Se olharmos as relações externas de Portugal, nos últimos 70 anos, incluindo as últimas décadas da ditadura e o regime democrático, constataremos que há uma única prioridade que permaneceu inalterada na nossa agenda nacional: a importância da relação transatlântica. O empenhamento na NATO e a relevância atribuída aos EUA mantiveram-se na lista prioritária de todos os governos portugueses, mesmo os mais “esquerdistas”. Posso imaginar o “entusiasmo” com que o primeiro-ministro Vasco Gonçalves terá ido à cimeira da NATO, em 1975, mas, para o que interessa, esteve lá e, ao que consta, não fez nenhuma diatribe contra a organização. E isso não aconteceu por acaso.
A situação geopolítica do nosso país, onde a questão das Lajes teve sempre forte relevância, e, ainda antes, os imperativos ligados aos equilíbrios da Guerra Fria, fizeram com que a NATO e os EUA passassem a ser um pano de fundo constante na nossa ação externa. A ênfase desse vetor no discurso político pode ter variado com os ciclos de governo, mas o essencial nunca foi tocado.
Aquando da segunda Guerra do Golfo, em 2003, o executivo português de então levou o seu zelo seguidista a um extremo caricato, ao colar-se ao “amigo americano”, que anunciava um deliberado infringimento das regras internacionais. Lisboa usou então o mais enviesado dos argumentos: “ou estamos com os Estados Unidos ou estamos com o Iraque”. Como se uma agressão ilegal, que viria a ser fautora de centenas de milhares de mortos e de um caos regional sem precedentes, pudesse ser “absolvida” apenas porque o Estado que a praticava era um nosso amigo tradicional.
Mais recentemente, sob a presidência de Donald Trump, os EUA vieram a revelar um inusitado desprezo pelos aliados, criaram tensões no seio da NATO, provocaram fortemente os seus parceiros europeus, desprezaram com arrogância o mundo multilateral. Romperam mesmo um tratado laboriosamente feito com o seu acordo, que prevenia as possibilidades do Irão aceder à arma nuclear, cedendo às pressões de Israel. E, para facilitar a agenda eleitoral de Trump, o governo americano coloca agora o Médio Oriente, de novo, às portas de um conflito aberto, que, no passado, já nos brindou com o Daesh.
Há uns anos, um ignoto secretário de Defesa americano consagrou uma frase para a História anedótica: “o que é bom para a General Motors, é bom para os Estados Unidos”. Hoje, não sem alguma tristeza, pergunto-me: o que é (considerado por Trump ser) bom para os Estados Unidos é necessariamente bom para os seus aliados?