segunda-feira, setembro 24, 2012

Diplomacia social

Ontem, no comemoração do dia nacional de uma grande potência, tive ocasião de comprovar, uma vez mais, que, na ordem internacional, sendo todos os países juridicamente iguais, alguns há que são bem mais "iguais" do que outros.

As festas nacionais dos países mais importantes estão sempre, um pouco por todo o mundo, recheadas de atuais ou antigas estrelas políticas (do governo e oposição), empresariais e até culturais, desejosas de aproveitar o melhor possível esses momentos, testemunhando com a sua presença o interesse por Estados que sabem relevantes à escala global, com os quais, por exemplo, os melhores negócios se fazem. Além disso, tais ocasiões acabam também por ser "social gatherings", para contactos e, vá lá!, também para alguns serem vistos, fotografados para revistas e relevados perante os "olheiros" avaliadores da hierarquia social. Esses são também momento áureos para o infernal bando dos "pique assiettes", que mendigam convites e sempre avançam, socialmente famélicos, sobre as mesas das vitualhas e bebidas.

Numa cidade como Paris, onde há quase centena e meia de embaixadas ou representações internacionais (no meu caso, somadas às muitas outras que atuam junto da UNESCO), e porque têm muito mais que fazer, os próprios diplomatas acabam por ser obrigados a fazer uma criteriosa seleção dos eventos a que esforçadamente comparecem. Aqui entre nós que ninguém nos lê, para os diplomatas com maior rodagem, os cocktails representam, regra geral, longos minutos de padecimento, de conversas sem particular objeto nem grande sentido, para além dos temíveis efeitos dietéticos ou hepáticos, para quem se não souber controlar. Aqui ou ali, é verdade, encontra-se nessas ocasiões alguém de interesse, a quem se aproveita para passar alguma mensagem ou perguntar alguma informação, sendo que isso tem de ser feito em rápidos segundos, porque logo nos cai em cima um outro conviva, que introduzimos ao primeiro através do já clássico "não sei se já conhece...?" (eu deixo quase sempre os nomes em suspenso, esperando que ambos se apresentem, não vá ter uma "branca" com a identificação de um deles). A melhor "técnica" é, instantes depois, deixar os dois recém-apresentados à fala e, pretextando uma qualquer razão, zarpar logo para outra, tendo a porta de saída como supremo objetivo a atingir. 

Desde há muitos anos que, cada vez mais, sou uma avis rara neste tipo de ocasiões, que frequento com grande parcimónia. Dou atenção prioritária a países com especiais relações com Portugal e, às vezes, às amizades mantidas com alguns chefes de missão. Mas, devo dizer, com muito maior probabilidade me desloco a uma festa nacional de um pequeno país africano ou asiático, de um minúsculo Estado caribenho ou centro-americano, ou mesmo de uma remota ilha do Pacífico, do que sou visto na imensa mole humana que se acotovela nas escadarias de acesso às festas dos grandes países, que por aqui sempre convocam o "tout Paris".

Esclareço que, para além de assumir esta minha atitude com o prazer de ajudar a que colegas de Estado menos populares vejam a sua ocasião social menos "desertificada", não me é indiferente o facto da minha presença acabar por ser bastante apreciada e notada, não raramente atenuando a tristeza de verem a sua festa quase vazia. Por vezes, tive já tal atitude retribuída com uma atenção particular quando interesses portugueses estiveram em jogo, quando, mais tarde, tive demandas a fazer a esses colegas no plano das nossas relações bilaterais ou a solicitação de votos em organizações internacionais.

A diplomacia social é um tema muito mais interessante do que frequentemente se julga.

17 comentários:

Isabel Seixas disse...

Dá que pensar.

EGR disse...

Senhor Embaixador:eis uma interessante vertente da diplomacia.
E, há aí um aspecto, que me parece relevante,ou seja o demonstrar a importancia das relações humanas em todos os contextos.

Anónimo disse...

Muito mais interessante seria o nosso país contar para alguma coisa e o embaixador ter mesmo de ir às tais festas chatas e apinhadas.

O "luxo" de poder faltar é, apenas, aparente. Na realidade, é um sinal da nossa "pobreza".

Anónimo disse...

E, quantas vezes, afinal, não são os "pequenos" que se revelam autenticos grandes ?
José Barros 

Anónimo disse...

Na diplomacia como na vida, afinal.

Maria Helena

José** disse...

Bien sûr. Dans un fête, qui s'intéresse au représentant d'un Etat en faillite ?

patricio branco disse...



existem países que fazem da festa nacional uma exibição escandalosa de desperdicio de dinheiro, alem da total falta de logica e democracia nos convites. o embaixador p ex convida os amigos pessoais e os partidários e apoiantes do regime que governa no seu país e, sabendo quem da comunidade é da oposição, a estes não os convida.
não falo de portugal, ue, eua, japão e maioria dos paises. nem iria nomear 2 ou 3 paises que assim actuam, incluindo em lisboa, em hoteis de luxo, e acaba por ser uma festa privada.

estes poucos paises não definem nem diminuem a boa, antiga e imprescindivel pratica diplomatica e consular de comemorar as festas nacionais e querer partilhar esse importante dia com representantes e gentes do país hospedeiro.

