sexta-feira, janeiro 11, 2013

Newsweek

Há alguns dias, num quiosque de aeroporto, deparei-me com o último número da "Newsweek" em papel. Ao lado, estava a sua eterna concorrente, a "Time", com uma foto soberba do Obama na capa. Comprei e passei uma rápida vista de olhos pelas duas. "For the sake of old times".

Terá sido no final dos anos 60 que comecei a ler, de forma intermitente, estas duas revistas americanas. Recordo-me que, por essa altura, com algumas semanas de atraso, elas eram disponibilizadas gratuitamente no Centro cultural americano, na avenida Duque de Loulé, onde eu frequentava um curso de inglês. 

Com o tempo, tornei-me assinante da "Time", talvez (confesso) porque era tida por mais "liberal" que a "Newsweek" - no sentido americano e não europeu do termo, isto é, mais "democrática" e menos "republicana". Depois, por necessidade de informação, passei a assinar as duas. Lia-as muito na Noruega, em Angola e em Portugal, na década de 80. Fiz entretanto uma longa pausa. Durante os meus mais de quatro anos em Londres, lia o "The Spectator", "The New Statesman" e o "Private Eye" (além, claro, dos diários "The Times" e "The Evening Standard" e dos semanários "The Observer" e "The Sunday Times"). E, para o futuro, em matéria de revistas anglo-saxónicas, fixei-me, definitivamente, no "The Economist", este sim, bem "liberal", mas já no sentido europeu (isto é, direita liberal). A sua escrita, porém, seduzia-me, como hoje ainda me seduz, o que me leva à situação bizarra de continuar a ser assinante de uma publicação em cuja linha doutrinária estou muito longe de me rever. É que convém que fique bem claro: não sou liberal (na aceção europeia), muito longe disso!

Com alguma regularidade, só voltei a ler a "Newsweek" (tal como a "Time"), no pouco tempo em que vivi em Nova Iorque. Depois, mantive a assinatura da revista (muito barata) durante a minha estada em Viena, mas sempre foi, claramente, uma leitura secundária. Desde então, vai para uma década, apenas a encontrava nos aviões e nas salas de espera. Folheava-a, lia um ou outro artigo, nada mais. Não sei bem porquê, a sua consulta regular (bem como a da "Time") deixou de me interessar, talvez por alguma excessiva "leveza" na abordagem dos temas, ou talvez por uma leitura excessivamente americana das coisas, para o meu gosto.

O mundo deixa agora de ter a "Newsweek" em formato de papel. Com o meu regresso a Lisboa, daqui a duas semanas, será que vou ter tempo e apetência para ler a "Time"? Duvido. Da imprensa americana contemporânea, e não podendo dar-me ao luxo do excelente "New Yorker", resta-me sempre o "The Herald Tribune", hoje um "genérico" para consumo internacional do "The New York Times", perdidas que foram as excelentes colaborações do "The Washington Post" e, já antes, do "Los Angeles Times".

Porém, para um "angustiado" da informação como eu continuo a ser, nem um dia de 72 horas chegaria para ler tudo quanto potencialmente me interessa. A prova provada é a pilha de papelada que tenho aqui ao lado: "Financial Times", "Le Figaro", "Libération", "Le Parisien", "Le Monde", "Les Échos", "L'Express", "Le Point", "Marianne", "Le Nouvel Observateur", "Challenges", "Le Canard Enchainé" e os portugueses "Expresso", "Sol" (ambos da semana passada, para acabar de ler), a "Visão" e a "Sábado" (de ontem) e, claro, o "The Economist", que acaba de chegar. Assim não dá! Para a semana, por mala diplomática, lá chegarão "A Voz de Trás-os-Montes", o "Notícias de Vila Real" e o vianense "A Aurora do Lima". Ao pé de tudo isto, que falta faz a "Newsweek"?

quinta-feira, janeiro 10, 2013

Jean-Claude Juncker

Um dia de 1998, acompanhei António Guterres ao gabinete do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. A Comissão europeia tinha acabado de apresentar a sua primeira proposta para as "perspetivas financeiras" para o período 2000-2006, o orçamento plurianual de onde decorrem os fundos comunitários. O resultado, maugrado as diligências que havíamos feito nos meses anteriores junto de diversos setores da Comissão, era dececionante para o nosso país. Agora, tornava-se importante mobilizar os nossos amigos europeus a fim de fazer evoluir a proposta, em moldes que pudessem acomodar os nossos interesses.

Nunca mais me esquecerei das palavras espontâneas que ouvimos de Juncker, logo que António Guterres acabou de lhe expor o nosso problema: "António, podes contar comigo a 100%. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para beneficiar Portugal". E fê-lo, a partir daí, de forma exemplar, passando a defender-nos em todos os contextos possíveis. Não houve Conselho europeu em que Juncker não tivesse estado abertamente ao nosso lado, movimentando-se, além disso, junto de outros parceiros para fazer valer os argumentos portugueses.

Lembrei-me disto há minutos, ao ouvir Jean-Claude Junker salientar, nestes que são os seus últimos dias à frente do Eurogrupo, a importância de Portugal ser recompensado pelos esforços que tem vindo a fazer no seu programa de ajustamento estrutural, com a possível redefinição desse mesmo programa à luz da evolução da conjuntura externa. Uma posição pouco comum, mesmo à revelia de outras, nesta Europa onde a solidariedade é uma palavra escassa nos dias que correm.

Jean-Claude Junker é um exemplo de um grande europeu, da escola de um Jacques Delors, uma das poucas personalidades que, pela sua inigualável experiência e pela profunda coerência e verticalidade que o carateriza, merece o respeito da grande maioria de quantos se movimentam pelos corredores da União europeia. Mas, do mesmo modo, a sua independência face aos grandes Estados europeus, bem como o modo frontal como a assume, não terão sido estranhos à sua liminar exclusão, quando o seu nome surgiu mencionado para a presidência da Comissão europeia.

Se Portugal tem verdadeiros amigos entre os dirigentes desta Europa, a experiência demonstrou-me que Jean-Claude Juncker é o mais dedicado dentre eles.

Os novos constituintes

Pelo andar da carruagem, este vai ser o ano dos constitucionalistas.

Desde logo, a tarefa que o Tribunal Constitucional vai ter em torno do Orçamento Geral do Estado para 2013 arrasta, talvez mais do que no ano anterior, este órgão de soberania para uma exposição de alto risco, quiçá agravando, no seu seio, as clivagens políticas e ideológicas que sempre foram uma sua evidente fragilidade, mas à qual, a espaços, conseguiu furtar-se. Deixo uma nota de admiração ao professor Moura Ramos (a quem endereço também um abraço amigo de grande respeito pela sua integridade), a quem o país ficará sempre a dever uma constante e equilibrada defesa do Tribunal, bem como da coerência global da sua jurisprudência. E formulo a esperança de que os integrantes do tribunal, honrando o Direito, coloquem este à frente das suas ideologias, sejam elas quais forem.

Ainda quanto aos constitucionalistas, sinto que 2013 - embora gostasse de estar enganado - vai agravar a progressiva divergência doutrinária que, em tempos recentes, começou a ser patente entre as suas grandes figuras nacionais: Joaquim Gomes Canotilho, Jorge Miranda e Vital Moreira. Não incluo aqui, por uma questão mínima de razoabilidade, por jogarem "noutro campeonato", todos os restantes esforçados cultores do setor, parte deles vivendo de sua exposição mediática, outros do seu papel de eminências pardas, onde cuidam em "branquear" moralmente as coisas, distorcendo-as à luz do seu persistente enviezamento ideológico. A Constituição é um documento político, mas o agravamento da conflitualidade em torno da sua leitura constitui um elemento fragilizante para a nossa democracia.

Mas o grande "momento constitucional" português de 2013 vai ser, com toda a certeza, o debate em torno do trabalho desses "novos constituintes", desta vez em criativo e inédito modelo de "outsourcing", que é o documento produzido pelo FMI, com propostas sobre as funções futuras do Estado em Portugal.

