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sexta-feira, março 05, 2010

Michael Foot (1913-2010)

O Tim Tim no Tibete, atento como sempre a certas memórias, trouxe-me, há pouco, a notícia da desaparição de Michael Foot. Não se deve dizer isto, mas eu pensava que ele já havia morrido.

Não sei a quantos este post possa interessar, dado que Foot, nos dias de hoje, não será muito conhecido. Porém, ele foi uma figura interessantíssima da vida política britânica, que chegou à liderança do Partido Trabalhista, num registo ideológico tão radical que acabou por ajudar a manter o seu partido longe do poder.

Em 1983, o seu programa eleitoral, com 700 páginas, foi crismado por Gerald Kaufmann como "the longest suicide note in history"... Incluía: saída das Comunidades Europeias, desarmamento militar unilateral, nacionalizações várias, subida drástica de impostos, extinção da Câmara dos Lordes, etc. Ficou "à porta" da abolição da monarquia! 

Quase tão ácido como Kaufmann, o conservador Chris Patten chamava a Foot "a kind of walking obituary for the Labour party", o que levou Kempsell à caricatura que abre este post.

Michael Foot teve uma longa e brilhante carreira como jornalista, durante a qual sempre manifestou, de forma enfática, as suas ideias, abertamente tributárias do marxismo, bem patentes nos seus múltiplos e muito bem escritos livros (a sua biografia de Aneurin Bevan é magnífica e dizem-me que a de H.G. Wells também, numa perspectiva política). Como parlamentar, foi um orador notável, tendo estado presente de forma muito ativa em momentos importantes da história do trabalhismo britânico. Foi ministro de Harold Wilson e sucedeu a James Callaghan como líder, durante a chefia conservadora de Margareth Thatcher. A sua vitória arruinou as muito mais fortes hipóteses de Denis Healey chegar a primeiro-ministro, contribuindo assim para o irónico título que este iria ganhar entre os socialistas britânicos: "the best prime minister we never had"... Deixou o partido a Niel Kinnock, o qual começou a abrir caminho à "modernização" que levaria o "Labour" ao poder, com Tony Blair.

Numa nota (concedo) digna da imprensa cor-de-rosa, gostava de dizer que a morte de Foot não ajuda a resolver o eterno "mistério" que atravessa os exegetas da vida íntima da esquerda do trabalhismo britânico: o seu suposto romance de juventude, durante umas famosas férias em França, com a também antiga ministra Barbara Castle, já há anos desaparecida. Quem, como eu, leu há muito as referências feitas por Foot ao facto e as memórias de Castle ficou sem confirmação absoluta desse "affaire", cuja hipotética existência, por si só, pode ajudar a explicar tanto algumas "políticas de aliança" como certos dissídios no seio do "alto" Labour.

sábado, fevereiro 27, 2010

Tours

Ontem, em Tours, onde fui ao lançamento de um "Portuguese Business Club" e encontrar um ativo setor da nossa comunidade, comentei com o "maire" da cidade, Jean Germain, um bom amigo de Portugal e dos portugueses, a beleza da sala da "Mairie" onde estávamos. 

Para minha imensa surpresa, disse-me ser aquele exatamente o local onde Léon Blum havia proferido o seu famoso "discurso de Tours", em 27 de Dezembro de 1920.

Num instante, confrontei-me com a memória daquele que é talvez o grande "separar de águas" entre socialistas e comunistas. O "discurso de Tours" é considerado uma das peças políticas mais relevantes do século XX, porque foi através dele que o chefe socialista marcou o seu afastamento face às ideias de Lenine e a sua rejeição em aderir à III Internacional (Internacional Comunista), o que conduziu à melhor definição de uma linha democrática dentro do socialismo francês, que acabou por ter consequências muito importantes em todo o mundo. Com o "discurso de Tours", Blum ajudou a abrir um caminho autónomo, em termos de prática política com efeitos na governação, a uma corrente de pensamento que viria a ser determinante a partir de então e que, em França, daria aos socialistas a autoridade para poderem lançar, com os comunistas, o "Front Populaire" e, muitos anos mais tarde, o "Programme Commun". 

