Nunca fui um grande fã de Brian Williams, o "anchor" dos noticiários da NBC que agora caiu em desgraça, por ter mentido. Sempre achei irritante aquele género de apresentação demasiado "certinha", aquele seu estilo muito anos 50, cabelo "à Cary Grant", voz grave e uma certa sobranceria. Mas, enfim, esta é apenas a minha opinião e ela nada vale face aos mais de nove milhões de espetadores que diariamente o apreciavam.
Brian Williams mentiu. A mentira, na sociedade americana, é o mais devastadores dos crimes, no que toca aos efeitos de avaliação de caráter (recordemos Bill Clinton). Brian Williams "inventou" que esteve envolvido na queda de um helicóptero militar, atingido no Iraque. Era falso, não esteve. Foi agora suspenso, seis meses, sem salário, ele que ganha 10 milhões de dólares por ano...
O jornalismo universal está cheio de mentiras, umas vezes punidas, outras vezes não. Por cá, os nossos jornalistas vivem muito num ambiente de auto-proteção de classe, que raramente os leva a excluírem os seus pares prevaricadores. O que é pena, porque também qualifica a classe. Há dias, na televisão, lado a lado com jornalistas credenciados, lá estava, a dar opiniões com ar credível, uma figura do nosso jornalismo que foi condenada, com trânsito da sentença em julgado, por ter inventado uma falsa prova num processo mediático.
No início do século, um então célebre jornalista português "cobriu" a Revolução russa a partir de Paris, fazendo, do conforto dos "boulevards", reportagens das quais transparecia a sua "vivência" dos episódios que se passavam em S. Petersburgo, quase lado a lado com John Reed. Nos anos 60, uma pena notável da nossa comunicação social arrancou lágrimas com as suas descrições dos corpos que emergiam das ruínas de Agadir, depois do terramoto, muito embora não tivesse abandonado a comodidade do bar do hotel em Casablanca, onde alimentava a imaginação e bebia o que ouvia. Há anos, dava aulas de jornalismo numa universidade um "profissional" que descreveu, com pormenores, uma reunião do Conselho da Revolução que, afinal, não se tinha realizado, o que o levou a desculpar-se como se tivesse tratado de um "erro técnico" - explicando que, se acaso a reunião se tivesse realizado, as posições a assumir por cada interveniente teriam sido aquelas que ele descrevera. E outros casos conheço, até por experiência pessoal. E não me recordo que sobre algum deles tenha caído o opróbrio deontológico de uma classe em que há gente da maior qualidade, profissional e humana.
A mentira e o jornalismo são um par fascinante.