O memorando assinado com a "troika", em 2011, já roçara, ao de leve, algumas temáticas de natureza para-constitucional e outras, como se viu, claramente dessa ordem. Porém, o facto das suas opções originais terem sido subscritas por cerca de 90 % das forças políticas representadas no parlamento, como recordou há dias o chefe do Estado, acabou por conferir às dimensões para-constitucionais afetadas uma quase consensualização, por parte do "arco" possível da governação. Para que não haja dúvidas: está aqui apenas em causa a estrita letra daquilo que foi assinado à época, sendo que o que foi implementado para além disso tem a legitimidade política resultante da vontade da maioria saída das eleições legislativas de junho de 2011, confortada pelo indiscutível voto de então, o qual, em devido tempo, será confirmado ou infirmado pelo povo, como mandam as boas regras da democracia que nos rege.

O FMI, com este seu trabalho técnico, introduz um curioso (sinto, por ora, dever conter-me nos adjetivos) modelo de aconselhamento, que é sintomático do grau de exercício de soberania política em que Portugal se encontra no plano internacional (imagino um texto destes sobre o NHS britânico, sobre a "fonction publique" francesa ou mesmo sobre as responsabilidades autonómicas espanholas em matéria de políticas públicas). Por muito que se procure edulcorar, sob a capa da racionalidade teórica, a bondade intrínseca deste documento (cujas 70 e tal páginas li, esta noite, com o sentimento estranho de estar a refletir sobre um outro país) é importante que fique claro que ele que não é filho de pai incógnito, mas óbvio produto de uma discreta "partouze" teórica multinacional, feita à luz de uma matriz de extremado liberalismo, a que a escola de Chicago deu em tempos o tom e, num registo limite, Santiago do Chile serviu, também em tempos, de "Guinea pig" (não sei porquê, o termo inglês para "cobaia" tem mais força aqui). É isto que eu penso e, por isso, é isto que escrevo, doa a quem doer e desgoste a quem desgostar.

Este texto do FMI tem a "virtualidade" política de, à partida, não dever suscitar as reaçoes populares de 15 de setembro. Porquê? Porque ao assestar as baterias legais e administrativas exclusivamente sobre o setor público, tido pelo "mau da fita", pelo culpado do défice, recria a linha divisória com o setor privado, que assim se crê "poupado". Um dia, porém, quando este começar a perceber aquilo que o Estado lhe faculta, em matéria da qualidade de prestações de serviços, em retribuição dos pesados encargos fiscais que suporta, acabará por dar-se conta de que ele próprio será a primeira vítima da política de quantos defendem a tese de "menos Estado, melhor Estado" e o que sobrar que esteja ao serviço dos interesses que quem manda. Mas, nessa altura, já será tarde.

Por essa razão, o surgimento do texto do FMI tem, neste contexto, uma superior vantagem: vai separar as águas, vai "call the bluff", de forma definitiva, de todos os atores políticos, que serão chamados a assumir as suas responsabilidades. Todos, sem exceção. "Les jeux sont faits, monsieurs!" Já não era sem tempo.

Nota: este blogue muda hoje de subtítulo.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Agenda Doméstica

  
Anteontem, em Lisboa, vi à venda a "Agenda Doméstica", referente a 2013. E lá estava a descrição do seu conteúdo: "decoração do lar, conselhos de beleza, elegância feminina, culinária, etiqueta, contos, curiosidades, anedotas, jogos, passatempos e prémios". Não abri, sequer. Mas sorri intimamente.

A "Agenda Doméstica", nos anos 50, 60 e creio que até aos anos 70, era uma presença anual obrigatória em nossa casa. Teoricamente era adquirida para a minha mãe, por via da culinária e de conselhos domésticos práticos que carreava (impressionava-me sempre a plêiade de soluções simples para tirar nódoas, que creio que ninguém depois seguia).  A "Agenda Doméstica" era (e é) editada pela Porto Editora, razão por que tinha grande divulgação no Norte do país. Nunca fomos tentados pela concorrência, a "Agenda do Lar", editada por "O Século", que se via mais em casas de Lisboa. Ah! e a "Agenda" era e continua a ser assinada por "Maria Raquel", um nome que sempre me pareceu mais fictício e mais próximo da histórica "Marta Neves" (que por muitos anos nos bombardeou com ofertas "imperdíveis" das Seleções do Reader's Digest).

Manifestamente contra a vontade da minha mãe, suposta destinatária primeira da "Agenda" (como familiarmente era designada), e que por isso sempre protestava levemente, o volume brochado era acaparado, imediatamente após a compra, pelo meu pai e pelo meu avô, durante vários dias, com uma única finalidade: resolver os 12 problemas de palavras cruzadas que a "Agenda" anualmente trazia. Mas o que é que de tão particular essas palavras cruzadas tinham? É que elas eram, de muito longe, das mais difíceis dentre todas quantos se podiam encontrar em jornais ou mesmo em revistas de cruzadismo. Como especial aliciante, ligada à resolução com êxito desses problemas, estavam prémios dados pela Porto Editora.

Recordo-me da imensidão de horas que, de lápis e borracha na mão ("as palavras cruzadas nunca se fazem a tinta", aprendi para a vida), o meu pai e o meu avô dedicavam à descoberta das soluções (que só seriam publicadas na edição do ano seguinte!), comigo a servir, à medida que crescia, de cada vez mais dedicado e entusiasmado ajudante, com uma imensidão de idas ao dicionário - a dúzia de volumes do clássico "Moraes Silva", entre nós conhecido pelo "malho", imbativel no género, de que para sempre decorei as palavras que abriam e fechavam cada volume ("a - armada", "arma de - cestina", "cesto - desvalor", etc).

Estabilizada a solução ao final de algum tempo, enviava-se esta pelo correio e ficava-se a aguardar. Se acertávamos - e não me recordo de termos falhado algum ano -, lá vinham, tempos depois, para nosso gáudio, livros de culinária, dicionários ou outras edições da Porto Editora, a título de prémios. E, na edição do ano seguinte, surgia publicada a lista de quantos tinham acertado. Nessa lista, e por muitos anos, figuravam, referenciadas como hábeis "cruzadistas" que tinham, com êxito, resolvido todos os problemas, algumas dezenas de senhoras de Vila Real (quem lesse a "Agenda", devia ficar com a impressão de que Vila Real era uma "potência" do cruzadismo feminino português), fruto da popular distribuição que o meu pai fazia, pelas pessoas amigas, do resultado do "trabalho" que fazíamos na nossa família. Sempre suspeitei que, na "Porto Editora", Vila Real devia estar sob constante suspeita...

Memórias de um Portugal simples ou, como dizia O'Neill, "incrível país da minha tia, trémulo de bondade e de aletria".

Clara Ferreira Alves

Não conheço Clara Ferreira Alves. Julgo que integrámos juntos uma comitiva presidencial, há já muitos anos, mas não me recordo de com ela ter trocado mais do que duas palavras. Às vezes, nos programas televisivos onde participa, irrita-me um tom algo chocarreiro que utiliza e uma deriva "tutóloga" - isto é, de quem fala de tudo com ar de cátedra -, que se confunde com um certo pretensiosismo.

Dito isto, feita esta "distanciação", quero dizer que a leio com grande regularidade e com grande prazer. Acho a escrita de Clara Ferreira Alves de uma vivacidade rara, com uma utilização medida e elegante da adjetivação, de onde emanam um lastro cultural sólido e a procura de uma estética de sólido bom gosto. Posso discordar dela bastante - e isso já aconteceu mais no passado - mas não deixo de lhe reconhecer a coragem de uma cronista que, não sendo independente, tem a coragem de deixar transparecer opiniões fortes, contrastantes, não fugindo à polémica. Volto ao princípio: o que nela mais me agrada é a escrita "em si", um estilo dinâmico, com ritmo, aquilo a que eu chamo - valha isso o que valer - um excelente português. Faz parte de quantos escrevem de uma forma que eu invejo.

Deparei-me agora com um novo livro de Clara Ferreira Alves, "Estado de Guerra". Estou a (re)lê-la com imenso agrado e proveito. E, como amostra, deixo esta sua definição de algum jornalismo: "O jornalismo, aterrorizado com a ideia de que a cultura é pesada e de que o mundo tem de ser leve, nivelou a inteligência e a memória pelo mais baixo denominador comum, na esteira das televisões generalistas". Reconheçamos que, num mundo de corporativismos ferozes, é preciso alguma coragem para dizer verdades simples. "Como punhos", para utilizar uma expressão que o meu pai costumava utilizar muito.

terça-feira, janeiro 08, 2013

O acordar do leão?