Quem vive em França corre o sério "risco" de encontrar a História pelas esquinas do quotidiano.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

O "4 de Fevereiro"

Há precisamente 49 anos, um grupo de independentistas angolanos foi responsável, em Luanda, pelo chamado "4 de Fevereiro", a primeira ação armada que foi organizada contra a presença portuguesa em Angola. Com ataques de surpresa a prisões, forças policiais e outros pontos estratégicos da capital angolana, que causaram vítimas mortais, as escassas centenas de ativistas do "4 de Fevereiro" instabilizaram por horas Luanda, sendo subsequentemente alvo de forte repressão - militar, policial e civil -, a qual atingiu também diversos setores da população autóctone residente na cidade.

A data de 4 de Fevereiro de 1961 constituiu, assim, o início das revoltas coloniais contra Portugal, as quais, a partir de 1964, se iriam estender a Moçambique e à Guiné. Entretanto, no final desse ano de 1961, a União Indiana iria invadir o Estado da Índia, pondo um ponto final à presença da administração portuguesa naquele território.

O movimento de "4 de Fevereiro" foi, em si mesmo, um acontecimento bastante complexo, muito mais do que algumas versões simplistas que sobre ele foram mais tarde conhecidas e divulgadas. A sua génese política é também importante para se entenderem as raízes do que foram as profundas clivagens entre os grupos político-militares angolanos, que, logo após a independência do país em 1975, se saldou numa mortífera guerra civil, que, com diferentes formatos, se prolongaria até 2001.

Quando vivi em Angola, nos anos 80, tive o ensejo de conhecer e falar com algumas das figuras envolvidas no "4 de Fevereiro". Pude então saber algo mais sobre esse movimento e, em especial, informar-me com maior detalhe sobre a importância que nele teve uma figura religiosa, o Cónego Manuel das Neves, pároco envolvido na mobilização e no apoio logístico da revolta, que viria a ser preso e expulso para Portugal. Aí ficou com residência fixa, tendo morrido em Soutelo, em 1966. Muito pouco se falou sempre sobre esta figura do nacionalismo angolano e talvez valesse a pena refletir por que razão isso aconteceu.

O "4 de Fevereiro" seria apenas o início, simbólico e trágico, da revolta angolana. Em 15 de Março de 1961, membros da  UPA (União dos Povos de Angola), que mais tarde se viria a transformar em FNLA, estiveram na origem de sangrentos e chocantes ataques a populações civis em zonas rurais no norte de Angola.

O efeito conjugado daqueles dois acontecimentos teve uma forte repercussão em Portugal, que iniciou então o envio de forças militares que, por 13 anos, conseguiram assegurar a permanência da soberania portuguesa no território. 

As ondas de choque político que esses acontecimentos provocaram, ligadas a outros eventos políticos que então se registaram na sociedade política portuguesa, viriam a contribuir para transformar esse ano de 1961 num dos mais difíceis e movimentados anos da história do Estado Novo. Disso falaremos um destes dias.

domingo, janeiro 31, 2010

Viva a República!

Nesta data de 31 de janeiro, que comemora a revolta republicana que prenunciou o fim do regime monárquico, em 1910, tiveram início oficial em Portugal as comemorações do centenário da República.

Temos perante nós uma interessante oportunidade de dar destaque, perante as novas gerações, aos valores da ética republicana, que hoje constituem o fundamento da nossa Democracia, a que o 25 de abril deu corpo. 

Da mesma maneira que, durante a ditadura, a República foi diabolizada pelos seus inimigos, vamos agora, com toda a certeza, assistir por aí ao afloramento, mais ou menos folclórico, de iniciativas "antirepublicanas", que mais não são do que estertores da memória dos que foram afastados em 5 de outubro de 1910 e em 25 de abril de 1974. Sejamos magnânimos, porque é esse o único comportamento digno dos vencedores para com os derrotados da História.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Camarate

Faz hoje 29 anos que o primeiro-ministro Francisco de Sá Carneiro e o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, bem como várias outras pessoas que os acompanhavam, pereceram num desastre aéreo em Camarate, nos arredores de Lisboa.

Sá Carneiro era, há menos de um ano, primeiro-ministro de Portugal. Viviam-se tempos políticos de grande tensão, com eleições presidenciais a terem lugar  três dias depois.  As condições em que as mortes tiveram lugar deram origem, desde então, a uma interminada polémica - entre os que entendem que se tratou de um acidente e os que favorecem a tese de um atentado.

