasil
Soube-me bem, devo confessar. Receber a notícia de que entidades luso-brasileiras do Ceará decidiram convidar-me para ir a Fortaleza, por ocasião do 10 de junho, a fim de me ser entregue um prémio anual com o nome do português fundador do Estado, Martim Soares Moreno, representa para mim um "atestado" de que o tempo que passei no Brasil, aos olhos de setores da nossa Comunidade, não foi em vão. E essa é a melhor recompensa que um diplomata pode desejar.
Nesta ocasião, apetece-me ecoar um dito que o cearense e antigo embaixador brasileiro em Lisboa, António Paes de Andrade, sempre fazia questão de repetir: "o Brasil é grande, mas o Ceará é maior".
"Ex"
Há dias, numa notícia a propósito de um qualquer tema sobre diplomacia, divulgada por uma agência noticiosa e retomada por vários jornais e blogues, o meu nome apareceu antecedido do epíteto de "ex-embaixador".
Não contesto a opção qualificativa do jornalista, mas já avisei um conhecido general do nosso Exército do destino que, por este andar, espera as suas estrelas.
Não sei se vem a propósito, mas isto lembra-me a gargalhada que um dia dei, ao deparar, na esquina de uma rua da capital de uma antiga colónia portuguesa, com uma placa que indicava "rua ex-Adriano Moreira". Só espero que, a este meu antigo mestre, a imprensa não passe a tratar, um destes dias, por "ex-professor".
segunda-feira, maio 13, 2013
OCDE
Gostei de ver a "inflação" de notícias que, nos últimos dias, surgiu sobre as projeções e recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) sobre Portugal. Fico muito confortado com a importância que Portugal dá às atividades e os pareceres desta relevante organização.
Resta-me, contudo, uma interrogação que, pelos vistos, não suscitou nunca a menor perplexidade à nossa atenta comunicação social: a razão pela qual Portugal deixou a sua representação junto da OCDE sem titularidade, de maio de 2011 a fevereiro de 2013.
A imagem de um país
Como diplomata, dediquei-me frequentemente ao estudo da situação interna de diversos países, com vista a tentar perceber as respetivas instituições e os seus sistemas jurídicos e políticos. Nesse trabalho, preocupava-me em tentar perceber se havia, nesses Estados, uma estabilidade e um ambiente gerador de confiança que os pudesse recomendar aos nossos agentes económicos, como espaço futuro para o seu trabalho e negócios.
São vários os fatores que importam a quem olha um país como um potencial parceiro. Um investidor estrangeiro não valoriza apenas o custo e a formação da mão-de-obra, as imposições fiscais sobre as empresas e trabalhadores, a legislação e o modelo vigente nas relações laborais, o peso da burocracia, os riscos de corrupção, o caráter mais ou menos expedito do funcionamento do serviço da Justiça, os incentivos fiscais ou os estímulos financeiros aos projetos que apresenta. Importa-lhe também o grau de estabilidade política e a possibilidade da sua alteração no tempo, as tensões sociais, as questões de segurança, a existência ou não de uma real equidade no tratamento dos operadores económicos nacionais ou estrangeiros, etc. Mas, tanto ou mais importante do que tudo isso, um empresário procura ter a certeza de que aquilo que é subscrito pela administração do Estado que com ele lida não vai ser, em nenhuma circunstância, unilateralmente posto em causa por uma legislação posterior elaborada por esse mesmo Estado. Chama-se a isso segurança jurídica e a colocação dos países no "ranking" internacional de confiança tem esse elemento no seu centro.
O mais importante e sacrossanto princípio da segurança jurídica, como aprende qualquer aluno de Direito, é a não retroatividade das leis. Em termos simples, isto significa que, num Estado de direito, nenhuma lei pode vir a alterar o quadro de relações jurídicas pré-estabelecidas. Porquê? Porque se assim não for, nenhum cidadão sentirá confiança no momento em que estabelece uma nova relação jurídica, porque existe o perigo de a ver alterada por uma lei futura. E, quebrada a confiança, o investimento retrai, porque ninguém quer correr riscos estúpidos, se acaso pressente que tem à sua frente um parceiro que é capaz de mudar as regras a meio do jogo.
Mas, perguntará o leitor, como é que se poderá ter essa certeza? Não pode, em absoluto. Porém, pode sempre olhar-se - e a comunidade internacional fá-lo - para o comportamento dos Estados, no tocante ao respeito face àquilo a que se comprometeram, na observância das leis em vigor, e daí extrair as necessárias ilações para o futuro. Se um país coloca em causa, na sua ordem jurídica interna, o princípio da não retroatividade das leis, então a possibilidade desse desrespeito pelos princípios do Estado de direito poder vir a ocorrer com parceiros estrangeiros não pode deixar de ser seriamente considerada. Um investidor estrangeiro pensará duas vezes antes de colocar dinheiro num país cujas autoridades, num ato de desrespeito pela palavra dada, comprometeram seriamente a relação de confiança entre o Estado e os seus cidadãos. E legitimamente poderá pensar que, se esse Estado o faz face aos cidadãos que elegem os seus titulares, muito mais facilmente o poderá fazer face a entidades oriundas do mundo exterior. É assim que, ao afastarem o Estado da sua imagem de pessoa de bem, as autoridades podem comprometer decisivamente a credibilidade do seu país à escala internacional. Para a perda dessa credibilidade, basta um único ato político-jurídico. Para a voltar a recuperar é preciso muito mais tempo. E, claro, outras pessoas.
domingo, maio 12, 2013
PSG
Há quase duas décadas que o Paris Saint-Germain (PSG) não vencia o campeonato francês. Curiosamente, a França é um dos poucos países do mundo cuja capital não teve, até hoje, um clube com grande expressão nacional. O reerguer do PSG, com capitais árabes a ajudar, pode ser um sinal de inversão desta tendência.
Pedro Pauleta, uma figura modelar de desportista, unanimemente considerado o maior jogador da história do clube, ajudou muito os portugueses em França a passarem a apoiar o PSG. Recordarei sempre a impressionante homenagem que o clube lhe prestou, em 2010.
No dia de hoje, muitos portugueses, em especial na região de Paris, estão seguramente muito felizes com a vitória do seu clube francês. (E digo "francês" porque, em todos e em cada um deles existe sempre um outro clube português de adoção). E eu também estou, porque o PSG é o "meu" clube em França.
A bomba
O facto de um passageiro ter sugerido, numa graça de duvidoso gosto, que uma sua mala poderia conter uma bomba, fez há dias atrasar, por cerca de quatro horas, um avião que trazia um ministro português de S. Tomé.
Há já bastantes anos, no aeroporto de Lisboa, dentro de um avião, pertencente à companhia de um país para o qual viajaria um ministro português que eu acompanhava, o voo não partia e ninguém era capaz de explicar as razões do atraso. Uma estranha agitação atravessava idas e vindas para a cabine de pilotagem e induzia um ar preocupado à generalidade dos tripulantes. A certo passo, argumentando com a presença do ministro, tentei saber o que se passava. Foi então que me disseram que se tratava de uma ameaça de bomba. Exigi que saíssemos, de imediato, do aparelho, enquanto o assunto não fosse esclarecido em definitivo. Assim aconteceu, mas apenas para a comitiva oficial, que foi colocada na sala VIP. Os restantes passageiros, para nosso grande espanto, foram mantidos no avião, enquanto as buscas sobre a possível bomba prosseguiam.
Lembro-me de que não deviam ter decorrido mais de 20 minutos quando fomos convidados a regressar ao aparelho. A viagem iniciou-se e estávamos já a voar há mais de meia hora quando o comandante do avião, com grande simpatia, veio pedir desculpa ao ministro português pelo atraso provocado. Inquirimos pormenores sobre o que se passara e foi-nos dito que uma chamada telefónica anónima desencadeara o alarme. Todos ligámos o incidente à morte violenta em Portugal, na véspera, de um opositor do regime do país que íamos visitar.