"Egoísta"

Já aqui falei do "Egoísta", essa revista de culto a que a Patrícia Reis conferiu textura (nunca a palavra foi tão adequada), o Henrique Cayatte foi reinventando a forma e Mário Assis Ferreira soube dar vida, com o seu bom gosto. Acabo de saber que vai fechar. Caramba! Também a "Egoísta"?

A "Egoísta" era uma revista tão bonita que, às vezes, parecia que a forma tomava conta do conteúdo. Cada número era bem diferente, às vezes no tamanho, outras vezes até na forma. Era uma surpresa, sempre agradável, um gozo para os sentidos, mas também para o intelecto.

Um dia, escrevi por lá um artigo. Um amigo meu, por razão profissional atento ao tema que eu abordara, disse-me que era uma pena que um texto, que ele achava interessante, fosse publicado numa revista onde as pessoas, por sistema, se distraíam com o objeto-revista. Não tinha razão. A "Egoísta" lia-se e era mesmo de um escrupuloso cuidado naquilo que publicava. Há textos belíssimos, que ganhariam em ser republicados.

Ao Mário Assis Ferreira, ao Henrique Cayatte e à Patrícia Reis quero deixar uma palavra de imenso apreço pelo "produto" que, ao longo destes já muitos anos, fizeram o favor de nos proporcionar, para gozo (algo pluriegoísta, confessemos) do grupo de privilegiados a quem a publicação era oferecida.

Depois da "Câmara Clara", desaparece a "Egoísta". Os tempos não vão de feição para a cultura. Que ninguém se lembre agora de nos tirar a escrita de Margarida Rebelo Pinto e as telenovelas assinadas Tozé Martinho. Era só o que faltava!

segunda-feira, janeiro 07, 2013

Lisboa

Menos de 24 horas em Lisboa

1. As pessoas estão tristes. Pior: a cidade está triste. Às tantas, é mesmo o país que está triste. Logo verei.

2. É impressão minha ou os taxistas estão mais simpáticos? E passam fatura sem a pedirmos: estamos (estão) a chegar à Europa!

3. Os hotéis estão baratos, mas tenho a sensação de que, um destes dias, vamos passar a pagar pela utilização dos elevadores.

4. Os pratos de alguns restaurantes mantêm preços razoáveis, mas a avalanche dos "petiscos" das entradas (não solicitados) torna-se quase assediante.

5. Foi preciso uma crise para a livraria do Apolo 70 fechar à hora de almoço, coisa que não acontecia há muitas décadas. Acabei por ir à Bertrand do Campo Pequeno: o empregado tinha judiciosas interpretações sobre a colonização portuguesa no Brasil e o modo como os brasileiros lidam com isso. Notável!

6. É lamentável, mas compreensível, a extrema rarefação do atendimento nas lojas.

7. Magníficas, as castanhas assadas pela rua.

8. O que pensará um estrangeiro a quem alguém traduza que o autocarro 736 vai para o "Senhor Roubado"? O mesmo, com certeza, que o espantará (ou, então, não, o que é pior) ao verificar que dois dos maiores palácios de Lisboa sejam o da "Ajuda" e das "Necessidades". E há tantos anos que se chamam assim...

9. Temos de dar a volta a isto. À tristeza, claro. Antes que ela nos dê a volta a nós. Já faltou menos.

Em tempo: leiam o comentário (assustador!) de Isabel BP, que eu gostaria de ter escrito: é isso mesmo!

sábado, janeiro 05, 2013

Sai um "Expresso"!



Há "Expresso" há 40 anos! E eu "tomo-o", todos os sábados, desde esse dia 6 de janeiro de 1973.

Correndo o risco de voltar a citar-me a mim próprio (a idade tem destas consequências), mas porque não encontrei nada de novo que pudesse configurar uma nota de respeito para com um jornal que faz parte integrante da minha vida adulta, reproduzo o que aqui escrevi, há dois anos, numa outra comemoração do hebdomadário da Duque de Palmela (embora o periódico já tenha abandonado, há muito, a antiga casa de Afonso Costa, acho que ele não se consegue desligar psicologicamente da vizinhança do Pabe).

Aí vai o texto:

"Hoje, o "Expresso" publica o seu nº 2000 (2000 sábados! Mais de 38 anos!). 

Ao constatar isso, dou-me conta de uma outra realidade: nunca deixei de ler nenhum dos números do jornal, desde o seu célebre nº 1 até ao que hoje me chega às mãos. Não falhei um único número. Tenho disso absoluta certeza. 

Em 1973, quando foi criado, o "Expresso" representou um choque de modernidade sem par na imprensa portuguesa (como o "Público" o seria, anos mais tarde, para a imprensa diária). Para além de ter introduzido, entre nós, a "moda" dos jornais semanários (até então, só havia revistas), ao jeito britânico do "Observer" ou do "Sunday Times", o jornal significava a abertura de um espaço crítico que passava as margens formais do regime, estimulando os que, dentro dele, punham em causa o seu percurso e, simultaneamente, abrindo os caminhos possíveis a quem a ele se opunha. O 25 de abril deve alguma coisa ao "Expresso". 

Com a Revolução, o jornal passou a ser uma tribuna determinante, por onde passava - e onde se "fazia" - muita da política portuguesa da época. Tudo o que era opinião relevante teve acolhimento do "Expresso" e muitas das grandes notícias que fizeram sensação foram anunciadas pelo jornal. Navegando num espaço político que, de forma simplificada, poderemos designar como de "bloco central", o "Expresso" cuidou sempre em nunca calar, sectariamente, outros setores. Bem pelo contrário, por vezes deu-lhes uma voz bem superior àquilo que eles representavam ou representam. 

Como disse, li todos os números do "Expresso", embora com desigual atenção. Em Lisboa, porque o compro sempre tarde e sem lugar certo, chego a correr seca-e-meca para encontrar um exemplar. No estrangeiro, chegou-me muitas vezes pela "mala diplomática" a Oslo, a Luanda, a Londres, a Nova Iorque, a Viena ou a Brasília. Mas procurei-o também em Bruxelas ou em Genebra, durante estadas mais prolongadas por essas cidades. Em Paris, compro-o, ainda no próprio sábado, num quiosque perto da Étoile. Se acaso me falha um jornal, movo mundos-e-fundos (e até meto "cunhas", junto de amigos) para arranjar o número que está em atraso. E que leio sempre, nem que seja duas ou três semanas depois. 

Escrevi, fui entrevistado e fui criticado no "Expresso". Nele tive e tenho amigas e amigos, pessoas que muito respeito profissionalmente. Desde logo, o seu fundador Francisco Pinto Balsemão, uma das figuras fundacionais da nossa democracia. 

Durante muitos anos, a leitura do "Expresso" foi-me fundamental e até "urgente". Depois, com o tempo e a concorrência, acho que o "Expresso" deixou, cada vez mais, de ter muitas "caixas" apelativas; pior, passou a gerar (não foi o único) algum sensacionalismo artificial. E passou a ser lido com mais rapidez, com o que isso significa de menor atenção. 

Com todos os seus defeitos - e eles, de certo modo, têm vindo a aumentar*, diga-se, em abono da verdade -, continua a ser um jornal necessário. Eu, pelo menos, com maior ou menor gosto, talvez já por mero vício, não passo sem ler o "Expresso"." 

*Desde o momento em que escrevi este texto, tenho a sensação de que o jornal melhorou substancialmente.

Obelitch


Juízos

A decisão de um juíz brasileiro de arrestar um avião da TAP, como forma de obter os recursos necessários à satisfação de uma demanda de funcionários administrativos da estruturas diplomáticas portuguesas no Brasil, pode parecer uma espécie de anedota de Ano Novo. Não é. Trata-se da junção de várias realidades, onde se misturam a má-fé profissional de uns com o ridículo uso de poder de outros, somado ao isco mediático garantido. Nada que uma "liminar" de sentido contrário, recomendada pelo bom-senso, não acabe por resolver, mas com custos acrescidos e efeitos inapagáveis na opinião coletiva.  

Não cabe aqui entrar nos detalhes de uma questão que, pelas funções que exerci no Brasil, julgo conhecer, embora a ela tenha sido completamente alheio. Apenas direi que entendo que, neste caso, o Estado português tem toda a razão. Mas porque não tenho paciência para comentar espertezas de alguns advogados, fico-me por aqui.