é realmente impossivel um embaixador ir a 150 festas nacionais por ano, terá assim de fazer uma selecção, ir a umas, não a outras, eventualmente fazer-se representar.

para um embaixador português será um verdadeiro prazer ir a uma festa nacional do brasil, angola, etc, ou espanha, p ex.

Anónimo disse...

Aqui por França o Senhor Embaixador mudou os hábitos e passou a convidar só a Comunidade Portuguesa para o Dia 10 de Junho. Não sei se isto é conhecido e se em outras Embaixadas de Portugal isto se faz assim

Anónimo disse...

Sabedoria, ponderação e bom senso. Ainda há quem exercite a mente. Bem bom.

Helena Oneto disse...

Aqui que niguém me ouve, a impressão que tenho (e o anonimo das 13:46, também deve pensar o mesmo), é que o Senhor é uma avis rara tout court. Qualquer embaixador prefere ser visto na Embaixada da Arabia Saudita do que na da Guiné Bissau... mas não é so por isso que temos a sorte de ter em Paris um exemplar rarissimo em vias de extinsão....
Bien à vous, cher Ambassadeur

Helena Oneto disse...

Ooops! queira ler, SFF, extinção com ç e não com s. Ai os ss...:)

Helena Sacadura Cabral disse...

Ora aqui está mais um post que merece ponderação. Se tivesse ficado na carreira diplomática, esta área seria para mim um verdadeiro sacrifício, embora perceba bem a sua importância.
Mas é tão esgotante esse tipo de eventos, que a tendência seria fugir deles a quatro pés...

Guerra disse...

Boa noite senhor Embaixador,

Como dizem os da Bila, boa malha, essa é que é essa e mai nada.
José Guerra

domingos disse...

Dizia-me, com algum cinismo, um primo que foi da Carreira que os cocktails são para "small fish". O que contava eram os jantares formais onde tudo, desde a escolha dos convidados, dos lugares à mesa, das conversas, da ementa, passando pelos vinhos e acabando na baixela, contava. Acrescentava que, com a actual penúria do País, já poucos embaixadores portugueses conseguiam aguentar essa parada

Anónimo disse...

Os anónimos das 08:35 e 12:30 irritaram muito a velha senhora (só tive que mudar uma letra no ps do sonetilho) :

porra de azar
azar de porra
não há pachorra
já pra aguentar
tanto infeliz
a aporrinhar
a apouquinhar
o seu país
'que nada vale'

sobe a mostar-
da ao meu nariz
contra quem diz
que tudo é mal
em portugal

ps
sou velha e lerda?
tão pouco fiz?
mas sou de esquerda
amo o país
que eles vão ver da
perda

Paulo Roberto de Almeida disse...

Descricao absolutamente fiavel, discreta (comme il faut), mas cruel e verdadeira, da imensa chatice, boredom, quando nao tedio seguro, que representam as muitas recepcoes diplomaticas, a maior parte de fato.
Todo embaixador deveria ter direito a um sosia para mandar para essas corveias...
Paulo R Almeida

Unknown disse...

Nao sei se este e o forum ideal para colocar este comentario. Depois de muito procurar, vou apresentar este caso aqui com a esperanca de alguem me responder.

Vivo em Pequim ja faz 7 anos, estou registrada na Embaixada de Portugal em Pequim e este ano (2015) nas comemoracoes do dia 10 de Junho, o Senhor Embaixador Jorge Torres Pereira vai dar uma festa para 200 pessoas para comemorar o dia de Camoes e das comunidades portuguesas e resolveu convidar uns portugueses e outros nao. Em Pequim, a comunidade portuguesa nao e mais do que 50/60 pessoas. Esta a convidar usando criterios pessoais, diria mesmo discriminatorios que ninguem sabe. Por exemplo, o meu marido foi convidado e eu nao e somos ambos portugueses e registramo-nos no mesmo dia. Isto esta a dar muita polemica e as pessoas estao a revoltar-se. E de referir que a comunidade portuguesa em Pequim e muito diferente da de outros paises, a maioria dos membros nao trabalham para empresas/entidades portuguesas (uma vez que as empresas portuguesas aqui sao quse inexistentes), tem mestrado no minimo e muitos de universidades de topo a nivel mundial, tem posicoes de chefia e networks que a Embaixada Portuguesa so tinha vantagem em utilizar e facilitar o seu convivio.

Pergunto, o que o Senhor Embaixador Jorge Torres Pereira, alem de imoral, e legal?

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