O comandante do avião, explicou então ao nosso ministro:
- Este atraso foi lamentável, mas nós tentámos que ele fosse o menor possível, tanto mais que fomos informados que o senhor ministro tem um programa muito sobrecarregado, logo à chegada. Por isso, muito embora as regras habituais neste tipo de situações obriguem a uma busca muito mais rigorosa e a um tempo de espera de cerca de quatro horas, posso revelar-lhes que recebemos instruções da nossa capital para apressar as buscas. E assim fizemos. Espero que estejam satisfeitos!.
Entre os membros da delegação, olhámos uns para os outros, siderados. Vi um pânico nos olhos de alguns, chocados com a "simpatia" que levara à ligeireza no rigor da vistoria feita. No que me toca, devo confessar que me custou bastante começar a dormir...
Em tempo: para quem aprecia a precisão factual, e se interrogou quando à veracidade dos factos, posso informar que a viagem teve lugar no dia 22 de abril de 1988. E mais não direi.
Em tempo: para quem aprecia a precisão factual, e se interrogou quando à veracidade dos factos, posso informar que a viagem teve lugar no dia 22 de abril de 1988. E mais não direi.
sábado, maio 11, 2013
Menu
Aquele casamento estava a ser uma coisa interminável. O baile abrira com os noivos a convidarem todos os convidados para um pé-de-dança. O velho diplomata hesitou um pouco mas, a certo ponto, para ajudar a passar o tempo, lá se decidiu convidar uma senhora que lhe pareceu um pouco solitária.
Em jeito de início de conversa, perguntou o nome à sua parceira:
- Juliana Sardinha Carneiro, respondeu a senhora.
- Ó minha senhora! Isso é uma refeição completa!, foi a reação imediata do seu par.
Com pequenos pormenores de diferença, esta é uma história verdadeira.
Com pequenos pormenores de diferença, esta é uma história verdadeira.
sexta-feira, maio 10, 2013
quinta-feira, maio 09, 2013
António de Belém Lima
Tenho muita pena de não poder estar, na noite de hoje, na conferência que Jorge Figueira fará, no museu da Vila Velha, em Vila Real, sobre o tema "Imaginar Trás-os-Montes - Belém Lima e a Arquitetura Portuguesa".
António de Belém Lima, um arquiteto transmontano com expressão nacional e crescente divulgação internacional, integra uma magnífica geração que, durante as últimas décadas, ajudou a transformar a paisagem urbana do país e a prestigiar fortemente pelo mundo a arquitetura portuguesa - Portugal é o único país que, com o Brasil, hoje dispõe de dois "prémios Nobel" da arquitetura, os Pritzker, nas pessoas de Siza Vieira e Souto Moura.
A obra de Belém Lima, relevada hoje em livros e diversas publicações nacionais e estrangeiras, qualificou, muito em especial, Vila Real e a sua região, contribuindo fortemente para contrabalançar, no panorama da cidade, o brutal surto de construção que algum "patobravismo" desenvolvimentista, a partir dos anos 70, nos impôs e ainda hoje nos polui o olhar. Obras como o Conservatório de Música ou a Biblioteca de Vila Real, bem como o próprio Museu da Vila Velha, onde a conferência desta noite terá lugar, falam por si próprias, bem melhor do que tudo quanto eu possa dizer - no meu caso, com uma descomplexada "declaração de interesses" de quem é familiar e amigo daquele cuja obra Jorge Figueira vai hoje retratar.
A obra de Belém Lima, relevada hoje em livros e diversas publicações nacionais e estrangeiras, qualificou, muito em especial, Vila Real e a sua região, contribuindo fortemente para contrabalançar, no panorama da cidade, o brutal surto de construção que algum "patobravismo" desenvolvimentista, a partir dos anos 70, nos impôs e ainda hoje nos polui o olhar. Obras como o Conservatório de Música ou a Biblioteca de Vila Real, bem como o próprio Museu da Vila Velha, onde a conferência desta noite terá lugar, falam por si próprias, bem melhor do que tudo quanto eu possa dizer - no meu caso, com uma descomplexada "declaração de interesses" de quem é familiar e amigo daquele cuja obra Jorge Figueira vai hoje retratar.
Um abraço, António, extensivo ao Jorge Figueira, que encontrei algumas vezes pelo mundo no seu teimoso e magnífico esforço de divulgação da grande arquitetura portuguesa.
Em tempo: sei que o António não gosta do Acordo Ortográfico, mas o cartaz (oficial e que, por isso, deve cumprir estritamente as leis da nossa República) tem dois lamentáveis erros - nem "arquitetura" nem "projeto" têm "c". Aliás, é assim que se ensina em todas as escolas do país, não é? Não tem a menor graça, apenas para teimosamente disputar uma batalha já perdida, estar a criar desnecessárias confusões às crianças! Também eu sou do tempo em que, lá por Vila Real, a "Pharmácia Almeida" tinha o "ph"...
Em tempo: sei que o António não gosta do Acordo Ortográfico, mas o cartaz (oficial e que, por isso, deve cumprir estritamente as leis da nossa República) tem dois lamentáveis erros - nem "arquitetura" nem "projeto" têm "c". Aliás, é assim que se ensina em todas as escolas do país, não é? Não tem a menor graça, apenas para teimosamente disputar uma batalha já perdida, estar a criar desnecessárias confusões às crianças! Também eu sou do tempo em que, lá por Vila Real, a "Pharmácia Almeida" tinha o "ph"...
"Salários milionários"
Uma vez mais, a demagogia saloia marca as notícias sobre os "salários milionários" dos diplomatas em posto no estrangeiro. Uma notícia hoje publicada no "Correio da Manhã" insere números globais, descontextualizados, dando a impressão de que os funcionários que o Ministério dos Negócios Estrangeiros envia pelo mundo auferem, por um qualquer "golpe" ou conluio inexplicável, rendimentos astronómicos. E, desta forma, ajudada por alguma "aveludada" insídia sindical sempre marcada pelo despeito, a diplomacia portuguesa é posta no pelourinho da inveja nacional.
Lamento sinceramente que o MNE, em termos oficiais, não saia de imediato a terreiro para explicar que estes valores incluem salários ao nível dos de quaisquer outros funcionários da função pública (na base dos quais são contadas as respetivas futuras pensões de aposentação), complementados, como não pode deixar de ser, de valores para compensar as diferenças de custo de vida para um cidadão estrangeiro que reside nesses países (fixado com base em tabelas internacionais também utilizadas por outros Estados e organizações internacionais), de montantes para a ajuda ao aluguer de casas no tradicional mercado especulativo de rendas para diplomatas, de apoio parcial às despesas para acorrer à educação dos filhos em escolas internacionais estrangeiras (sem o que lhes será difícil darem continuidade a estudos no regresso dos pais a Portugal), além de (cada vez mais limitadas) verbas de "representação", para o exercício (a ser justificado e detalhado superiormente) de funções no quadro habitual - e universal - da ação diplomática, na promoção dos interesses portugueses que lhe cumpre defender junto de colegas e autoridades locais, com as imperativas atividades de natureza social que lhes compete organizar. Resta dizer que muitos desses funcionários são ainda obrigados a manter uma segunda casa em Lisboa, sem o que teriam de reiniciar contratos de arrendamento ou compra de cada vez que regressassem a Lisboa, e que, para os poderem acompanhar, os seus cônjuges são frequentemente obrigados a suspender os seus empregos, sendo assim obrigados a uma "dupla exclusividade", afetando em definitivo as respetivas carreiras profissionais.