Choca-me, com frequência, a ligeireza das decisões de certos juízes, muitos deles seduzidos pelas luzes da ribalta mediática, com contornos a roçar a irresponsabilidade. E mais me choca que, revertida essa decisão por uma outra instância, nenhuma responsabilidade possa ser pedida a quem tomou a primeira - pelos vistos errada, caso contrário não prevaleceria a segunda. Alcandorados na sua "independência", os tais juízes a quem a instância superior tirou o tapete profissional, aí estão prontos para outras, ficando imunes à responsabilização, civil ou outra, pelos efeitos, patrimoniais ou humanos, que a sua anterior decisão acarretou. Não quero particularizar, mas apenas direi que é graças a uma atitude dessa natureza que o túnel do Marão acaba por não estar concluído, já há vários anos, com muitos milhões de euros de prejuízos e incontáveis custos para toda uma região.

A absurda sacralização que paira sobre estes operadores judiciais, armados em impolutos "orgãos de soberania", impede, por exemplo, que um qualquer cidadão possa chamar incompetente a um juíz incompetente, sem o risco de cair na imediata alçada ... de outro juíz! Às vezes, trata-se de uns miudecos acabados de sair das escolas de magistratura, sem experiência da vida e do foro, produtores de decisões absurdas e irresponsáveis, que ganham logo à sua volta uma espécie de temor reverencial, que os protege da denúncia de que "o rei vai nu".

A "importância" que certos juízes se atribuem a si próprios, foi sempre ridicularizada pelos seus pares mais responsáveis, pouco satisfeitos com o impacto negativo que esse abuso do conceito de "independência do poder judicial", pode provocar sobre a imagem da classe.

Um dia dos anos 90, essa grande figura que é o magistrado José Matos Fernandes, ao tempo secretário de Estado adjunto e da Justiça, olhou do gabinete do ministro para a rua e, de repente, chamou quem estava na sala: "Olhem! Olhem! Vai ali um órgão de soberania!" Toda a gente arrancou para as vidraças que davam sobre a varanda. Lá em baixo, no terreiro do Paço, havia gente a cruzar a praça. Que queria ele dizer com o "órgão de soberania"?, perguntou alguém? Com aquele sorriso magnífico com que lhe ouvi algumas das mais deliciosas histórias da vida judicial, ele esclareceu: "Então não viram? Ia ali um juiz..." E lá apontou uma dessas figuras para quem a sala de audiências era um mero cenário que intervalava as suas aparições perante as câmaras televisivas.

quinta-feira, janeiro 03, 2013

O "seminário"

Ontem e hoje, na inspiradora arquitetura da Fundação Champalimaud, decorre mais um "seminário" diplomático, que junta as chefias políticas com os profissionais com mais altas responsabilidades na casa. O exercício começou por chamar-se, nos primeiros anos, encontro de "altos funcionários".

(Num desses anos, ao tempo em que as reuniões tinham lugar nos salões do Protocolo, nas Necessidades, numa larga roda de diplomatas que se juntou depois do almoço, alguém alertou para o facto de um porteiro estar a vedar a entrada a um determinado colega, no fundo da escadaria. "Porquê?", estranharam alguns. "É que, dado que isto é só para 'altos funcionários', dado o tamanho dele não o querem deixar entrar..." Houve uma sonora gargalhada geral. A risota prosseguia ainda quando, ladeado por um outro colega de talha precisamente idêntica, o tal diplomata minúsculo, empertigado como sempre anda, inquiriu, grave, qual era a grande piada que tanto estava a divertir o grupo. Nem se pode imaginar o ambiente que se gerou, misto de gozo e de embaraço, com o primeiro a prevalecer sobre o segundo, tanto mais que o visado estava longe de recolher unânimes simpatias na casa.)

Para o bem e para o mal, o "seminário" é uma grande montra. Para o bem, porque, numa carreira onde muitos vivemos distantes uns dos outros, essa "missa" anual é uma ótima oportunidade para conhecer colegas, de ouvi-los e de apreciá-los. Formei muito boas impressões de pessoas que só conhecia de nome, quando deles ouvi interessantes análises sobre a conjuntura que afetava países onde estavam colocados, judiciosas opiniões sobre temáticas postas à discussão no curso de debate.

Mas essa montra também funciona em sentido inverso. Uma intervenção mal colocada ou deficientemente formulada, uma pergunta pateta ou descabida ou, muito simplesmente, um tempo infeliz de pronunciamento público podem afetar, um tanto gratuitamente, aos olhos dos outros, uma imagem ou uma reputação criada em anos de dedicado trabalho. E isso pode ser profissionalmente cruel e injusto, razão que leva uma imensidão de colegas a guardarem, naquelas ocasiões, de Conrado o prudente silêncio. É que, para quem antes não conhecia o autor de um momento infeliz, e pode ser esse o caso das personalidades políticas de tutela, "não há uma segunda oportunidade para se criar uma primeira impressão". E, mesmo que essa nova oportunidade exista, é já só para o ano.

António Dornelas (1952 - 2013)

E, desta vez. foi-se o António Dornelas. Sabíamos da sua doença mas acreditávamos na sua vontade.

Em Portugal, vi muito poucas pessoas tão empenhadas como ele em encontrar um justo equilíbrio que permitisse compatibilizar a preservação dos direitos legítimos dos trabalhadores com a necessidade de conferir ao mercado de trabalho uma margem de flexibilidade que pudesse ter um efeito positivo na competitividade do tecido económico do país. Tributário assumido de uma escola sindical marcada por um histórico de abusos patronais, vi como o António soube percorrer, entre o tempo de Belém e o de S. Bento, bem como naquilo que dele emanava da universidade, um percurso honestíssimo de quem pensa sempre o bem público como fator essencial de uma ordem social responsável. Mas sempre democraticamente aceitável.

Morreu um homem de uma profunda e esclarecida coerência. E com um sorriso do tamanho do mundo que sempre deixava aos amigos. 

quarta-feira, janeiro 02, 2013

Chavez

Hugo Chavez, presidente da Venezuela, atravessa uma fase delicada da sua vida, vítima de uma grave doença.

O destino político da Venezuela não é indiferente para Portugal. Uma grande comunidade nacional vive naquele país da América Latina, cuja estabilidade política e social é indispensável ao prosseguimento da sua atividade, assente nos mais diversos setores da sociedade venezuelana. So podemos esperar que, para eles e para todos os venezuelanos, tudo acabe por correr sem grandes sobressaltos.

Como personalidade polémica e controversa que é, sobre Hugo Chavez contam-se imensos episódios. Para a memória coletiva internacional, ficou a expressão "por qué no te callas?!", dita de forma irada pelo rei Juan Carlos, quando o primeiro ministro José Luiz Zapatero, com sentido de Estado, defendia a honra do seu predecessor ausente, José Maria Aznar, que havia sido posta em causa por Chavez e que este continuava a comentar criticamente em voz alta.

Nesses fóruns latino-americanos, as picardias entre Aznar e Chavez era habituais. Conto aqui uma delas, que me foi relatada por um dos presentes. Cansado das posições assumidas numa sessão pelo chefe do governo espanhol, Chavez anunciou que ia contar uma história.

A cena tem lugar numa sala de barbeiro, em Caracas. O profissional ensaboara a cara do cliente e dedicava-se, de lâmina bem afiada, à difícil tarefa de escanhoar o rosto. A certo passo, talvez estranhando o sotaque do cliente, o barbeiro perguntou-lhe de onde vinha. O homem respondeu que era espanhol. Ouvido isto, o barbeiro foi-se com a lâmina ao pescoço do homem e logo ali o deixou prostrado.

As pessoas presentes no barbeiro estavam estupefactas. Por que diabo tinha tido aquela atitude? Só porque o homem disse que era espanhol? Ao que o barbeiro, determinado, esclareceu das suas razões, numa tirada histórica: "Porque os espanhóis nos exploraram, nos saquearam e mataram milhares dos nossos compatriotas. Foi para os vingar!" Alguém adiantou: "Mas isso já foi há séculos!" Ao que o barbeiro retorquiu: "Está bem, mas só ontem é que eu soube!"     