É sempre pena ver a análise de acontecimentos desta importância reconduzida e praticamente reduzida ao contraditório do debate político. A imagem dos países sai sempre engrandecida quando questões com esta gravidade ficam totalmente clarificadas, com a verdade a emergir por si própria e de forma indisputada. Infelizmente, no caso do desastre de Camarate, a história política portuguesa terá de viver, para sempre, com o peso do enigma.

segunda-feira, novembro 30, 2009

Independência


O dia 1º de Dezembro, data que marca a recuperação da independência de Portugal face a Espanha, em 1640, parece ter hoje um significado residual para a maioria dos portugueses. Já muito poucos recordam a história da revolta aristocrática que, aproveitando habilmente a fragilidade conjuntural de Madrid, repôs a coroa numa personalidade portuguesa, na figura de um titular da família Bragança. Pergunte-se, pelas ruas do nosso país, a razão de ser deste feriado e - garanto! - as respostas serão as mais díspares e disparatadas.

A ditadura do Estado Novo procurou aproveitar, de forma oportunista, as grandes datas da nossa nacionalidade. Ao politizar esses momentos, ela contribuiu decisivamente para a diluição da sua importância no imaginário colectivo e, por uma reacção a contrario, fez deles afastar os cidadãos, o que resultou na quebra da herança histórica intergeracional com que se define um país. Confesso que sinto alguma nostalgia quando vejo o modo respeitoso como os franceses ou os britânicos comemoram as suas datas fundacionais, ao mesmo tempo que observo a displicência com que, em Portugal, se olham tempos similares nossos. E isto é tanto mais estranho quanto a nossa História, por ser muito antiga e rica, justificaria que as novas gerações olhassem para ela com bastante orgulho.

Na minha juventude, o 1º de Dezembro era uma data cheia de comemorações oficiais. Por todo o país, o dia era prenhe de desfiles e romagens esforçadamente patrióticos. Nos meus primeiros anos do liceu, em Vila Real, para a marcha militarista obrigatória que fazíamos pelas gélidas ruas da cidade, de calção castanho e camisa verde, com o cinto com um críptico S, a minha mãe acolchoava-me com camisolas interiores sobrepostas, para evitar as gripes que, à época, não tinham siglas cosmopolitas como as de agora. Mais crescido, passei a ir às "ceias do 1º de Dezembro" e a colaborar nas récitas do Teatro Avenida, onde a proverbial injustiça da crítica impediu que ficassem gravadas em glória algumas imorredouras "performances". Já de capa e batina, íamos cantar pela cidade o hino da Restauração, com uma letra "estadonovista" que era uma espécie de segundo hino da Mocidade Portuguesa. Os nostálgicos podem ouvi-lo aqui. Eu, confesso, ainda sei de cor a letra.

Hoje, o 1º de Dezembro está transformado numa data caricatural, comemorada por grupos minoritários, em busca de um reconhecimento que o público lhes nega e que só alguns blogues de seita acolhem. Neles sobrevive um anti-espanholismo primário - essa doença infantil do portuguesismo - que acaba por obscurecer os verdadeiros novos perigos que o país corre no plano externo.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Maneta

Há dias, um leitor lembrou-nos a relação com a França da conhecida expressão portuguesa "ir para o maneta" - com o sinónimo de destruir ou de dar cabo de alguma coisa. Tem também como significado vulgar escangalhar-se, estragar-se, avariar e morrer.

Fui ver a essa magnífica ferramenta informática que é o Ciberdúvidas e confirmei que, na origem da expressão, está a figura do General francês Loison, companheiro de Junot, durante a primeira invasão francesa. Loison, segundo revela Orlando Neves, no seu "Dicionário de Expressões Correntes", havia perdido um braço numa batalha e, em Portugal, "revelou-se um homem de extrema ferocidade e malvadez, que exercia torturas violentas nos presos e foi responsável por várias mortes".

Na memória popular ficou o verso:

"O Jinot (sic) mai-lo Maneta
julgam Portugal já seu:
É do demo que os carregue
e também a quem lho deu."

Outros tempos, em que imagem da França, apesar de dividir sectores da opinião portuguesa, não era a que é hoje. Felizmente.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Sair & entrar

Há dias, num jantar aqui em Paris, veio à baila a origem da nossa expressão "sair à francesa", que também é usada noutros países europeus. Desde há muito que a liguei à ideia de alguém que, numa festa ou numa outra ocasião social, se escapule "sem dizer água-vai" (e aqui está outra expressão interessante, desta vez muito lisboeta) aos donos da casa. Por que razão isso aparece ligado aos franceses, sempre tidos por seguidores estritos de protocolo, não se sabe.