Mas de tudo isso ninguém se lembra, nesta mediatização populista, e não vejo a comunicação oficial, tão exímia nas Necessidades para outros fins, surgir preocupada em esclarecer estas coisas simples. Porquê? Talvez porque não vá bem com "l'air du temps" e fique melhor com a colagem a um certo discurso miserabilista que marca os dias do país. E é tão fácil comparar estes "salários milionários" com a média dos salários portugueses ou com a trágica situação dos desempregados, não é?
Sei de certeza segura que esta será sempre, para os diplomatas, uma "guerra" mediática perdida. Mas porque já estou completamente afastado da carreira, sinto-me mais à vontade para poder colocar aqui, para todos os fins úteis, algumas da explicações que o Ministério tinha a estrita obrigação de usar para tentar esclarecer e desmontar este tipo de notícias.
Estratégia nacional
Ontem e anteontem, em contextos completamente diferentes, estive envolvido, por horas, em debates que se prendem com a definição da nossa futura estratégia nacional enquanto país. Em análise estiveram as diversas condicionantes externas que nos envolvem, a maioria das quais insuscetíveis de podermos influenciar, a nossa política de alianças e a discussão sobre o melhor modo de poder vir a defender os nossos interesses à escala global.
Para quem, como eu, começou há muitos anos neste tipo de exercícios, mas que só os frequentou a espaços, está a ser notória uma mudança da qualidade dos intervenientes, cada vez mais "soltos", mais imaginativos e menos presos ao medo de explorar alternativas e de pôr em causa certos tabus. Cada vez estamos mais longe de algum "politicamente correto" que nos tolhia a expressão e isso deve-se, em grande parte, ao esforço feito por vários "think-tanks", por vezes ligados a universidades, que nos têm ajudado a refletir muito para além das ideias feitas e de alguns determinismos que agora se constata não terem qualquer sentido.
Considero esta "democratização" do debate estratégico essencial e entendo que ela talvez nos possa ajudar a consensualizar (expressão que hesitei em usar, por razões de conjuntura) algumas linhas de rumo para um país onde elas escasseiam. Confesso que, não tendo descoberto o "graal" nos exercícios em que participei, saí deles mais animado e moderadamente otimista.
quarta-feira, maio 08, 2013
Ainda o Tua
Ao que me chegou, a UNESCO decidiu aceitar por boas as explicações dadas pelo Estado português na questão da compatibilidade entre a construção da barragem na foz do rio Tua e o estatuto do Alto Douro Vinhateiro como "património mundial". Desta forma, a construção da barragem pode prosseguir.
Aqueles que se opõem à construção da barragem afirmam que não concordam com essa decisão e vão recorrer da mesma, junto das instâncias competentes da organização. Estão no seu legítimo direito.
O que me parece menos curial é que a diplomacia portuguesa, que trabalhou o dossiê o melhor que soube e pôde, correspondendo a instruções do poder político, venha agora a ser acusada, por quantos se opõem à construção da barragem, de "um zelo diplomático que não tem limites".
Essa agora! Então não compete aos servidores públicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros executar o que lhes é determinado? O que aconteceria se os diplomatas que tinham o dossiê a seu cargo se tivessem recusado a cumprir as instruções recebidas?
Posso perceber a frustração das pessoas, e respeito os valores afetivos que motivam muitas delas, mas, no meu caso pessoal, não aceito ser criticado por ter cumprido o meu dever. Acho que os opositores à barragem deveriam parar um pouco para entender e respeitar a posição de quem mais não é que um mero agente da administração pública.
Estatuto bloguista
Hoje, num jornal "de referência", deparo com o autor de um artigo a dar como elemento curricular ser "co-autor" de um determinado blogue.
Vamos a ver se nos entendemos: escrever num blogue é um exercício de participação no espaço público que pode ter a sua graça - para o próprio e para quem entender lê-lo - mas que não deve ser assumido como uma espécie de estatuto. Trata-se de uma atividade de dimensão lúdica, mais ou menos efémera, que não se pode levar nunca muito a sério. Para escrever num jornal é preciso que alguém nos convide; para escrever num blogue, basta ter vontade e um computador. Quem dá importância excessiva àquilo que exprime através de um blogue, por maior leitura que ele conjunturalmente possa ter (e há blogues excelentes com escassos leitores), é porque não tem, na vida real, coisas mais relevantes em que se consiga realizar.
Honra
Quem é que tem medo que as crianças comecem a entender, desde cedo, o conceito de verdade e de honrar a palavra?
terça-feira, maio 07, 2013
Vitória brasileira
É uma boa notícia para a expressão internacional dos países de língua portuguesa a eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevedo para o cargo de diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), há pouco anunciada. Mas esta eleição é, em primeiro lugar, uma grande vitória para a diplomacia brasileira e fico muito satisfeito que ele tenha sido titulada pelo seu ministro das Relações Exteriores, António Patriota, um bom amigo pessoal.
O Brasil tem-se revelado, de há muito, um participante ativo e relevante do processo negocial multilateral na área do comércio internacional. Dispondo de uma diplomacia muito capaz e interventiva, que sabe bem o que quer e como o obter, através de uma hábil política de interlocução e de alianças, o Brasil tem vindo a ganhar um estatuto que lhe permite consagrar institucionalmente, de forma progressiva, a sua influência e o seu poder. O modo como soube colocar-se na fase derradeira do "ciclo de Doha" da OMC, não podendo ser considerado culpado pelo seu fracasso e tendo-se mesmo revelado um parceiro construtivo na construção de modelos de compromisso final que não chegaram a vingar, poderá justificar muito do prestígio de que este resultado também é fruto.
Faço notar que este novo cargo internacional vem a somar-se ao que, desde 2012, foi obtido pelo Brasil na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, com a eleição para seu diretor-geral de José Graziano da Silva, também já sob o consulado diplomático de António Patriota.
Faço notar que este novo cargo internacional vem a somar-se ao que, desde 2012, foi obtido pelo Brasil na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, com a eleição para seu diretor-geral de José Graziano da Silva, também já sob o consulado diplomático de António Patriota.
Volto a repetir uma ideia que há muito alimento: nenhuma das áreas potenciais de afirmação estratégica do Brasil (como, aliás, de todos os restantes países de expressão portuguesa) é contraditória com interesses portugueses. Pelo contrário, o reforço do papel do Brasil à escala global é positivo para o conjunto dos países de língua portuguesa. E esperamos que, por algum efeito de arrastamento, o possa ser também para a CPLP, enquanto entidade coletiva.
O senhor Matos
Por algumas décadas, a portaria do MNE foi dirigida pelo senhor Jaime Matos. O ministério era então uma "casa" quase "familiar", em que, à entrada, havia mais pessoas com nome e menos rotativos agentes da Securitas.
O senhor Matos era também o mais prestigiado dos "procuradores", essa "instituição" de que já aqui falei, que quase todos os diplomatas eram forçados a contratar e que, na realidade, lhes facilitava a vida e lhes permitia resolver uma imensidão de problemas, em especial quando colocados no quadro externo. Mas ter o senhor Matos como procurador era um verdadeiro "must" de prestígio. Enquanto muitos contínuos e motoristas batalhavam para representar os novos diplomatas chegados à casa, o senhor Matos dava-se ao luxo de selecionar aqueles que aceitava como seus representados. E, não raramente, "cedia" mesmo diplomatas a outros colegas dedicados à mesma tarefa.
Como contei noutro post, o senhor Matos tinha a peculiaridade de informar os seus representados dos rumores que circulavam sobre futuras nomeações para embaixadas ou lugares de chefia superior na casa. A isso chamava, nas cartas que enviava, "o movimento que se diz que vai haver". Raramente se enganava, tal a qualidade e a "reliability" das fontes de que dispunha.