Ninguém me disse, mas eu posso imaginar algumas das ilações que Chávez possa ter tirado da historieta para dar mais uma navalhada verbal no seu "hermano" madrileno, seu inimigo de estimação.

Portugal 2013


terça-feira, janeiro 01, 2013

Marques Júnior (1946-2012)

O ano não começa bem. Acabo de saber da morte de Marques Júnior, uma das figuras do 25 de abril. Envolvido posteriormente na vida político-partidária, revelou-se sempre um homem desapegado do poder, sem procurar cargos ou honrarias.

Conhecemo-nos nos tempos conturbados da Revolução. Recordo-me de uma reunião do Exército, coordenada por Vasco Lourenço, na noite de 13 de março de 1975, durante a qual Marques Júnior recusou integrar o novo Conselho da Revolução, que emergiu na sequência dos acontecimentos de "11 de março". Só a insistência dos seus camaradas o fez mudar de ideias, num momento posterior.

Próximo de Otelo Saraiva de Carvalho, viria a distanciar-se da deriva radical deste e a aproximar-se de Ramalho Eanes, tendo presidido à comissão responsável pelo inquérito aos acontecimentos de "25 de novembro". 

Na sua atividade parlamentar, Marques Júnior viria a especializar-se nas áreas da defesa e segurança, mas igualmente das informações. Neste último sensível domínio, o seu nome era regularmente consensualizado para as estruturas de fiscalização dos serviços.

Com a morte de Marques Júnior, desaparece uma das figuras que melhor representa o verdadeiro espírito do 25 de abril. Um homem sério, determinado, fiel às suas ideias e sempre disposto a lutar por elas.

domingo, dezembro 30, 2012

Mal passado



Aquele governante de passagem por uma capital de língua inglesa, homem simpático e com algum "mundo", desafiou o embaixador e os seus colaboradores para jantar num restaurante.

Olhou a lista e tomou a original opção de escolher um bife como prato principal. Porém, sabedor do facto de que um bife bem passado é, na realidade, sinónimo do "assassinato" da carne, a personalidade decidiu optar pela escolha de uma posta mal passada, com o sangue a ver-se. E, para o empregado que anotava os pedidos, esclareceu, num inglês que achou nada confuso:

- For me, a bloody steak.

Rezam as crónicas que o empregado, estranhamente, não foi capaz de perceber, de imediato, a opção do governante. O inglês é uma língua muito traiçoeira, como se sabe. E os empregados dos restaurantes são, muitas vezes, gente mal preparada para a entenderem...

Sporting

Estou certo de que este post vai ser mal compreendido por muitos amigos meus. 

Ontem, ao ver o meu Sporting derrotado copiosamente pelo Rio Ave, tive um sentimento estranho: como que me regozijei com aquela derrota, com o empurrar do clube, que toda a minha vida apoiei, um pouco mais "para o fundo", como se uma "descida aos infernos" nos pudesse ajudar a libertar, de uma vez por todas, de toda a gentalha que tomou conta e dirige aquela casa, desde um inenarrável presidente - figura que protagonizou uma obscena "última ceia", como cartão de Natal - até à indizível figura dum alegado treinador, cujo perfil físico se aproxima inapelavelmente dos "sem abrigo" desportivos ou dos arrumadores que polulam à volta do Alvalade XXI. E, devo dizer, começo mesmo a desconfiar que não estou sozinho neste crescente sentimento, algo masoquista, do "quanto pior melhor".

O Sporting foi e é um grande clube, indiscutivelmente com a mais sã e paciente massa de sócios e simpatizantes do mundo. Depois de anos em que prevaleciam nos seus corpos gerentes alguns legionários e notórios fascistas, que a época facilitava que fossem olhados como gente de bem e que lá iam conseguindo cíclicas vitórias, o clube conseguiu resistir à passagem pela sua liderança de "gangsters" e aventureiros, desde sempre intervalados por gente muito séria e dedicada, a qual foi fazendo o que podia - o que, quase sempre, não foi muito, diga-se. Nada que fosse novo no futebol doméstico: outros clubes foram e são dirigidos por personalidades que, se houvesse um mínimo de justiça, deveriam estar, muito simplesmente, atrás das grades. Basta olhar para a cara de alguns deles! 

A espaços, neste seu percurso algo patético das últimas décadas, o Sporting soube erguer-se, conseguiu, com garbosa regularidade, afrontar os vizinhos de uma bomba de gasolina que há ali ao pé do Colombo, frequentemente bateu o pé a uma rapaziada que se entretem a jogar a bola nas proximidades da Areosa. O seu problema, neste últimos anos, nunca foram essas agremiações mais popularuchas, ligadas a nomes de bairros ou a simpáticas localidades de província - coisa fácil de lidar para um clube que, com o Atlético, sustenta com garbo o nome "de Portugal". 

Sempre tremi muito mais após um apito inicial na Mata Real ou nos Barreiros, do que em faraónicas construções iluminadas a lampiões ou geridas por "andrades" de província. O Moreirense ou o Desportivo das Aves é que são o meu problema. O Torreense ou a Naval 1º de Maio é que me fazem suar de angústia. Só que esta "regra" - ser habitualmente derrotado por clubes pequenos - foi-se perdendo: eu já começo a ter medo que o Sporting perca com o Porto! E, às vezes, até com o Benfica! Ao que chegámos!

A partir daqui, como é evidente, as coisas começam a ser sérias! Por isso, a regeneração do Sporting é imperativa. Há que fazer alguma coisa. Já! No limite, tal como na pátria, há que chamar a "troika", fazer um "resgate", diminuir o défice, controlar a dívida! E, de caminho, aumentar o desemprego, começando pela descartável direção, seguida pela equipa técnica e mandando aquela heteróclita rapazida internacional, que a espaços veste de verde-e-branco e se passeia displicente pelos relvados, de volta urgente às suas múltiplas pátrias. Há contas em atraso? Que as pague quem contratou aqueles paralíticos! "Reestruture-se" a dívida do Sporting e, de caminho, aproveite-se para pôr cá fora a situação financeira das outras agremiações congéneres do burgo. Alguém terá coragem de acabar com o "dumping" desportivo que por aí vai?

sábado, dezembro 29, 2012

Saudades da Mônica

Um blogue, particularmente quando subsiste por anos, mobiliza a atenção de comentadores, os quais vão deixando as suas notas, de assentimento, de crítica ou apenas de análise. Com o passar dos tempos, parte desses comentadores tende a desaparecer, migra para outras paragens, outros permanecem fiéis e alguns novos vão surgindo, muitas vezes anónimos, frequentemente com um nome, verdadeiro ou falso, colocado por debaixo dos seus textos. É assim, um pouco por todo o lado, a vida na blogosfera.

A "graça" de um blogue aumenta - reconheço isso, com facilidade - quando o seu autor tem o cuidado de responder com regularidade aos seus comentadores. Comigo, por razões que se prendem com a ocupação do meu tempo, mas também por uma deliberada opção pessoal em não me sujeitar a uma qualquer regra, só esporadicamente reajo aos comentários. E posso perceber que isso seja menos estimulante para o cultivo de um espaço crítico vivo e interativo.

Às vezes penso que, se tivesse tempo, me daria prazer elencar historicamente muitos dos comentadores que se foram perdendo, alguns bem interessantes, até como forma de tentar perceber melhor as razões por que saíram do nosso convívio. Um blogue só tem sentido se tiver leitores - e, nesse aspeto, o "Duas ou três coisas" não pode queixar-se, como se pode observar pela consulta do "sitemeter" ao lado. Mas os comentadores são um outro "barómetro", menos estatístico e mais substantivo, que se torna importante para quem escreve.

De todos os comentadores desaparecidos, há uma senhora brasileira, que assinava como Mônica, cujo abandono sinto particularmente. A Mônica trazia para este blogue uma leitura, frequentemente ingénua e de grande simplicidade, mas sempre de uma grande e rara genuinidade. Às vezes, expressava a sua dificuldade em entender algumas peças voltadas para universos que manifestamente não eram os seus, mas assumia isso com uma cativante candura, acabando, quase sempre, com a expressão "com carinho, Mônica". Eu, que raramente tenho saudades, confesso aqui, neste final de ano, que sinto alguma nostalgia pelo facto da Mônica ter abandonado estas "Duas ou três coisas". 

Um bom ano de 2013 para si, Mônica! No Brasil, deve ser mais fácil...