Isto leva alguns, mais simpáticos ou mais imaginativos, a irem para a justificação de que se trata de uma corruptela de "saída franca", isto é, saída livre de mercadorias, sem pagar impostos. A verdade é que a expressão é antiga entre nós. Nicolau Tolentino, o poeta satírico que morreu em 1811, escreveu: "Sairemos de improviso/despedidos à francesa". O que inviabiliza as versões que a ligam ao tempo das invasões napoleónicas.

Pelo sim pelo não, os franceses "passaram a bola" através da Mancha e criaram a expressão "filer à l'anglaise" (ver nota no fim), fórmula que já tenho visto utilizada num sentido não físico, por exemplo, designando uma escapatória numa conversa que se torna menos conveniente. Quem souber mais sobre isto que se levante por escrito.

Para que este post não pareça agressivo para o país que tão generosamente me acolhe no seu seio, para utilizar a fórmula do saudoso A.B. Kotter, aqui fica uma diplomática nota de tom auto-flagelatório: em Itália, "entrare alla portoghese" significa ter acesso a algo sem ser convidado ou sem pagar.

Só que, neste caso, e repercutindo outro clássico, parece que a História nos absolverá. Com efeito, a ideia terá ficado na memória italiana pelo facto de, aquando da famosa embaixada do rei dom Manuel I ao papa Leão X, os cidadãos portugueses que a integravam terem sido, por um gesto de hospitalidade local, isentos de pagamento para a frequência de locais públicos. Daí decorre, talvez, a generalização que passou a fazer-se. Mas, porque não tenho vocação para ser um "historiador à Saraiva", também não garanto, em absoluto, a consistência desta versão. A qual, como por lá também se diz, "se no e vera e bene trovata".

Em tempo: eu tinha escrito erradamente "sortir à l'anglaise". Um leitor atento esclareceu-me (leiam-no nos comentários)

terça-feira, outubro 20, 2009

Portugal e Brasil

Depois do triste "affaire" Maitê Proença, talvez valha a pena lembrar que há quem, no Brasil, tenha uma visão bem mais interessante - e incomensuravelmente mais culta! - daquilo que liga os dois países.

É claro que não me dá jeito nenhum aceitar o amável convite que recebi para ir ao Leblon na próxima semana, mas este livro de Ângela Dutra de Menezes, agora em nova edição, é um excelente exemplo de como a realidade portuguesa pode ser lida de outra forma, bem mais carinhosa e elaborada, embora sem necessitar de ser pesada, e por mais provocatório que o título possa parecer à "sensibilidade" de alguns ouvidos portugueses.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Boaventura

Hoje, apetece-me contar uma historieta da minha terra, de Vila Real, que ouvia ao meu pai.

Na minha adolescência, vivia na cidade uma figura de porte imponente, sempre bem vestida e com um chapéu cinzento, que parecia apenas pousado no alto da sua cabeça, que dava pelo nome de Boaventura. Ao que se sabia, o senhor Boaventura vivia dos rendimentos de anteriores actividades comerciais no Brasil, que lhe garantiam a prosperidade que transparecia no seu quotidiano. Homem sociável, bem disposto e de trato agradável, parava pelos finais de tarde na Relojoaria Salgueiro, na "rua central", local para conversas soltas, sem agenda, entre amigos.

Estava-se nos anos 60, algumas crises sacudiam então o país, tentativas de golpes políticos tinham sido abafadas, ideias "avançadas" (como à época se qualificavam as ideias de esquerda) iam fazendo o seu clandestino caminho, Portugal dava ares de estar já cansado de "viver habitualmente", como o doutor Salazar desejaria.

Num desses fins de tarde de charlas, um dos amigos do senhor Boaventura não resiste, e lança-lhe, irónico e ousado: "Ó Boaventura, você tem de se 'pôr a pau', homem! Isto está a aquecer, um destes dias o comunismo vem 'por aí acima' e o meu amigo, que não faz nada na vida, vai ter que começar a trabalhar".

O Boaventura não se desmancha e responde: "Pode ser que sim. Mas uma coisa é certa: quarenta anos de boa vida já ninguém me tira!".

