Como membro da comissão, convidada e nomeada pelo governo, coordenada pelo professor doutor Luís Fontoura, que nos últimos meses preparou a proposta do novo "Conceito estratégico de segurança e defesa nacional", devo dizer que me tem divertido o modo como alguma comunicação social, bem como certa blogosfera, têm abordado o fruto do nosso trabalho. E da diversão passo mesmo à estupefação quando vejo grupos e classes profissionais assumirem "ameaças", caso o documento venha a ser adotado. A tudo isto acresce uma espécie de movimento contestatário do exercício, entrincheirado numa publicação militar que sempre me habituei a respeitar e que estranho ver convertida num "bunker" da reação ao texto.
Afinal de contas, que diabo fizemos nós de tão "subversivo" para provocar estas reações? O documento em causa foi elaborado sob uma metodologia que privilegiou uma completa liberdade na abordagem de temáticas que definimos como essenciais. De facto, procurámos não respeitar nenhum "politicamente correto" e, em especial, cuidámos em não condicionar o aprofundamento das questões à presunção de quaisquer sensibilidades que viessem a ser suscitadas pela sua futura leitura. Desta forma, reconheço que o texto pode aparecer como heterodoxo face a algum senso comum, habituado a um rame-rame de ideias recicladas e de reiteração de platitudes.
Quando aceitei fazer parte desse grupo, parti do princípio, que creio correto, de que o que o executivo pretendia de nós era obter um conjunto organizado de reflexões sobre a melhor forma de perspetivar as condicionantes estratégicas de um país como Portugal, num mundo em mutação e perante uma situação conjuntural nacional muito particular. Foi isso que fizémos. Não elaborámos um "programa de governo", preparámos algumas ideias que os poderes públicos podem, se assim quiserem, vir a utilizar, ou não, dentro da legitimidade, que é exclusivamente sua, para selecionarem as opções que consideram mais adequadas para o país. Nem mais, nem menos.
Uma última nota para referir que a visível heterogeneidade política, bem como de formação profissional e académica, dos componentes do grupo de trabalho impede, em absoluto, e presumo que para engulhos de muitos, que o texto possa ser acusado de estar ideologicamente "enviezado", tutelado por conluiados interesses obscuros ou de "capelinha". Percebo que essa circunstância possa irritar alguns setores críticos, que assim ficam desmunidos desse tradicional argumento desvalorizador. Mas que se há-de fazer?
8 comentários:
Caro Embaixador,
«Não elaborámos um "programa de governo", preparámos algumas ideias que os poderes públicos podem, se assim quiserem, vir a utilizar, ou não, dentro da legitimidade, que é exclusivamente sua, para selecionarem as opções que consideram mais adequadas para o país.»
Espero que me engane, mas o mais provável é que fique na gaveta.
Cumprimentos.
Pessoa que colegas britânicos sempre me distinguiram com inapropriados epítetos de "especialista em assuntos de Defesa", gostaria de ler e conhecer o tão alegadamente controverso Documento de que o distinto amigo e outros igualmente assim classificados, elaboraram. Se, como afirma, é assunto de controvérsia quer no meio militar como no mundo bloguista, já foi publicado? Se não foi, mais OUTRA DAS MUITAS FUGAS DE INFORMAÇÃO que, para interesse dos lóbis, abundam no nosso País.
O abraço do Gilberto Ferraz
nos tempos que correm há problemas que têm origem externa e me preocupam como cidadão que gostaria de os ver cuidados pelas autoridades que me governam e defendem. problemas que compete às ffaa acompanhar e resolver ou evitar. refiro-me ao narcotrafico chegado por mar e aí a marinha tem um papel importantissimo de vigilancia das orlas maritimas, tambem a força aérea; a outros tipos de contrabando; à imigração ilegal igualmente chegada por mar, com destino portugal, continente ou madeira ou em passagem para espanha; à pesca ilegal por pesqueiros doutros países sem autorização, e a nossa zona maritima é enorme, incluindo os açores e madeira, mais uma vez marinha e fa têm um papel importantíssimo, necessitam de meios; aos despejos de óleos e lixos em alto mar por navios clandestinamente, etc.
o modelo de ffaa que necessitamos deve a meu ver ser eficaz para prevenir ou combater estes problemas. sobre outros, missões internacionais de paz, cooperação dentro da nato, terrorismo, não me pronuncio, já me preocupam menos e têm um aspecto mais politico. mas os anteriores são questões que nos atingem directa e diariamente e exigem um sistema eficaz de vigilancia e defesa do territorio.
Qual a relevância da sua formação profissional e académica para "reflectir" sobre a melhor forma de combater a criminalidade organizada?
Há duas formas de encarar a questão (refiro "questão" porque não aqui nenhum problema; a segurança interna não funciona mal)da organização da segurança interna: unificar as duas forças de segurança existentes - PSP e GNR - ou numa perspectiva menos ambiciosa, conseguir-se chegar a métodos que melhorem a coordenação e cooperação destas duas forças, bem como com os serviços de segurança.
A compilação de "reflexões" não propõe mais que a transferência de competências de uma força para a outra, sem se pronunciar sobre o que fazer em relação aos milhares de profissionais com formação e experiência em determinadas áreas. Curiosamente essa transferência passaria os poderes para o lado da força de segurança que está sob a alçada e influência dos militares. Digo curiosamente porque - coincidência - no rol de "pensadores" estava um general e (como se afigura óbvio) nenhuma personalidade ligada à força e serviços de segurança de carácter civil. Para a "imparcialidade" ficar incólume só faltou proporem a transferência da competência da investigação criminal para a Marinha e dos estrangeiros e fronteiras para a Força Aérea.
Pinto
Fazem falta a Portugal mais documentos de Prospectiva que nos dêem pistas sobre como poderemos e deveremos ser competitivos. Com um clima único, salários e um custo de vida relativamente baixo talvez apenas nos falte mais e melhor organização, mais sociedade civil, menos corporativismo e mais busca da excelência. Há alguns anos que ando a pregar no deserto que Portugal é um paraíso escondido. Sei que sofro de autismo...
Caro Pinto: não tenho, de facto, uma competência específica para me pronunciar sobre a melhor forma de combster a criminalidade organizada. Como regra de vida, s+o me pronuncio sobre aquilo que sei. Por essa razão, esse tema - que ocupa escassas linhas num texto com milhares delas - foi abordado por quem, no grupo, tinha conhecimento dessas temáticas.
foi abordado por quem, no grupo, tinha conhecimento dessas temáticas
E, a bem dizer, era quem? Quantas páginas ocupou o documento relativamente à segurança interna? Acaso não foi a parte mais polémica? Quem, no grupo, sugeriu esta transferência inexplicável de competências de uma força para a outra? Com que objectivo? Com que fundamentação?
Dada a polémica que suscitou, não seria por demais vir alguém esclarecer estas incógnitas. A bem da transparência e da própria reputação dos autores do dito "estudo".
Pinto
Pois é, Embaixador. Deve guardar-se alguma prudência quando se penetram coutadas habitualmente reservadas a certas corporações. Tem alguma dúvida quanto ao destino do vosso relatório, cujos méritos, aliás, não ponho em causa?
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