A decisão de um juíz brasileiro de arrestar um avião da TAP, como forma de obter os recursos necessários à satisfação de uma demanda de funcionários administrativos da estruturas diplomáticas portuguesas no Brasil, pode parecer uma espécie de anedota de Ano Novo. Não é. Trata-se da junção de várias realidades, onde se misturam a má-fé profissional de uns com o ridículo uso de poder de outros, somado ao isco mediático garantido. Nada que uma "liminar" de sentido contrário, recomendada pelo bom-senso, não acabe por resolver, mas com custos acrescidos e efeitos inapagáveis na opinião coletiva.
Não cabe aqui entrar nos detalhes de uma questão que, pelas funções que exerci no Brasil, julgo conhecer, embora a ela tenha sido completamente alheio. Apenas direi que entendo que, neste caso, o Estado português tem toda a razão. Mas porque não tenho paciência para comentar espertezas de alguns advogados, fico-me por aqui.
Choca-me, com frequência, a ligeireza das decisões de certos juízes, muitos deles seduzidos pelas luzes da ribalta mediática, com contornos a roçar a irresponsabilidade. E mais me choca que, revertida essa decisão por uma outra instância, nenhuma responsabilidade possa ser pedida a quem tomou a primeira - pelos vistos errada, caso contrário não prevaleceria a segunda. Alcandorados na sua "independência", os tais juízes a quem a instância superior tirou o tapete profissional, aí estão prontos para outras, ficando imunes à responsabilização, civil ou outra, pelos efeitos, patrimoniais ou humanos, que a sua anterior decisão acarretou. Não quero particularizar, mas apenas direi que é graças a uma atitude dessa natureza que o túnel do Marão acaba por não estar concluído, já há vários anos, com muitos milhões de euros de prejuízos e incontáveis custos para toda uma região.
A absurda sacralização que paira sobre estes operadores judiciais, armados em impolutos "orgãos de soberania", impede, por exemplo, que um qualquer cidadão possa chamar incompetente a um juíz incompetente, sem o risco de cair na imediata alçada ... de outro juíz! Às vezes, trata-se de uns miudecos acabados de sair das escolas de magistratura, sem experiência da vida e do foro, produtores de decisões absurdas e irresponsáveis, que ganham logo à sua volta uma espécie de temor reverencial, que os protege da denúncia de que "o rei vai nu".
A "importância" que certos juízes se atribuem a si próprios, foi sempre ridicularizada pelos seus pares mais responsáveis, pouco satisfeitos com o impacto negativo que esse abuso do conceito de "independência do poder judicial", pode provocar sobre a imagem da classe.
Um dia dos anos 90, essa grande figura que é o magistrado José Matos Fernandes, ao tempo secretário de Estado adjunto e da Justiça, olhou do gabinete do ministro para a rua e, de repente, chamou quem estava na sala: "Olhem! Olhem! Vai ali um órgão de soberania!" Toda a gente arrancou para as vidraças que davam sobre a varanda. Lá em baixo, no terreiro do Paço, havia gente a cruzar a praça. Que queria ele dizer com o "órgão de soberania"?, perguntou alguém? Com aquele sorriso magnífico com que lhe ouvi algumas das mais deliciosas histórias da vida judicial, ele esclareceu: "Então não viram? Ia ali um juiz..." E lá apontou uma dessas figuras para quem a sala de audiências era um mero cenário que intervalava as suas aparições perante as câmaras televisivas.
16 comentários:
Ó soberania,no que tu deste!!!
Confesso que tive de ler duas vezes este texto monumental, com a cáustica referência a "uns miudecos acabados de sair da escola de magistratura", para ter a certeza do que estava a ler
Forte, muito forte, mas é assim mesmo.
E porque os comentários também fazem parte deste blog, vamos aguardar para ler as publicáveis opiniões dos habituais frequentadores deste ponto de encontro.
Um abraço
Denunciar, veementemente, como aqui está feito, e ridicularizar, é um grande passo!
João Vieira
Não esquecer o túnel do marquês
O Expresso de hoje anuncia na sua capa uma "Ofensiva Parisiense". Estava a referir-se a uma declaração de guerra?
Impressiona a coerência.
Quando se abordam, neste blog, algumas personagens da "carreira" nunca se tomam essas árvores pelo todo (e muito justamente).
Já uma suposta decisão de um juiz brasileiro serve para atacar os juízes portugueses. Todos.
Fica, no entanto, a saber-se que não há miudecos nas Necessidades. E fica, também, a saber-se que a carreira está bem instruída quanto à defesa do Estado Português e dos seus servidores. Todos.