Paulo Rocha (1935-2012)

Morreu Paulo Rocha. Foi por aqui, por Paris, que estudou cinema e trabalhou com Jean Renoir.

Em 1963, Paulo Rocha realizou um filme que alterou o modo como muitos, de uma certa geração portuguesa, passaram a olhar a vida. Como foi o meu caso. Chamava-se "Verdes Anos". O som de Carlos Paredes colou-se eternamente a essas imagens, as de um Portugal a-preto-e-branco, urbanizado de fresco em avenidas que então eram novas, um país bem diferente que estava a nascer e que, cerca de uma década depois, implodiria para o futuro. Revejam essa obra-prima e digam-me se não tenho razão. E, já agora e se puderem, olhem também o seu "Mudar de Vida", anos mais tarde.

Paulo Rocha apaixonou-se depois pelo Japão, onde foi adido cultural e onde se inspirou para um filme de diferente natureza, "A Ilha dos Amores". Vim a conhecê-lo pessoalmente, creio que nos anos 80, num lugar improvável de que passou a ser proprietário, um bar, ali na zona do Saldanha.

Nota: entre a fotografia do post anterior, de Gérard Castello-Lopes, e as imagens de Paulo Rocha há uma similitude que vai muito para além da cor.

Ondas

Este Natal, como despedida de Paris, tive direito à oferta de um magnífico trabalho de Gérard Castello-Lopes.

Não revelo, mas gostei muito, da interpretação que quem mo ofertou fez da natureza das ondas deixadas pelo cacilheiro.

sexta-feira, dezembro 28, 2012

O Conceito e as estratégias

Como membro da comissão, convidada e nomeada pelo governo, coordenada pelo professor doutor Luís Fontoura, que nos últimos meses preparou a proposta do novo "Conceito estratégico de segurança e defesa nacional", devo dizer que me tem divertido o modo como alguma comunicação social, bem como certa blogosfera, têm abordado o fruto do nosso trabalho. E da diversão passo mesmo à estupefação quando vejo grupos e classes profissionais assumirem "ameaças", caso o documento venha a ser adotado. A tudo isto acresce uma espécie de movimento contestatário do exercício, entrincheirado numa publicação militar que sempre me habituei a respeitar e que estranho ver convertida num "bunker" da reação ao texto.

Afinal de contas, que diabo fizemos nós de tão "subversivo" para provocar estas reações? O documento em causa foi elaborado sob uma metodologia que privilegiou uma completa liberdade na abordagem de temáticas que definimos como essenciais. De facto, procurámos não respeitar nenhum "politicamente correto" e, em especial, cuidámos em não condicionar o aprofundamento das questões à presunção de quaisquer sensibilidades que viessem a ser suscitadas pela sua futura leitura.  Desta forma, reconheço que o texto pode aparecer como heterodoxo face a algum senso comum, habituado a um rame-rame de ideias recicladas e de reiteração de platitudes.

Quando aceitei fazer parte desse grupo, parti do princípio, que creio correto, de que o que o executivo pretendia de nós era obter um conjunto organizado de reflexões sobre a melhor forma de perspetivar as condicionantes estratégicas de um país como Portugal, num mundo em mutação e perante uma situação conjuntural nacional muito particular. Foi isso que fizémos. Não elaborámos um "programa de governo", preparámos algumas ideias que os poderes públicos podem, se assim quiserem, vir a utilizar, ou não, dentro da legitimidade, que é exclusivamente sua, para selecionarem as opções que consideram mais adequadas para o país. Nem mais, nem menos.

Uma última nota para referir que a visível heterogeneidade política, bem como de formação profissional e académica, dos componentes do grupo de trabalho impede, em absoluto, e presumo que para engulhos de muitos, que o texto possa ser acusado de estar ideologicamente "enviezado", tutelado por conluiados interesses obscuros ou de "capelinha". Percebo que essa circunstância possa irritar alguns setores críticos, que assim ficam desmunidos desse tradicional argumento desvalorizador. Mas que se há-de fazer? 

quinta-feira, dezembro 27, 2012

O dilema das gravatas

Pode ser impressão minha, mas acho que anda por aí um dilema não muito bem resolvido no tocante ao porte de gravata em certas ocasiões, mais ou menos oficiais. Isto passa-se em Portugal, mas não só.

Conhecendo os usos e costumes dos serviços do protocolo, acho que a crescente intermitência com que algumas personalidades  usam ou deixam de usar gravata em certos e não determinados momentos públicos deve estar a provocar sérias dores-de-cabeça em quantos têm por missão dar recomendações sobre o vestuário a utilizar nas comitivas oficiais. Tanto mais que este "desgravatamento" está longe de ter ainda um registo solidamente tipificado em função das diversas ocasiões, suscetível de poder ser identificado como a criação de uma regra: para assinar um acordo usa-se gravata, mas para visitar uma feira comercial o adereço é dispensável? E para um encontro técnico? E se ele for ao ar livre é diferente? "Negoceia-se" com os interlocutores se se aparece ou não com gravata?

Assim, ou muito me engano ou anda hoje muita gente perdida nessas comitivas oficiais, pelo mundo fora, fazendo e desfazendo o nó, sem regra e sem rumo, apenas sempre cuidando, disciplinadamente, de seguir o padrão observado pelas chefias das delegações.

Em Portugal, eu próprio, devo dizê-lo, sofri desse "gravatal" dilema este Verão, numa reunião de trabalho, em Portugal. Levado pela filosofia subjacente à decisão do Ministério da Agricultura de abolir as gravatas nos seus serviços, preparava-me para ir de colarinho aberto para uma reunião nesse domínio com técnicos da UNESCO, no calor estival da Régua. Pensava eu que ia "na moda". E não é que, afinal, para essa reunião, estava previsto o uso da gravata? Lá afivelei à pressa o adereço... 

Há dias, nessa observação antropológica a que me tenho dedicado, nesta semiótica da gravata, assisti, na televisão, a uma cena algo curiosa. Um governante passeava por uma rua, num país bem quente, sem gravata. Nada de estranhar: a ocasião estava longe de ser solene ou de rigor e o mais natural era adotar um traje aligeirado em matéria de protocolo. Porém, logo atrás, surgia um destascado membro da comitiva de fato completo e gravata. Segundos depois, numa outra imagem, quase sequencial, essa mesma segunda figura já era vista sem gravata, parecendo assim ter adotado, a meio do percurso, o exemplo liberal dado pelo seu superior. A reportagem prosseguiu e, alguns instantes mais tarde, o membro do governo, sempre sem gravata, era entrevistado para a câmara. Atrás, a tal figura da comitiva, lá estava, de novo, com gravata! Que grande complicação! (A explicação estará porventura no "cuidado" com que a comunicação social terá feito a montagem da peça).

Neste domínio, aqui pela embaixada em Paris, as coisas, muito em breve, vão ficar facilitadas. Ou melhor, pelo menos com as gravatas, o problema não se colocará nunca. O futuro embaixador só usa "papillon"...

quarta-feira, dezembro 26, 2012

António de Figueiredo

Há semanas, uma das mais fiéis amigas deste blogue, Helena Oneto, referiu-se, num comentário, a António de Figueiredo (1929-2006), um jornalista português que passou grande parte da sua vida em Londres. Decidi lembrá-lo hoje.

Para a minha geração, António de Figueiredo era um nome mítico do jornalismo português que, no estrangeiro, que se opunha ao Estado Novo. Representante do general Humberto Delgado em Londres, a partir de 1959, havia trabalhado na secção portuguesa da BBC e no "The Guardian", tendo artigos dispersos por imensas outras publicações. Em 1961, tinha ficado histórico o seu "Portugal and its Empire: the truth" e, em 1975, foi muito divulgado o livro que publicou na Penguin, "Portugal: fifty years of dictatorship". Amigo de Basil Davidson, dedicou, como este, uma grande atenção à luta anti-colonial e anti-apartheid, sendo internacionalmente reconhecido como um especialista na matéria. Após 1974, e de quando em vez, textos seus surgiram na imprensa portuguesa.