Com os anos, com a experiência e tendo já ouvido muito, o senhor Matos chegou mesmo ao ponto de ousar ter opinião sobre a própria justeza de certas indigitações. Um dia, ficou famoso um comentário que, por carta, deu a alguns dos seus representados: "Dizem que o senhor doutor Fulano de Tal pode vir a ser o próximo diretor político. Seja o que Deus quiser!..." Noutra ocasião, depois de anunciar ua determinada colocação, acrescentou, eloquente na sua apreciação: "enfim!..."
segunda-feira, maio 06, 2013
Ainda o consenso
Os apelos ao consenso político, como por aqui já se notou, têm estado no centro do debate público dos dias que correm. A necessidade de tentar alargar a base de apoio, político e social, para a execução de novas medidas de austeridade levou o executivo a procurar chamar a um novo modelo de consenso o principal partido da oposição e os parceiros sociais. O tempo e o modo de surgimento destes apelos foram bem percebidos por esses destinatários e, naturalmente, não deixaram de determinar a forma como por eles foram recebidos.
Porém, as últimas horas vieram confirmar que, afinal, continua ainda por obter um outro consenso, a ser feito a montante das próprias declarações do governo. Uma vez mais, ficou claro que a falta de consenso político começa por se verificar, desde logo, no âmbito da maioria que suporta o executivo. E não escapa a ninguém que isso condiciona fortemente a credibilidade do discurso deste último.
Se, como tudo indica, esta coreografia declaratória, aliás desenvolvida por todos os lados do espetro político, é, nos dias de hoje, essencialmente "para alemão ver", imagino a perplexidade que deve existir nas mentes geometricamente formatadas de Berlim quanto ao que por aqui se passa. Por isso, confesso que teria uma imensa curiosidade em ler o teor do telegrama que o embaixador alemão vai, daí a poucas horas, mandar para a sua capital. Pior: temo mesmo poder antecipar o que ele vai dizer.
domingo, maio 05, 2013
Europa
No dia 9 de maio, dia da Europa, a partir das 21.30 horas, participarei de um debate sobre a Europa do pós-guerra, subsequente à apresentação do filme "Alemanha: ano zero", de Roberto Rossellini, a ter lugar na Cinemateca Nacional, Rua Barata Salgueiro, 39.
A Europa já não está fisicamente em ruinas, mas as ameaças sobre o projeto europeu são hoje muito sérias e obrigam a que reflitamos sobre os caminhos do futuro.
sábado, maio 04, 2013
Jogos de azar
Quando foi lançado, há quase 30 anos, o Totoloto tinha como slogan "é fácil, é barato e dá milhões".
Hoje, o moto aplica-se à Função Pública e aos reformados, enquanto alvos tributários.
Ainda o Estado
Ontem, em Coimbra, após uma reunião do Conselho Consultivo da Faculdade de Economia da universidade, estrutura de que faço parte há uns anos, pude assistir a uma interessante palestra feita por um colega desse mesmo Conselho, o presidente do Tribunal de Contas, Guilherme de Oliveira Martins.
A intervenção, entre outras interessantes questões, abordou os problemas da responsabilidade financeira no exercício das funções do Estado, um tema que o Guilherme soube desenvolver com uma profundidade não contraditória com a sua perceção, sem ambiguidades, por um auditório interessado e inquisitivo. Uma das pessoas presentes, numa pergunta que apresentou, felicitou-se pelo facto daquela palestra, na agitação dos dias que correm, ter servido para nos fazer parar um pouco e ajudar a refletir, com seriedade e rigor, sobre temáticas que o nosso dia-a-dia tende quase sempre a envolver num sinal de polémica de oportunidade e, por essa via, de alguma demagogia. Fiquei a pensar que tinha toda a razão.
Num registo mais alargado, ao ouvir com atenção Guilherme de Oliveira Martins, que tem desempenhado com um notável equilíbrio e competência as funções de presidente do Tribunal de Contas, dei comigo a refletir sobre se o país o não poderia vir a aproveitar noutro tipo ainda mais elevado de responsabilidades, noutros patamares do Estado. No "baralho" das nossas figuras públicas reconhecidamente impolutas e competentes, ele surge como um dos poucos nomes verdadeira lente incontroversos. Será que o país poderá vir a ter a sabedoria para perceber isto?
Em tempo: correspondendo a alguns pedidos, esclareço que a fotografia representa uma vista interior do hotel Movich, em Pereira, uma cidade da Colômbia. A figura ao fundo, acreditem ou não, é António Barreto, que fotografava o "panorama" seguinte.
Em tempo: correspondendo a alguns pedidos, esclareço que a fotografia representa uma vista interior do hotel Movich, em Pereira, uma cidade da Colômbia. A figura ao fundo, acreditem ou não, é António Barreto, que fotografava o "panorama" seguinte.
A outra senhora
No tempo da "outra senhora" - isto é, da ditadura, para os leitores mais novos -, o meu pai, servidor público cumpridor e madrugador, costumava deitar-se relativamente cedo. Por ironia, que não por convicção, há muito que me repetia - a mim, que sempre fui um impenitente notívago - que só admitia que o acordasse se, nas notícias televisivas do fim da noite, fossem anunciados aumentos para a Função Pública, coisa que há anos não acontecia e que era muito improvável que ocorresse.
Numa noite de um desses anos cinzentos, comigo um pouco distraído a ler, mas com a televisão ligada, ouvi um comunicado oficial que anunciava, em linguagem oficiosa, típica do "discurso" do Estado Novo, que tinha sido determinado um aumento salarial para os servidores públicos. A internet estava a décadas de existir e, por uma qualquer razão, não consegui "recortar" a suposta informação nos noticiários da Emissora Nacional. Não era ainda muito tarde, mas o facto de eu ter ouvido a notícia sem grande atenção, fazia-me desconfiar de "tanta fruta". Optei por não acordar o meu pai, com receio de ter entendido mal e poder suscitar-lhe falsas esperanças. No dia seguinte, ao almoço, encontrei-o exultante, com a confirmação de um pequeno aumento salarial decidido para os funcionários públicos.
Porque é que me lembrei disto agora? Sei lá! Talvez porque a ditadura acabou em 25 de abril de 1974.
quinta-feira, maio 02, 2013
Jornalismo luso
Um ilustrado diário da nossa praça, traz hoje, na sua primeira página, o seguinte título:
Ex-colega do avô de Vitor Gaspar esteve na manif da UGT
Não li (nem tenciono ler) o texto da notícia, injustamente remetida para duas (!!) páginas interiores, mas posso presumir, sem dificuldade, a relevância informativa da mesma.
Os charutos
O jantar naquela embaixada tinha terminado há pouco. À volta da mesa já se serviam os cafés e as bebidas brancas. A embaixatriz lembrou então ao mordomo a necessidade de trazer a caixa dos charutos. Minutos depois, o homem aproximou-se da dona da casa, informando, em voz baixa, que, infelizmente, os charutos tinham acabado. A senhora estava desolada e desculpou-se junto do convidado principal, um diplomata sentado a seu lado, o qual, com imensa subtileza, logo menorizou a falta:
- Não tem a menor importância, senhora embaixatriz. Aliás, é muito raro eu fumar um charuto. Só às vezes, no final de uma grande refeição...
quarta-feira, maio 01, 2013
Consenso
Há 39 anos, o dia do trabalhador passou-se assim. Uma leitura atenta das expressões faciais das duas principais personagens presentes na imagem pode ajudar a explicar, se bem que apenas com a experiência que adquirimos a posteriori, a divergência de projetos que ditou toda a história subsequente da esquerda em Portugal. No ano seguinte, em 1975, Mário Soares seria impedido de entrar no estádio onde se comemorava a data, com Álvaro Cunhal a conseguir ser a figura central da festa, numa vitória pírrica, como iria ficar claro em novembro.
