Eu tinha chegado ao Brasil há poucos dias, nesse mês de janeiro de 2005. A apresentação das minhas cartas credenciais ao presidente Lula estava muito atrasada, devendo aguardar ainda meses. Havia muitos embaixadores na “fila”...
Um dia, para minha surpresa, o "Cerimonial" (o nome brasileiro para Protocolo) convidou-me a estar presente no almoço oficial que o presidente Lula oferecia ao presidente do governo espanhol, José Luiz Zapatero. Era um gesto de inusitada simpatia para com o representante diplomático português, porque um embaixador não "existe" oficialmente, perante um chefe de Estado, antes de apresentar as suas "cartas credenciais". Mas as relações luso-brasileiras têm destas simpáticas sublitezas.
No final do almoço, o chefe do Cerimonial, Ruy Casaes, quis ter a acrescida amabilidade de me apresentar ao presidente e ao seu convidado.
Lula da Silva deu-me as boas-vindas, de forma bastante calorosa e logo inquiriu:
- “Baixadô”! Qual é seu "time", em Portugal?
- Sou de um clube essencialmente católico, presidente.
Deixei passar uns segundos e, perante a perplexidade dos presentes, expliquei que era do Sporting, "um clube que só ganha quando Deus quiser".
Lula deu uma gargalhada e disse que conhecia melhor o Benfica e o Porto. Eu acrescentei: “O meu Sporting é como o seu Corinthians, presidente!”. Outra gargalhada de Lula.
Nesse ponto da conversa, Zapatero - que não me pareceu muito conhecedor de futebol - puxou o assunto para Pélé, afirmando a grande admiração que tinha pelo jogador, que tinha visto jogar em seleções brasileiras.
Lula comentou então:
- O presidente Zapatero sabe que Pélé não fazia parte daquele que é, ainda hoje, considerado como o melhor "time" que o Brasil alguma vez teve?
Aí, não dando espaço ao incarismático líder espanhol, eu intervim:
- Está a referir-se ao "time" do Chile, em 1962, presidente?
Lula fez uma cara de espanto, de quem estranhava bastante que eu soubesse esse preciosismo e retorquiu:
- O embaixador lembra-se do "time" do Chile?!
- Muito bem, presidente. E, por acaso, o presidente recorda-se dos jogadores que compunham esse "time"'?
Lula deve ter achado algo impertinente a minha observação, mas lá adiantou:
- Tinha o Zózimo, o Amarildo, o Garrinha...
Agarrei a oportunidade e "arrasei":
- Presidente, talvez valha a pena começar pelo princípio: Gilmar; Djalma Santos, Mauro e Nilton Santos; Zito e Zózimo; Garrincha, Didi, Vává, Amarildo e Zagalo.
Zapatero estava sem perceber nada. Lula exibia um sorriso espantado e, por um instante, deve ter pensado que Portugal teria decidido mandar para o Brasil um técnico de futebol, em lugar de um embaixador.
- Mas como sabe isso, embaixador? Por que conhece todo esse "time" brasileiro?
Expliquei então a Lula uma coisa que ele provavelmente desconhecia, mas que, estou seguro, não esqueceu mais:
- Sabe, presidente, para a minha geração, em Portugal, quando a seleção nacional portuguesa não estava numa "copa" do Mundo, o Brasil era a "nossa" seleção. E, por isso, eu conhecia muito bem todo o vosso "time", porque o "time" do Brasil era o meu "time".
(Não disse a Lula que esse "time" do Chile era, por mero acaso, o único que eu sabia totalmente de cor...).
A partir daí, e nos quatro anos seguintes, foram muitas as vezes que conversei com o presidente Lula sobre futebol, a maioria delas sobre a errática sorte do seu Corinthians. Mas, infelizmente, nunca encontrei uma boa razão para lhe voltar a falar no meu Sporting...
Hoje, podia falar-lhe da triste jornada madrilena do meu clube. Mas Lula, nas embrulhadas em que se envolveu e que outros cuidaram em potenciar, nesse mundo perigoso de emoções que agora atravessa o Brasil, tem outros “futebóis” com que se preocupar.