Passam hoje 40 anos sobre a data do funeral de José António Ribeiro Santos, um militante das estruturas de juventude do MRPP, força política de que já aqui se falou. Ribeiro Santos foi morto por um agente da PIDE/DGS, que, na ocasião, também feriu o então estudante e hoje advogado José Lamego, durante uma escaramuça gerada numa reunião universitária, em Lisboa.
Não conhecia nem nunca tinha ouvido falar de Ribeiro Santos, como não tinha nada a ver com o MRPP. Porém, tal como muitas centenas de pessoas, desloquei-me ao seu funeral, numa homenagem a alguém que tinha sido assassinado pela polícia política e também porque queria integrar o que se sabia que iria transformar-se numa ação pública anti-regime. Sabíamos nós e sabia a polícia, que recheou de agentes, fardados e à paisana, o largo de Santos, em frente à igreja, junto à casa de onde sairia o corpo. Fui com um colega da Caixa Geral de Depósitos e que, mais tarde, seria ministro das Finanças de Moçambique, Abdul Majid Osman. Era um sábado e trabalhava-se nas manhãs dos sábados de então.
Colocámo-nos no hoje ainda existente "triângulo" de passeio do largo, em frente à casa. Depois de alguns tensos minutos de espera, a multidão, que estava bastante silenciosa e apenas murmurante, agitou-se com o surgimento do caixão na porta da casa. Porque estava bastante perto, notei que se gerou uma curta discussão entre pessoas que pretendiam que ele fosse deslocado para um carro funerário e um outro grupo que acabou por afastá-lo da viatura e colocá-lo aos ombros (uma das pessoas era o atual deputado João Soares, que se vê na imagem, à frente, do lado esquerdo), logo se encaminhando para a rua das Janelas Verdes. Nesse instante, a multidão, à frente da qual acabei imprudentemente por encontrar-me, procurou avançar atrás do caixão, tentando criar um cortejo, na direção do cemitério da Ajuda.
A ideia da polícia era, porém, muito diferente. O cortejo não devia ainda ter avançado mais de 50 metros quando um cordão de agentes se interpôs, entre nós e as pessoas que transportavam o caixão, quase provocando a queda deste e forçando, à bastonada, o nosso recuo. Os manifestantes começaram a gritar "assassinos" e o habitual "abaixo o fascismo", o que teve óbvio condão de atiçar a violência policial. Por um azar, vi-me de repente encurralado junto a um automóvel e, ao voltar-me, só tive tempo de afastar a cabeça do bastão de um polícia, que se abateu fortemente sobre um dos meus ombros. Tombei ligeiramente e foi graças à ajuda do Abdul Majid Osman que consegui afastar-me, correndo em direção à zona da embaixada de França. A polícia perseguiu-nos ainda pela rua das Trinas acima. Uma hora mais tarde, ainda fomos ao cemitério da Ajuda, onde houve mais correrias e palavras de ordem.
É esta a minha recordação do funeral de Ribeiro Santos, figura que o MRPP, a partir de então, converteu num seu símbolo. Eram assim esses últimos tempos da ditadura portuguesa. Um ano e meio depois, iria ter um grande gosto em ajudar a acabar com ela.