Era um posto diplomático longínquo, onde nada se passava de importante. Para ele fora mandado como embaixador um funcionário com um passado pouco distinto e com um futuro a termo certo, dado ser essa a sua última colocação. A sua relação com a "secretaria de Estado", a designação que a carreira se habituou a dar aos serviços centrais em Lisboa, era muito complexa, por virtude de contenciosos antigos que mantinha com setores da hierarquia. Assim, volta e meia, a sua peculiar e errática "performance" era objeto de sérios remoques de Lisboa, fosse por falta de resposta a diligências pedidas, fosse por queixas da inação da embaixada, apresentadas por terceiros. Até notas depreciativas sobre o programa preparado para certas visitas haviam sido recebidas. Mas não havia jeito a dar: um ambiente de tensão com as Necessidades era o seu pão de cada dia. Aliás, tendo perdido já qualquer estímulo profissional, o embaixador apenas "sobrevivia" no posto, no pouco tempo que aí lhe restava.
Uma vez por semana, chegava à embaixada a mala diplomática. Partir os "selos" e o fios metálicos que fechavam o saco de lona, conferir os envelopes com a "guia" de remessa, abrir a correspondência, que nesses tempos se concentrava nos "ofícios" - tudo isso constituía um momento de alguma excitação para o único colaborador diplomático do embaixador, um jovem secretário, que vivia a sua primeira experiência no estrangeiro.
À segunda ou terceira vez em que percebera que a chegada da mala diplomática desencadeava um muito escasso interesse ao seu chefe, teve a coragem de referir-lhe isso mesmo, a sua surpresa por não o ver curioso sobre o que chegava de Lisboa. O embaixador, "batido" e cansado de anos frustrantes de experiência, teve uma frase que ficou nos anais do anedotário da nossa carreira:
- Meu caro, a mala diplomática só tem três coisas relevantes: os vexames que nos infligem, os cheques com que nos pagam e as autorizações para férias que recebemos.
Eram embaixadores de outros tempos, agora que os dias da "troika" até já se abateram sobre o ritmo das malas diplomáticas. E nem falo nos cheques...
Uma vez por semana, chegava à embaixada a mala diplomática. Partir os "selos" e o fios metálicos que fechavam o saco de lona, conferir os envelopes com a "guia" de remessa, abrir a correspondência, que nesses tempos se concentrava nos "ofícios" - tudo isso constituía um momento de alguma excitação para o único colaborador diplomático do embaixador, um jovem secretário, que vivia a sua primeira experiência no estrangeiro.
À segunda ou terceira vez em que percebera que a chegada da mala diplomática desencadeava um muito escasso interesse ao seu chefe, teve a coragem de referir-lhe isso mesmo, a sua surpresa por não o ver curioso sobre o que chegava de Lisboa. O embaixador, "batido" e cansado de anos frustrantes de experiência, teve uma frase que ficou nos anais do anedotário da nossa carreira:
- Meu caro, a mala diplomática só tem três coisas relevantes: os vexames que nos infligem, os cheques com que nos pagam e as autorizações para férias que recebemos.
Eram embaixadores de outros tempos, agora que os dias da "troika" até já se abateram sobre o ritmo das malas diplomáticas. E nem falo nos cheques...
2 comentários:
um vrncido da vida, no caso diplomática...
Lembro-me de gente assim. O nosso Ministério, noutros tempos menos exigentes, deixou por vezes que frutificassem pessoas desse género. Julgo que isso acabou.
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