Um dia, em Londres, creio que em 1990, o Eugénio Lisboa (com ou sem o Rui Knopfli, já não recordo bem), levaram-me a almoçar com ele a um restaurante italiano de Knightsbridge, onde o Eugénio era "habitué". Ambos haviam conhecido Figueiredo em Moçambique, para onde fora viver aos 17 anos e se iniciou no jornalismo. Envolvido na luta oposicionista em Lourenço Marques, viria a ser preso na sequência das "eleições" perdidas pelo "general sem medo", sendo depois expulso para Portugal. No ano seguinte, rumou a Londres, onde ficou até à sua morte, em 2006.

António de Figueiredo movimentava-se com alguma dificuldade, devido a uma doença de espinha que o limitava. Tinha uma memória fantástica, histórias curiosas sobre o mundo que rodeou o "general sem medo" e sobre o ambiente da oposição à ditadura portuguesa em Londres. Não era aquilo a que se chama um homem naturalmente simpático. Havia nele uma certa amargura e alguma acidez crítica, talvez fruto de uma vida que não fora fácil e do que me pareceu ser a falta de um reconhecimento público, em Portugal, pelo papel político que desempenhara contra a ditadura.

Dois anos mais tarde, convidou-me para ir beber um chá a sua casa, nos arredores de Londres. Era uma residência modesta, onde vivia num mundo de livros, uma imensa e riquíssima biblioteca sobre África, construída ao longo de décadas. Esforçava-se por organizá-la, a fim de poder vender uma parte dela a um comprador público em Portugal, mas as suas condições físicas tornavam difícil a tarefa. Com sorte, consegui arranjar forma de custear um jovem colaborador, que com ele levou a cabo esse trabalho. Julgo que o negócio se concluiu e que António de Figueiredo pôde beneficiar desses recursos, uma soma considerável para a época, nos últimos anos da sua vida. Ainda tive o gosto de testemunhar, em 1993, o almoço em Belgrave Square em que o presidente Mário Soares o distinguiu com a "Ordem da Liberdade". Um gesto que, estou certo, muito apreciou.

Vale a pena ver o que o "The Guardian" escreveu por ocasião da sua morte. Porque não consegui encontrar nenhuma fotografia de António de Figueiredo, deixo a capa do seu conhecido livro de 1961.

A descoberta da pólvora

Uma figura política francesa, militante contra o casamento entre homosexuais, afirmou, com a maior seriedade, que, na realidade, nada impede que os homosexuais se casem: "Os homosexuais podem-se casar naturalmente, desde que com uma pessoa do outro sexo...".

Porque será que nunca ninguém se tinha lembrado disto?

terça-feira, dezembro 25, 2012

Fitas diplomáticas?

Foi há minutos, num intervalo entre dois programas - ou da SIC i ou da RTP i, os únicos que por aqui (a espaços) se veem. Aparentemente, é uma nova novela. Nela, um pai dizia para um filho qualquer coisa como: "Mas eu achava que gostavas de ser diplomata!".

Temo o pior! "Zooms" sobre mãos ansiosas nas esperas na sala dos embaixadores? Planos fixos no Livro Branco? "Travellings" à volta dos claustros? "Long takes" nas salas do Protocolo? "Nuits américaines" na Cifra? "Contre-plongées" nas escadas entre os palácios? "Fade-outs" sobre as saídas à sucapa? Contra-campos no Pacto? "Close-ups" sobre as malas do Expediente? Planos de corte no Corepe?

Ou será que, muito simplesmente, se trata de propaganda institucional para o próximo concurso de admissão de diplomatas, que me dizem que abriu há dias, sem grande divulgação?

À esquina da Gomes

Sabem o que é a Gomes? A maioria dos leitores deste blogue não sabe, estou certo. Tal como acontece em todas as cidades, Vila Real tem um café de culto. Neste caso, a Pastelaria Gomes.

Porquê a Gomes? Porque sim. Distinguiu-se sempre da antiga Pompeia, do meu desaparecido amigo Neves, por ser mais cosmopolita; da Rosas, do sr. Rosas, por ser mais intimista e dispensar as bizarrias do Toninho; do Excelsior, por ser mais elitista, por esconder os bilhares e não ter dominó; do Clube, por não ser habitual por lá ver comerciantes de gado de samarra e cajado; do Imperial, do sr. Lima, por ali não ser hábito ver o patrão a bater nos clientes; da Brasileira, logo em frente, porque, c'os diabos!, nunca custou nada atravessar a rua.

A Gomes começou na "Gomes velha", onde ainda me recordo de ver, à porta, o sr. Gomes e onde hoje se vai pelo bolo-rei, pelas "cristas de galo", pelos "jesuítas" ou, sazonalmente, no S. Brás, pelas "ganchas" e pelos "pitos" de Santa Luzia, embora a concorrência doceira do Lapão seja cada vez mais feroz. Foi depois construído o novo edifício, que teve a imensa novidade de possuir um elevador... que nunca ninguém viu funcionar. E que tinha, no alto de um mastro, uma misteriosa lâmpada que se mantinha acesa enquanto a casa estivesse aberta à noite, sinal de que podiam ser servidos, se se apressassem, os "connaisseurs" que viessem do Porto, pela estrada velha, logo que chegados à "curva do espanto", em Arrabães, primeiro lugar de onde, no Marão, se vislumbravam as luzes da cidade.

Se a memória me não falha, a Gomes foi, em Vila Real, o primeiro café onde as mulheres podiam ir, com naturalidade, sozinhas. Dizia-se, nesses anos, que receber um convite para tomar chá na Gomes ("em cima", sempre "em cima") com a dona Irene Viana (mulher do dentista e meu professor de ginástica) era o passaporte para a entrada das senhoras na sociedade local. E, glória das glórias!, embora poucos se lembrem disso, a Gomes foi talvez o único lugar público do género onde, que me lembre, nunca entrou uma infernal televisão.

Na Gomes sempre houve zonas geográficas mais ou menos consagradas, que não revelo para não identificar alguns dos seus regulares ocupantes. Entre eles, há os que afivelam sempre um ar "grave", de "polícia da Régua", que parece fazer parte da condição necessária para serem levados a sério. Outros falam para serem ouvidos nas mesas ao lado, num dispensável, por ineficaz, esforço de proselitismo. Os mais discretos, mas, nem por isso, os menos atentos, ficam-se pela mesa mais misteriosa de todo o café, com dois lugares, que está perto da porta interior, o único poiso onde se consegue ter uma conversa "tête-à-tête", sem risco de penduras.

A disposição física do espaço torna a Gomes uma espécie de plateia de um antigo teatro francês, com o "coté cour" e o "coté jardin" a ser dado pelas entradas - seja pela antiga máquina do fiambre (sede clássica de pouso do Zé Araújo), seja pelo antigo balcão dos "furinhos" dos chocolates, onde se colocavam jornais com suporte de madeira e onde, durante muito tempo, esteve o telefone preto. Essas duas entradas do proscénio (o Achilles explicaria isso, mas quem não for de Vila Real sabe lá quem era o Achilles) induzem uma visível timidez em certos visitantes ocasionais, atarantados pelo infalível escrutínio, seguido de cochicho. No verão, tirado o vetusto "estrado", a saída para a avenida muda o cenário, que se prolonga então pela esplanada. Obter por aí um café, em dias de enchente, é um privilégio que obriga a meter cunhas.

Foi pela Gomes que eu comecei a parar, ainda nos tempos de liceu, com mesa marcada "em cima", ao canto esquerdo de quem entra, com o brandy L34 a acompanhar o café, erro que sinto, para sempre, na memória do meu fígado. Por aí passei muitas horas a discutir coisas fúteis da vida e, cada vez mais, da política. Para as caves da Gomes fui cooptado, ritual de iniciação a que atribuí grande importância, para a visualização de alguns filmes heterodoxos, trazidos da estranja por ousados viajantes locais, sobre cujo conteúdo a moral deste blogue me não deixa elaborar. Foi na Gomes que, com alguns outros, fui, em 1969, interpelado pelo comandante da GNR, por comentários entendidos como "subversivos", que, sem consequências de maior, nos conduziram ao Governo civil.

A Gomes, honra lhe seja!, foi sempre um espaço plural, nunca foi grandes políticas sectárias, por lá pararam, serenamente, todas as tendências, da Situação ou da Oposição - e eu estive, ao longo dos tempos, em ambas, e não necessariamente por esta ordem. Em várias décadas, nunca deixei de "ir à Gomes", nas minhas estadas aperiódicas por Vila Real. E por lá passo, com gosto, em férias, sempre que posso, para rever amigos e conhecidos. E, claro, para comer um covilhete ou uma fatia de bola de carne.