Filipe Marques
Caro Anónimo das 13.19: eu não ataquei os juízes "todos". Tenho um grande respeito pela magistratura e prezo muito a independência do poder judicial. Desde que responsável perante alguém e não apenas "perante" a sua progressão na carreira. Leia bem o post: eu apenas falo dos maus juízes, dos magistrados impreparados, dos irresponsáveis e dos que revelam flagrantes falhas de competência. E choco-me com o facto de ser proibido (é isso mesmo: proibido!) chamar os bois pelos nomes, nesses casos.
antes da decisão do tribunal brasileiro haveria que ver o conteudo e o porquê da queixa metida contra o estado português. teria o estado feito tudo para resolver este problema e desactivá-lo a tempo? não sei, mas são perguntas que me faço ao ler as noticias, pouco detalhadas.
não deixa de ser uma sentença curiosa que possivelmente entrará nos manuais de direito diplomatico ou internacional. se for à frente, servirá de precedente?
tambem revela imaginação do tribunal brasileiro, não podendo ir aos imóveis de portugal no brasil, edificios e contas de embaixada e consulados, contornou o problema indo a um bem móvel, um avião da tap.
esperemos que isto não represente uma menos valia para a tap em caso de futura privatização, a companhia poder responder por dividas do país/estado de bandeira, alem de menos um avião no património dela.
Parabéns pela sua coragem. Faz falta muita gente assim. Leu isto?
http://diplomatizzando.blogspot.fr/2013/01/juizes-malucos-podem-ser-as-pessoas.html
Quando para se ser Juiz se tinha de passar primeiro por um período em que se exercia as funções de Delegado do MP, quando se chegava ás funções de Juiz já se levava uma tarimba que lhe seria útil para decidir e julgar, designadamente em Processos de Julgamento. A experiência da vida, associada à experiência do trabalho ajuda e muito a decidir. Depois é tudo uma questão de bom senso e sentido de Justiça, interpretando a Lei. E, um bom Juíz (ou Procurador) deverá, igualmente, evitar a “ribalta”, a imprensa. É no silêncio e na descrição dos gabinetes (ou dos Tribunais), que um Juíz deve decidir, de forma imparcial.
"Boa-Hora"
O tal anónimo das 13:19 parece esquecer duas coisas, na comparação canhestra que faz entre a magistratura e a diplomacia. É que os diplomatas podem ser livremente criticados, sem que ninguém incorra em penas por isso. E quanto aos "miudecos" que o nosso saboroso anfitrião qualifica, os que existem na carreira diplomática não têm grandes responsabilidades nos primeiros anos, ao contrário dos juízes, que com 20 e tal anos já decidem da vida e dos bens das pessoas. Não esqueço a sentença de Entre-os-Rios.
CSC
Pois é... a justiça não é fácil. Em tempos até houve uma justiça revolucionária muito utilizada. Eu já não sei nada
Meu caro amigo
O seu post merece atenta meditação. Pessoalmente os "intocáveis", sejam eles da sociedade civil ou religiosa sempre me incomodaram muito. Hoje ainda mais!
Tudo certo.
Poderia ainda ter escrito sobre os julgamentos marcados para as nove e meia, mas que por atraso do juiz (ou juíza) só começam às onze, ou nem começam porque o juiz (ou juíza) não apareceram, sem que advogados e restantes intervenientes tivessem sido avisados, arcando, por isso, com todos os inconvenientes inerentes ao abuso.
Ou ainda sobre o modo arbitrário/autoritário como as audiências são conduzidas, como se fossem deuses do Olimpo, perante insignificantes mortais.
Dessa arbitrariedade "salvam-se", às vezes os magistrados do Ministério Público.
Dir-me-ão que nem todos os juízes/juízas se comportam assim. É verdade, mas esses são em pequeno número. Não passam da excepção à regra.
Senhor Embaixador: sobre a questão da penhora que um juiz brasileiro tera ordenado de um avião da TAP,para garantir o pagamento de uma dívida do Estado português, há dois aspectos que me impressionam:o primeiro é que,segundo parece, o juiz não sabe que o avião da TAP não é património do estado; o segundo,e para não variar, o tratamento sensacionalista dado pela nossa comunicação social.
Quanto a situação actual das nossas magistraturas(MP e judicial) tem razão.
A meu ver o problema radica nos seguintes:formação-ou seja o que se passa no Centro de Estudos Judiciarios- os subsequentes ingressos nas carreiras, e as inspecções que são efectuadas aos respectivos desempenhos.
Claro que a vertigem mediatica também dá o seu contributo.
Obviamente que há excepeções e existem bons magistrados,quer no aspecto da competencia, quer no trato.
Sr. Embaixador:
avisada a nota para que seja lido com atenção este post.
Para quem anda por lá todos os dias, breves sopros bastariam para infelizmente dar razão a estas palavras !
São isso mesmo, órgãos de soberania que se vêm da janela do Ministério, julgados de recurso em recurso por eles próprios. Vale pelo menos a pena pensar nisto...
João Quintela Cavaleiro
TAP fique tranquila.
Não se pode botar fé na justiça brasileira, de muito deixou de ser cega.
As leis brasileiras tem tantas brechas que apenas um bom advogado livra qualquer um mesmo de crimes gravíssimos.
É muito mais fácil sair da cadeia que entrar nesse paraíso da tropicália.
Desde Brasil
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