Precisamente porque se afastaram programaticamente dos comunistas, os socialistas passaram a ter vocação de governo, nas décadas seguintes. Para o PCP, nesse mesmo período, as trincheiras iriam ser a Constituição, a área sindical e algum poder autárquico, único setor onde pontualmente se encontrou com um certo PS.
Precisamente porque se afastaram programaticamente dos comunistas, os socialistas passaram a ter vocação de governo, nas décadas seguintes. Para o PCP, nesse mesmo período, as trincheiras iriam ser a Constituição, a área sindical e algum poder autárquico, único setor onde pontualmente se encontrou com um certo PS.
Muita água passou, entretanto, sob as pontes. Bem mais recentemente, há dois anos, o voto comunista voltou a ser determinante para ajudar a derrubar um governo socialista e abrir caminho ao regresso ao poder de uma maioria de sinal bem oposto. Estas coisas pesam para sempre no historial das relações no seio da esquerda portuguesa.
PCP e PS seguem assim caminhos diversos na vida política portuguesa. Até hoje e, presumo eu, até aos amanhãs que se podem vislumbrar. De algumas vozes, na área socialista, ouve-se às vezes a opinião de que, com um PCP diferente, seria possível um qualquer entendimento. Mas poderia o PCP ser diferente? Podia, mas não era a mesma coisa...
terça-feira, abril 30, 2013
Tempus fugit
Ó diabo! Já passaram três meses desde que cheguei a Portugal. Tenho de ter mais cuidado, porque, se me distraio, o tempo vai por aí fora...
CNN
O nosso embaixador oferecera um almoço a uma importante personalidade de visita àquela capital. Por várias vezes, durante a conversa, o visitante referiu que a sua filha fazia um estágio na CNN, em Atlanta. O relevo que ele dava a esse simples facto começou a irritar-me. Na boca exagerada do babado pai, a jovem estava já a caminho seguro para um estrelato mediático à escala universal.
Dei por mim a comentar:
- Também tenho na família uma pessoa que trabalhou na CNN. Mas já foi há muito tempo.
E mais não disse. Mas a conversa mudou de rumo.
Quando ficámos a sós, o embaixador comentou:
Quando ficámos a sós, o embaixador comentou:
- Você nunca me tinha dito que tinha tido um familiar na CNN.
- Foi a minha cunhada. Trabalhou por lá há bastantes anos, na CNN, na Companhia Nacional de Navegação...
segunda-feira, abril 29, 2013
Casas mortas
Ontem decidimos fazer um desvio para tentar visitar, numa aldeia da Beira, um casal amigo, já bem idoso, que não víamos há quatro ou cinco anos. Ele era uma figura muito interessante, com atividade cívica no passado e um pensamento crítico sobre o presente. Com ela eu tinha uma longínqua ligação familiar. Costumava falar-lhes para lhes enviar um abraço pelo Natal. Há três anos, fui por ele informado do estado de doença da senhora. Nos dois Natais passados não havia conseguido contactá-los e, por razões que não vêm para o caso, não tinha outra maneira de saber deles.
Ontem, aproximámo-nos da aldeia, devo dizê-lo, com um mau pressentimento. O facto do portão de acesso à moradia estar aberto deu-nos um minuto de esperança. Mas os estores da casa estavam corridos, a campainha já não soava. O descaso das ervas que cobriam o pátio, bem como outros sinais evidentes, indiciavam que ninguém por ali vivia. Perguntou-se a um vizinho. Informou que o cavalheiro tinha morrido há dois anos, a esposa há já alguns meses. Atenta a respetiva idade, não era algo de surpreendente, mas não deixou de ser um choque forte sentir que, para sempre, deixaríamos de poder contar com o acolhimento, caloroso e amigo, de duas figuras a quem, durante muitos anos, visitávamos com grande prazer, quando passávamos nas imediações. Ontem, acabou a única razão que nos levava àquela aldeia serrana.
Esta experiência lembrou-me outra, com poucos meses.
Várias vezes durante a última década, em passagens por Portugal, teimávamos em tentar contactar um amigo que, por uma razão que nunca apurámos, havia deixado de aparecer, já mesmo nos últimos atarefados anos em que por aqui vivíamos. Era uma pessoa com um mundo muito próprio, alguém que se revelara um bom amigo em diversas ocasiões, e que era simultaneamente uma figura interessante, culta, com "mundo" e personalidade. Mas, de há muito, o seu telefone não atendia, as notas que deixávamos na sua caixa do correio, na casa que ocupava num bairro antigo, nunca tiveram a menor resposta. Por muito estranho que isso possa parecer, não tínhamos outros amigos comuns que nos pudessem dar nota do seu paradeiro, nem lhe conhecíamos uma ocupação que a ele nos pudesse conduzir.
Há uns tempos, ainda antes do nosso regresso definitivo a Portugal, passámos uma última vez pela casa desse amigo, mas o seu nome deixara de figurar na campaínha da porta. Meses mais tarde, surgiu-me a ideia de procurar no Facebook pessoas com o mesmo apelido, que não era muito vulgar. Escrevi a cerca de uma dezena, tentando saber "o que era feito" do nosso amigo. Obtive duas respostas. A de um brasileiro, dizendo não ter qualquer ligação familiar com o nosso amigo e a de um irmão, informando da sua morte, já ocorrida há mais de um ano. Sem mais pormenores. Dos restantes possíveis (e alguns bem prováveis, por várias razões) familiares, recebi apenas um estranho silêncio.
Decidi anotar aqui estes dois momentos tristes. Porventura é prova de alguma ingenuidade pensar que as pessoas ficam à nossa espera eternamente, que o tempo não passa para elas, da mesma forma que passa para nós, que os azares as poupam sempre. Mas nem por isso me choca menos confrontar-me com o silêncio destas casas que, para nós, apareceram de súbito mortas, sem que tivéssemos tido oportunidade de trocar uma última palavra com quantos as ocupavam e também faziam parte do nosso mundo.
domingo, abril 28, 2013
O governo Letta
Era um homem discreto, bastante jovem, sempre sorridente, de quem emanava "uma boa onda" e uma natural simpatia, como se lembrarão outros que, como eu, com ele partilharam, durante um ano, a mesa do conselho ministerial do "mercado interno" e as presenças nos "assuntos gerais", naquele final dos anos 90. Enrico Letta era o ministro sem pasta que tinha a seu cargo os assuntos europeus, no governo dirigido por Massimo d'Alema. Hoje, com menos de 50 anos, tem a seu cargo a chefia de um governo italiano em tempo de grave crise.
Para os Negócios estrangeiros desse novo governo entra uma figura que alguns, em Portugal, também conhecemos bastante bem, em especial como comissária europeia que teve a seu cargo a política de defesa dos consumidores, a política de pescas e também as questões de ajuda humanitária. É uma mulher de convicções, com quem não é fácil negociar (sei do que falo!). Com ela, com toda a segurança, a palavra da Itália não se deixará capturar, nos tempos que aí vêm.
Talvez não haja hoje por cá a real perceção de que do sucesso ou insucesso deste governo italiano pode depender muito do futuro próximo da Europa. Um " barco" em que nós também estamos. Por essa razão, para além de devermos desejar que um país amigo como é a Itália recupere uma estabilidade "sustentada" (como agora se diz, a propósito de tudo e de nada), esse é também um voto que devemos formular no nosso próprio interesse.
Viva a ASAE!
A pretexto de uma qualquer revisão da equipa governamentativa, tudo indica estar em preparação uma operação de desativação da função repressiva e policial da ASAE, instituição que alguns novos ventos pretendem qe se dedique agora mais à "formação" e à "educação". Fico preocupado, porque sei bem "do que a casa gasta". Temo mesmo o pior, porque conheço o Portugal retrógrado que se esconde por detrás das medidas de "compreensão" com "os legítimos interesses do pequeno e médio comércio", com que se pretende "humanizar" a ASAE.