A Gomes dos dias de hoje está diferente da dos velhos tempos. Às vezes, vejo-a um pouco desleixada, o pessoal, embora simpático, tem um ar um tanto errático e demasiado "casual" para o meu gosto - eu venho dos tempos clássicos do João, do "Sapo", do Gonçalo, do Fernando ou do José. Mudaram agora de traje, depois de uns balandraus que usaram, pretendidamente de côr laranja, muitas vezes já a justificarem uma visita aos sucessores do Alarcão (se não é vila-realense, passe para o parágrafo seguinte). Prova de uma mudança radical da Gomes é o facto de, julgo que pela primeira vez na sua história, "A Voz de Trás-os-Montes", no ano passado, não trazer um anúncio natalício que já havia ficado histórico na cidade: ao canto de um grande espaço em branco, havia uma nota que dizia: "se a Pastelaria Gomes necessitasse de publicidade, utilizaria este espaço". As instituições - e a Gomes é uma instituição - fazem-se de simbolismos. E estes devem respeitar-se, sem o que a identidade se esvai. Atenção, ó gente da Gomes!

Hoje, dia de Natal, a Gomes estará fechada, creio eu (com a crise, sabe-se lá!). Mas há um lugar que, com toda a certeza, não "fecha" e à volta do qual a cidade gira. Esse lugar é a esquina da Gomes, um marco geográfico, charneira entre a avenida Carvalho Araújo e o largo do (regressado) Pelourinho. Por lá nos encostávamos, na adolescência, para ver sair o "pequename" da missa da Sé, logo em frente. Nos invernos, a esquina é sede de ventanias sem par, onde confluem grupos que atiram uns aos outros um indizível "Méixiôres!" (que do vila-realez apressado se transcreve como a saudação "Meus senhores!", enviada de um grupo de passeantes a outros), nesta época natalícia logo seguido do clássico "Continuação!", expressão que se utiliza até aos Reis. Por lá se passeiam, nos dias 25 de dezembro, com sol ou sem ele, as camisolas-de-losangos e os cachecóis que "saíram" nas prendas da véspera, vestindo amigos e conhecidos, mais ou menos "graves", que, do percurso do liceu ao "cabo-da-vila" (desistam aqui os não-vilarealenses), calcorreiam, devagar, a memória sedimentada desde a infância. Como aqui agora fiz, "preso", este ano, a Paris.

(Este texto surgiu aqui no dia 25 de dezembro de 2011. Republico-o hoje, "a pedido de várias famílias" (mais precisamente, três), porque não terá perdido atualidade - a Gomes nunca muda! Perdem-se, contudo, alguns deliciosos comentários que, quem assim quiser, pode ir procurar na versão original. Ah! na fotografia, expressionisticamente "suja" de hoje, a "tal" esquina da Gomes está à direita. Ela é mais famosa que fotografada.)

Guimarães

Guimarães 2012 - capital europeia da Cultura acabou. E correu muito bem, diria mesmo muito melhor do que alguns esperavam e talvez bastante bem melhor do que outros desejavam.

Ao longo de mais de um ano, como membro do Conselho Geral da Fundação Cidade de Guimarães, tive oportunidade de acompanhar a seriedade com que a equipa chefiada por João Serra levou a cabo a preparação e execução deste trabalho. As condições estiveram longe de ser as ideais, com recuos nos financiamentos públicos que obrigaram a uma ginástica de difícil montagem, "a meio do jogo". 

O mais interessante em todo este processo foi ter tido o ensejo de observar o modo como a cidade de Guimarães se foi "apoderando" do exercício, usando-o com crescente gosto, dele partindo para o usufruto de uma nova maneira de se olhar como centralidade cultural. Guimarães, com esta experiência, reforçou o seu lugar nos roteiros nacionais e europeus, juntando um tom de contemporaneidade à imagem histórica tradicional, para além de ficar dotada de novas e valiosas infraestruturas e renovação urbana, de que o Toural é um excelente exemplo.

Uma palavra final é devida a António Magalhães, presidente da municipalidade de Guimarães, que teve a coragem, no momento certo, de assumir com frontalidade as ruturas que era preciso fazer. A sua aliança operativa com João Serra foi a chave deste sucesso, ao qual não é alheio Jorge Sampaio, na orientação firme do Conselho Geral da Fundação, como tive o ensejo de testemunhar. 

Em Portugal, o que corre mal é quase sempre selecionado como notícia. Com Guimarães 2012, e por uma vez, o jornalismo adversativo está apreensivo. A experiência mostra que não descansará enquanto não inventar alguma coisa, quanto mais não seja ressuscitando, oportunamente, alguns fantasmas. É só aguardar...

segunda-feira, dezembro 24, 2012

Desagravo*


((*) Alguns palermas - o nome é esse - não conseguiram ver neste texto a ironia que ele obviamente continha. Mas alfabetização dessa gente é possível!)

Neste Natal, uma palavra de desagravo é devida a um homem que dá pelo nome de Artur Baptista da Silva, nas últimas horas alvo de uma violenta campanha de difamação mediática. 

Com uma imperdoável precipitação, a nossa comunicação social colocou em dúvida as suas credenciais como importante responsável técnico dentro das Nações Unidas. Pelo que me toca, devo dizer que enquanto não ouvir uma atestação pessoal de Ban Ki Moon, a palavra de Artur Baptista da Silva é-me pelo menos tão válida quanto a dos seus detratores. E o facto das estruturas principais das organizações internacionais estarem, nesta época, em período de férias torna difícil credibilizar, com segurança, qualquer contestação que delas eventualmente possa emergir, quiçá infirmando as relevantes responsabilidades que o Professor Baptista da Silva afirma exercer dentro da ONU.

Uma meridiana prudência aconselha, assim, a que se tente ir um pouco além de meros pormenores de natureza adjetiva, como seja essa sempre despicienda questão dos cursos ou títulos académicos, bem como das instituições universitárias que os emitiram. A experiência dos jornalistas portugueses já os deveria ter ensinado a não seguirem por esse tipo de caminho. E talvez seja muito mais prudente e avisado começar a julgar a idoneidade do Professor Doutor Baptista da Silva em função da real substância daquilo que ele próprio tem vindo a dizer sobre a nossa situação económica, a exemplo do que lhe ouvi, sob o olhar grave e perscrutante do participantes, no recente "Expresso da Meia Noite" da SIC.

A minha pergunta é muito simples: como é possível alguém ter o topete de qualificar o Professor Baptista da Silva como um "impostor" quando, nos últimos meses - eu diria mesmo, nos últimos anos! - muitos dos economistas portugueses, seus eventuais colegas, nos encheram os ouvidos e os dias com coisas bem menos bem articuladas? Não me venham dizer que esses economistas são todos uns impostores! Acredito mais rapidamente no Pai Natal do que nisso, desculpem lá! 

Não conheço pessoalmente Baptista da Silva. A sua cara, porém, diz-me qualquer coisa, não me é estranha, embora não possa garantir, a 100%, tê-la avistado algum dia no "Indonesian lounge" ou na "cafeteria" do palácio de vidro, em Nova Iorque. Graça teria se tivesse sido nos corredores da OMPI...

(Em tempo e para os leitores mais ingénuos: com este post, divulgado numa altura em que a patranha já era evidente, quis apenas significar que Portugal se está a transformar num país de Baptistas da Silva... Os portugueses mereceram bem, neste Natal, esta divertida e ubuesca história, onde a realidade de cruzou com a ficção, num registo a que não faltou um discurso a armar ao técnico especializado, o qual, só pelo facto de tratar de coisas sérias, foi logo tomado a sério! E toda a comunicação social portuguesa, que foi alegremente na onda, vinga-se agora com o desmascarar deste editorialista económico do "Borda d'Água". Com Baptista da Silva nas televisões e o regresso de Vale e Azevedo fica constituído um belo dueto dos especialistas do "faz-de-conta", digno do crédulo país do absurdo em que, afinal, parece que nos estamos a converter. Uma boa consoada para todos!)

Parvoíce

Um tipo qualquer mata uma senhora a tiro em Viseu e o país, apenas por causa desse incidente, acha logo que deixou de ser dos mais pacíficos...