Despedidos os visitantes, até ao jantar que iria ter lugar na residência, o embaixador regressou ao seu gabinete na chancelaria daquela pequena embaixada perdida no mundo. A mesa em que tivera lugar a reunião estava em alguma confusão. Pequenas notas garatujadas, deixadas para trás pelos participantes, já sem préstimo. Uma folha de A4, cuidadosamente escrita, bem caligrafada, permanecia, contudo, frente ao lugar que fora ocupado pelo ministro. Seria algo importante? O embaixador, curioso, decidiu-se ler o que nela estava escrito. Podia dar-se o caso do papel ser necessário ao governante, para a reunião com o seu homólogo, no dia seguinte. Nesse caso, entregar-lha-ia antes do jantar.
Ao lê-la, ficou hesitante. Na folha havia pequenos apontamentos, com os temas da agenda, seguidos de comentários sintéticos, do tipo "imp" ou "ok" ou "ver com atenção", com alguns pontos de interrogação pelo meio. Não parecia um papel imprescindível. Uma nota, dentro de uma "caixa", no verso da folha, chamou a sua atenção. Era de diferente natureza. Eram as "compras".
Nesse tempo, ir de Portugal ao estrangeiro significava poder encontrar uma oferta comercial diferente ou a melhores preços, razão pela qual quem se deslocava optava por efetuar a aquisição de certos produtos, normalmente nos "free-shops" dos aeroportos. Isso era muito vulgar no caso dos perfumes. E, no caso, lá estavam eles: para a mulher um "Cacherel", para o pai um "4711 ", para um nome de senhora não identificado, talvez uma filha, um "Miss Dior". E, na última linha, uma quarta lembrança, com nota bem sublinhada: "Secretária - água de colónia - barata!"
O embaixador decidiu-se por não devolver a lista de compras. Não lhe apetecia que o ministro o viesse a ter por cúmplice silencioso da sua "shopping list" e, em especial, da sua sovinice.