A ASAE sempre incomodou bastante. Incomodou os comerciantes desonestos que fazem concorrência àqueles que pagam regularmente os seus impostos, incomodou alguns donos de unidades hoteleiras, restaurantes e cafés que punham no bolso o que deveriam investir em equipamentos e métodos de higiene para salvaguardar a saúde pública dos seus clientes, incomodou certos industriais e armazenistas para quem a validade e salubridade dos produtos eram identificáveis com preciosismos e rigor excessivo, incomodou os taxistas piratas que sonham passar pelo Estoril no caminho entre o aeroporto e a Baixa. E incomodou muita mais gente, em especial, claro, alguma classe política que sobrevive demagogicamente e faz o seu "fond de commerce" do voto dos supracitados e daqueles que deles dependem ou influenciam, às vezes por mera iliteracia cívica.
Eu já vivi no Portugal do comércio "à balda", das cozinhas imundas das tascas e restaurantes com baratas e ratos, do salve-se quem puder e do arranjismo do comércio e indústria que, com a total complacência dis poderes públicos, não tinha o mínimo respeito pelo público pagante. Eu sou do país que assistiu, por décadas, à "guerra" heróica e quase sempre muito solitária da Deco, ao esforço magnífico de homens "chatos" como Beja Santos, à má vontade e ao amiguismo (e, às vezes, à mais comezinha e disfarçada corrupção) que, por muito tempo, bloqueou a defesa do consumidor em Portugal.
Como governante, e com imenso gosto e empenho, representei, por mais de cinco anos, Portugal no conselho de ministros do "mercado interno" da União Europeia, onde ajudei a ligar o nome do nosso país a medidas de modernidade que o procuraram afastar de um mundo de outros tempos, que hoje só quero esquecer e ao qual me recusarei obstinadamente a regressar.
Não me venham com acusações de "fundamentalismos" anti-tabágicos, de excessos de rigor e de falta de flexibilidade na adaptação às medidas que a mera lógica da defesa do consumidor exigia. Não tenho a menor complacência para uma certa brigada snobe, acantonada na trincheira finaça do Ancão ou da Comporta, que defende a venda, sem condições mínimas de higiene, das bolas de Berlim no quente dos Verões sulistas, elitistas e liberais - para utilizar uma máxima consagrada.
Eu também não gosto do tom Dirty Harry que o diretor da ASAE às vezes assumia, detesto aqueles coletes "operacionais" que o seu pessoal usava (usa?), fiquei por vezes incomodado com o espetáculo mediático com que a ASAE envolvia algumas das suas operações, sob o "voyeurisme" das televisões. E aceito, sem dificuldade, que possa ter havido, aqui ou ali, algum excesso, no cumprimento das leis que a ASAE tem por obrigação fazer respeitar. Mas recuso-me a confundir tudo isso com o essencial: a ASAE foi uma benção para o consumidor português.
Por isso, para mim, e para sempre no futuro, nomeadamente na luta política que sobre isto aí virá, viva a ASAE!
Depois de Cristo
Eu tinha feito um comentário conjunturalmente algo ácido a propósito da "performance" de uma certa personagem político-institucional. Acontece-me cada vez mais, confesso. No grupo em que estávamos, um colega, diplomata ainda no ativo, saiu-se com esta:
- Você diz isso porque já está depois de Cristo!
Nesse instante, essa pessoa foi chamada por alguém e abandonou, por momentos, a sala. Perguntei aos circunstantes se tinham percebido o que ele teria querido significar com o que tinha dito. Ninguém tinha entendido o comentário. Por que raio estaria eu "depois de Cristo" e não "antes de Cristo"?
O colega regressou e eu pedi que fosse mais claro. Foi:
- Você já se pode dar ao luxo de dizer essas coisas, de fazer esses comentários, porque já não precisa "deles", porque já recebeu, creio que há quase 10 anos, a grã-cruz da ordem militar de Cristo, a mais alta condecoração a que poderia ambicionar. Ora eu ainda ando a lutar por ela, pelo que comigo "a coisa fia mais fino", tenho de ter muito cuidado, embora - confesso! - partilhe em pleno a sua opinião...
Percebi a prudência desse colega. Mas não pude deixar de pensar que, precisamente nos tempos imediatamente antes de eu receber "o Cristo" (como na carreira, simplificadamente, sempre nos referimos àquela comenda), eu tinha dito publicamente de alguns "deles" o que Maomé não diz do toucinho. Não de todos, reconheço. Não por receio, mas simplesmente porque o não mereciam.
sábado, abril 27, 2013
"Swaps"
Como muito bem
lembra hoje Pedro Santos Guerreiro no "Jornal de Negócios", o grande
problema que a questão da "negociata" dos "swaps"
(aquisição de produtos financeiros para reduzir riscos de variações de preços
de fatores não controláveis) suscita pode ser menos a eventual questão dolosa
por parte de quem representou o Estado na transação (culpabilidade que, a
existir, pressupõe a devida imputação criminal e deveria acabar na prisão dessa
gente), mas, muito simplesmente, a discussão da competência de quem tinha por
obrigação defender o interesse público. É que poderemos ter de chegar à
conclusão de que quem nos (a nós, contribuintes) representou no negócio pura e
simplesmente não sabia o que fazia e não tinha habilitação técnica para tal.
Quem, com regularidade, clama por "menos Estado", e passa os dias
a indignar-se pelos gastos do setor público, também deveria interrogar-se sobre
se, muitas vezes, tais cortes não afetam já a sustentação da massa crítica
mínima, em matéria técnica, para a defesa do interesse público (que é também o
seu) e para o funcionamento capaz da máquina oficial. É
que fazer omoletes sem ovos é, quase sempre, uma obra difícil. Um destes dias,
com a máquina do Estado desativada e desmotivada, começarão, de facto, a ter
razão os que proclamam que "o Estado não funciona". Mas esses mesmos
deixam de ter a menor legitimidade para protestar sempre que o que
"sobrar" desse mesmo Estado, no "estado" em que o deixarem,
vier a comportar-se da mesma forma que estes "hábeis" negociadores
dos "swaps".
sexta-feira, abril 26, 2013
Abril, ontem
Há vários anos que penso o mesmo: a patética sessão na Assembleia da República, tal como a divisiva descida da avenida da Liberdade, constituem-se num fator de lamentável e reciclada polémica, que apenas contribui para converter o 25 de abril numa data de confrontação, quando deveria ser simplemente uma dia de festa e de celebração da Liberdade.
Este 25 de abril dos "prós e contras" é um péssimo serviço que o país presta à sua melhor memória. Mas também já percebi que esta é uma causa perdida. Das televisões aos jornais, do parlamento aos futebóis, tudo a partidarização leva adiante de si, sem grandes ganhos para uma melhor cidadania. E sem que isso contribua para que as novas gerações sintam a menor gratidão histórica face a uma data cujo significado profundo hoje se podem dar ao luxo de ignorar.
Por razões que a conjuntura ajuda a entender, as coisas tornaram-se ainda bem piores este ano, com protagonistas a justificarem, para eles próprios, as palavras da canção-senha de abril, "E depois do adeus":
Quis saber quem sou
o que faço aqui
quem me abandonou
de quem me esqueci
Ou muito me engano ou já não vão a tempo de obter qualquer resposta.
quinta-feira, abril 25, 2013
Gorjeta patriótica
O hotel está a estrear. Muitas coisas ainda não funcionam. Várias "facilities" de que a publicidade faz alarde ainda não existem. O pessoal esforça-se por ser simpático e prestável, mas não há nada que compense a falta de água na piscina. O mais chocante, porém, é o facto do acesso aos andares superiores se fazer... por escadas, sem que existam elevadores. Será que a circunstância de se tratar de um "hotel rural" justifica estas singulares peculiaridades arquitetónicas?
Nesta pausa abrilista, em que me refugiei por uma noite numa unidade hoteleira a preço razoável no oeste do país, veio-me à memória uma historieta ocorrida comigo há mais de uma década, num hotel de Khujand, bem no norte do Tajiquistão, onde também não havia elevadores no caminho para os quartos. Mas esse era um modesto hotel, ainda tributário da era soviética.
Eu chegara, como sempre (nunca aprendi a viajar "light"), com uma pesada mala. Quando me disseram que tinha de subir dois andares a pé, cansado como estava, depois de um dia de trabalho muito intenso, "passei-me" e reclamei. A rececionista, com pinta de "aparatchik", confrontada com o meu mal-estar, mas sem mais comentários, disse-me para eu ir indo para o quarto, que a mala lá iria ter. Largos minutos volvidos, bateram-me à porta. Ofegante, um homem, cuja idade deveria rondar à vontade os 80 anos, apresentou-se com a minha mala.
Senti-me incomodado. Então aquele senhor idoso tinha subido as escadas, com quase 25 quilos na mão, para evitar o meu esforço? Para além de articular vários "spasiba", entendi dever dar-lhe uma boa gorjeta, que pudesse compensar o meu complexo de culpabilidade. O homem mirou a nota de cinco dólares, revirou-a bem não fosse estar a ver mal e saiu, às vénias, desta vez sendo ele quem se desfez em coisas que entendi como profundos agradecimentos.
Sabia que a gorjeta tinha sido boa, mas não tinha ideia do que ela significava, à escala local. Quando, ao jantar, contei o episódio a um diplomata holandês que vivia no país, revelando-lhe o montante da gorjeta, o comentário foi, para mim, surpreendente: "Em moeda local, o que você lhe deu deve representar mais de metade da reforma mensal do homem!"
Na manhã seguinte, ao sair do quarto, deparei com o idoso, especado em frente à porta, já preparado para transportar de novo a minha mala. Deduzi mesmo que devia estar por ali já há algum tempo. Com um imenso sorriso, num tom levemente interrogativo, como que a confirmar apenas o que já sabia, disse-me: "Portugaliya!?" Confirmei e lá descemos as escadas, ele ajoujado com a minha mala, comigo ao lado, descansado, apenas com uma pequena saca de pano ao ombro.
À chegada ao lóbi, recordo, como se fosse hoje, o olhar reprovador e prenhe de "righteousness" das minhas colegas de viagem, embaixadoras da Noruega e do Canadá, que condenavam silenciosamente a minha atitude de vil e eurocêntrica exploração da terceira idade tajique. Como poderia explicar-lhes que estava a fazer um "favor" ao homem? Como reagiriam se lhes falasse dos cinco dólares da véspera?
À entrada para a carrinha, ainda hesitei: como a tarefa da manhã tinha sido "a descer", devia dar uma gorjeta inferior à da véspera? Mas, esmagado pela culpa, logo me decidi: voltei a dar ao homem outra nota de cinco dólares. Sorriram-lhes os olhos e despediu-se com um forte e efusivo cumprimento de mão, sempre repetindo, enfático: "Portugaliya! Portugaliya!". Por 10 dólares, a imagem do nosso país subiu, nesse dia, aos píncaros, nessa remota e pequena cidade da Ásia Central.
À chegada ao lóbi, recordo, como se fosse hoje, o olhar reprovador e prenhe de "righteousness" das minhas colegas de viagem, embaixadoras da Noruega e do Canadá, que condenavam silenciosamente a minha atitude de vil e eurocêntrica exploração da terceira idade tajique. Como poderia explicar-lhes que estava a fazer um "favor" ao homem? Como reagiriam se lhes falasse dos cinco dólares da véspera?
À entrada para a carrinha, ainda hesitei: como a tarefa da manhã tinha sido "a descer", devia dar uma gorjeta inferior à da véspera? Mas, esmagado pela culpa, logo me decidi: voltei a dar ao homem outra nota de cinco dólares. Sorriram-lhes os olhos e despediu-se com um forte e efusivo cumprimento de mão, sempre repetindo, enfático: "Portugaliya! Portugaliya!". Por 10 dólares, a imagem do nosso país subiu, nesse dia, aos píncaros, nessa remota e pequena cidade da Ásia Central.
A similitude entre o "hotel rural" do oeste, onde há uma hora me instalei, e o pobre hotel de Khujand fica-se pela falta de elevador. Ao menos, por aqui, há "wifi", o que me permite publicar este post com toda a Liberdade que o dia me consente.
"Notas Verbais"
Começou há muitos anos, creio que há mais de 12, se a memória me não falha. O "Notas Verbais" é um blogue que faz já parte da própria história do Ministério dos negócios estrangeiros, cuja atividade acompanha. Se não me engano, desde que foi criado o blogue, o MNE já teve seis titulares, o que é obra! Para o blogue, claro.
Escrito por Carlos Albino, antigo jornalista do "República" e, posteriormente, correspondente diplomático do "Diário de Notícias", o blogue tem tido longas intermitências na sua publicação. Muitas vezes estive em forte desacordo com opiniões e leituras dos factos que o NV publicou, sobre aspetos da vida interna do MNE. Uma vez, cheguei mesmo a insurgir-me, com uma veemência que surpreendeu o Carlos Albino (mas que claramente lhe não era dirigida), por ele ter publicado uma comunicação interna do MNE, que alguém lhe terá fornecido, à revelia da confidencialidade que é o nosso "código de honra". Mas mesmo não concordando necessariamente com muito daquilo que o NV publica, reconheço o imenso esforço do seu autor para acompanhar a nossa vida diplomática.
Saúdo aqui o regresso do NV "às lides", que observei há dias. Espero que, como o Toyota, venha "para ficar". Faço-o nesta bela data do 25 de abril, porque nesse mesmo dia, em 1974, o Carlos Albino teve um papel decisivo na difusão da senha musical que deu o mote ao "levantamento" da Revolução.
quarta-feira, abril 24, 2013
Chapeau!
Nunca me tinha lembrado de uma realidade que o "Le Monde", há poucas horas, descortinou: os britânicos têm hoje precisamente um modelo de Europa que sempre quiseram ter. Isto é, uma estrutura basicamente assente no mercado único, cheia de "opt out", alargada ao ponto da diversidade tornar inviável uma cultura comum e um poder coletivo, e cada vez menos federal, dotado de uma representação externa de nível patético, esta última coordenada por uma figura britânica de segunda escolha.
"Chapeau!", como diriam os franceses.
Blogue da semana!
Muito obrigado a Laura Ramos e ao "Delito de Opinião" por terem considerado este "Duas ou três coisas" o seu "blogue da semana".
É bom saber, de viva "voz escrita", que se apreciam estas "escrevivências", bela expressão de David Mourão-Ferreira lembrada por Laura Ramos.
Da coragem em diplomacia
Foi
sempre um homem frontal, talvez porque tinha uma competência acima de
toda a dúvida e, em vários momentos da sua carreira, em especial nos
lugares de chefia que ocupara, dera provas de grande lucidez e
capacidade de interpretar, com rápida perceção, aquilo que considerava
ser o interesse nacional. Sabia-se que Lisboa temia essa sua forma de
estar, que se irritava com a sua independência, pelo que eram raras as
ocasiões em que ousava contestá-lo.
Um dia, chegou à embaixada que chefiava uma instrução cujo eventual cumprimento representaria o cometer de um flagrante erro, que iria afetar a imagem de Portugal. Às vezes essas coisas acontecem, por uma má avaliação das circunstâncias, por falta de ponderação das consequências da decisão, no seio de uma administração que vive sob a pressão do tempo. As embaixadas existem precisamente para isso, para fornecerem a perspetiva local, para ajudarem a adequar o processo decisório lisboeta às realidades concretas do posto.
Porém, dessa vez, a instrução vinha de muito "alto", tinha um tom de urgência imperativa, pelo que era difícil contestá-la com uma mera comunicação escrita. O ministro-conselheiro da embaixada foi encarregado pelo embaixador de fazer um contacto telefónico, com vista a chamar "Lisboa" à razão. Confrontou-se com uma total intransigência, que logo reportou ao embaixador.
Este resolveu, então, tratar a questão pelas suas próprias mãos e telefonou ele mesmo ao colaborador próximo da alta figura em nome de quem a instrução tinha chegado. A conversa não foi longa. O embaixador expôs, com a inteligência e bom-senso que eram os seus, as razões pelas quais não poderia executar o que lhe era pedido. A certo ponto da conversa, que começou a azedar pela obstinação do interlocutor, o embaixador deixou cair:
- Meu caro, você já tem experiência suficiente para perceber que o que me está a pedir para fazer é uma estupidez!
Do outro lado da linha, o colaborador próximo da figura política terá dito, em desespero argumentativo defensivo, que a decisão não era sua, que fora tomada pelo seu chefe. Aí, o embaixador não se conteve:
- Ó homem! Eu não disse que a decisão era sua! Eu apenas disse que ela é estúpida, quem quer que seja que a tenha tomado...
Para a pequena história, diga-se que a instrução não foi cumprida, porque a sua absoluta falta de razoabilidade acabou se tornar evidente. Como evidente ficou a excecional coragem do embaixador.
Ontem, ao final da tarde, o embaixador e o ministro-conselheiro de então deram um forte abraço de amizade, num salão das Necessidades, onde ambos tinham ido ouvir uma palestra de uma amiga comum. Gosto sempre muito de encontrar esse meu antigo embaixador, por quem tenho um imenso respeito e com quem muito aprendi.
Meteorologia
São interessantes as declarações do presidente da Comissão europeia, nas últimas horas abundantemente relatadas pela comunicação social, nas quais afirma a sua convicção de que as políticas de austeridade, se bem que formalmente corretas, não resultam e chegaram ao limite do exigível.
Estas tomadas de posição do presidente da Comissão europeia contradizem, se bem se lembram, as que foram proferidas, há escassas semanas, por uma "outra" pessoa: o dr. Durão Barroso, que ameaçava os países "do Sul" da Europa, em especial Portugal (o "Expresso" ajudou-o, depois, a adocicar a gaffe), em termos imperativos, em caso de desvios das metas macroeconómicas.
Felizmente que estes países "do Sul" têm agora quem os defenda. Precisamente a pessoa do presidente da Comissão europeia, o qual, nada menos do que contra o que pensava o dr. Durão Barroso, tece, nas declarações de ontem, largos elogios aos países "do Sul" e coloca em causa o elevado esforço que lhes está a ser pedido.
Dirão alguns que tudo isto tem escassa importância, que estas contradições fazem parte da vida política, em particular europeia. Não estou nada de acordo. Tendo em atenção que certas figuras nos habituaram a "não dar ponto sem nó" e a medirem bem de onde sopra ou vai soprar o vento, talvez possamos presumir que nos esperam dias mais agradáveis, no tocante à pressão constrangente das instituições europeias em matéria de imperativos de aperto macroeconómico. Será assim?
Em tempo: afinal, depois de Berlim o ter chamado "à pedra", o dr. Barroso lá veio dizer que o que o presidente da Comissão europeia disse afinal não era o que todos o ouviram dizer. Aquela frase interrogativa de Juan Carlos a Hugo Chavez cada vez se torna mais atual.
Em tempo: afinal, depois de Berlim o ter chamado "à pedra", o dr. Barroso lá veio dizer que o que o presidente da Comissão europeia disse afinal não era o que todos o ouviram dizer. Aquela frase interrogativa de Juan Carlos a Hugo Chavez cada vez se torna mais atual.
terça-feira, abril 23, 2013
Dinheiro em Caixa
É tão bom poder ter uma banca ao qual o Estado possa dar ordens, não é? Por uma questão de coerência, espero, com ansiedade, ver sair a terreiro, liberalmente escandalizados como a decência recomenda, todos quantos defenderam a privatização da Caixa, cujos nomes por caso já esqueci.
A mala e o seu conteúdo
Era um posto diplomático longínquo, onde nada se passava de importante. Para ele fora mandado como embaixador um funcionário com um passado pouco distinto e com um futuro a termo certo, dado ser essa a sua última colocação. A sua relação com a "secretaria de Estado", a designação que a carreira se habituou a dar aos serviços centrais em Lisboa, era muito complexa, por virtude de contenciosos antigos que mantinha com setores da hierarquia. Assim, volta e meia, a sua peculiar e errática "performance" era objeto de sérios remoques de Lisboa, fosse por falta de resposta a diligências pedidas, fosse por queixas da inação da embaixada, apresentadas por terceiros. Até notas depreciativas sobre o programa preparado para certas visitas haviam sido recebidas. Mas não havia jeito a dar: um ambiente de tensão com as Necessidades era o seu pão de cada dia. Aliás, tendo perdido já qualquer estímulo profissional, o embaixador apenas "sobrevivia" no posto, no pouco tempo que aí lhe restava.
Uma vez por semana, chegava à embaixada a mala diplomática. Partir os "selos" e o fios metálicos que fechavam o saco de lona, conferir os envelopes com a "guia" de remessa, abrir a correspondência, que nesses tempos se concentrava nos "ofícios" - tudo isso constituía um momento de alguma excitação para o único colaborador diplomático do embaixador, um jovem secretário, que vivia a sua primeira experiência no estrangeiro.
À segunda ou terceira vez em que percebera que a chegada da mala diplomática desencadeava um muito escasso interesse ao seu chefe, teve a coragem de referir-lhe isso mesmo, a sua surpresa por não o ver curioso sobre o que chegava de Lisboa. O embaixador, "batido" e cansado de anos frustrantes de experiência, teve uma frase que ficou nos anais do anedotário da nossa carreira:
- Meu caro, a mala diplomática só tem três coisas relevantes: os vexames que nos infligem, os cheques com que nos pagam e as autorizações para férias que recebemos.
Eram embaixadores de outros tempos, agora que os dias da "troika" até já se abateram sobre o ritmo das malas diplomáticas. E nem falo nos cheques...
Uma vez por semana, chegava à embaixada a mala diplomática. Partir os "selos" e o fios metálicos que fechavam o saco de lona, conferir os envelopes com a "guia" de remessa, abrir a correspondência, que nesses tempos se concentrava nos "ofícios" - tudo isso constituía um momento de alguma excitação para o único colaborador diplomático do embaixador, um jovem secretário, que vivia a sua primeira experiência no estrangeiro.
À segunda ou terceira vez em que percebera que a chegada da mala diplomática desencadeava um muito escasso interesse ao seu chefe, teve a coragem de referir-lhe isso mesmo, a sua surpresa por não o ver curioso sobre o que chegava de Lisboa. O embaixador, "batido" e cansado de anos frustrantes de experiência, teve uma frase que ficou nos anais do anedotário da nossa carreira:
- Meu caro, a mala diplomática só tem três coisas relevantes: os vexames que nos infligem, os cheques com que nos pagam e as autorizações para férias que recebemos.
Eram embaixadores de outros tempos, agora que os dias da "troika" até já se abateram sobre o ritmo das malas diplomáticas. E nem falo nos cheques...
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Agostinho Jardim Gonçalves
Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...