Contei hoje esta historieta a Lídia Jorge, à hora do almoço. O comentário dela foi de que não era por acaso que o nosso homem se chamava Boaventura...

quarta-feira, julho 01, 2009

La Lys

A foto mostra a casa onde esteve instalado o Quartel-General do Corpo Expedicionário Português (CEP), em Saint-Venant, perto de La Lys. É uma propriedade excelentemente cuidada, com um magnífico jardim e lago, onde existe um turismo de habitação e se preserva com carinho a memória da presença portuguesa. Assumindo, sem complexos, a publicidade, aqui fica uma sugestão de hospedagem para quem quiser fazer uma romagem completa a La Lys, que deve incluir ainda o Cemitério militar português de Richbourg e o monumento evocativo em La Couture, da autoria de Teixeira Lopes.

Acompanhado do Adido de Defesa e da Conselheira Cultural da Embaixada, estive ontem em Saint Venant a estudar com os proprietários do antigo Quartel-General, a família Rousseau, as possibilidades de reforçarem os traços desse singular tempo militar de Portugal em França e de ajudar a transformar o local num traço de união cultural futura franco-portuguesa.

Aproveitando uma indicação dada pelo proprietário da casa, Didier Rousseau, deixo aqui a ligação para um interessante site francês que rememora a Batalha de La Lys.

quinta-feira, maio 28, 2009

28 de Maio

Há minutos, um amigo perguntava-me se, nas notas que este blogue costuma fazer em relação a algumas datas portuguesas, não havia espaço para o 28 de Maio. Não que ele pretendesse comemorá-lo - deixou claro -, mas porque isso seria talvez interessante, como memória para alguns leitores mais jovens, para quem as diferenças entre tempos passados acabam por diluir-se no seio de alguma indiferença. Tem toda a razão.

O movimento de 28 de Maio de 1926 foi um golpe de Estado militar, com apoio de sectores conservadores civis, que pôs termo à experiência democrática iniciada cerca de 16 anos antes, com a instauração da I República, em 1910. Muito por obra da persistente oposição dos seus inimigos, a que se somou a incapacidade da burguesia urbana de consensualizar um modelo político fora dos vícios do antigo rotativismo monárquico, cumulado por um agitação operária que ia com os tempos, a jovem República acabou por instalar um regime de grande instabilidade política, que alienou, sucessivamente, vários sectores sociais, diminuindo drasticamente a sua base de apoio.

Na execução do 28 de Maio cooperaram forças de vária natureza, desde monárquicos revanchistas a republicanos desiludidos, de sectores integristas católicos a meios empresariais cansados das tensões sindicais. O movimento, que acabou por se revelar filofascista, teve inspiração em modelos congéneres que emergiram noutros países europeus e, no caso português, acabou por servir de escape a um profundo mal-estar no seio da instituição militar, que a participação na Primeira Grande Guerra tinha potenciado.

Em poucos dias, o 28 de Maio trucidou sucessivamente dois dos seus líderes, acabando a nova Ditadura Militar por deixar na chefia do Estado o general Óscar Fragoso Carmona, que abriu o caminho que viria a ser prosseguido pelo jovem economista coimbrão, militante católico conservador, que deu pelo nome de António de Oliveira Salazar.

Um dia, Salazar, num dos seus mais célebres discursos, disse: "Sei o que quero e para onde vou". E, porque ele sabia, escusou-se a perguntar aos portugueses, durante quase 40 anos, se queriam ir por aí.

sábado, março 21, 2009

Alcoforado

Ontem, escrevi aqui, com óbvia ironia, que as famosas Cartas Portuguesas, escritas pela freira Mariana Alcoforado ao seu amor francês, o conde de Chamilly, seriam um "efeito colateral" positivo das invasões francesas.

Erro crasso, que agora plenamente assumo, graças a uma nota do nosso correspondente Vasco Campilho: Maria Alcoforado viveu entre 1640 e 1723, isto é, muito antes das invasões francesas, que ocorreram no início do século XIX. Chamilly estava em Portugal, não como invasor, mas como aliado a ajudar o país na guerra da Restauração da independência. A foto é da janela do Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, que se diz que Mariana utilizava para olhar o mundo exterior.

Só não concordo com Vasco Campilho quando ele diz que "soror Mariana não se teria entregue com o mesmo ardor ao representante de uma potência ocupante". Sabe-se lá que invasões o amor pode desencadear...

sexta-feira, março 20, 2009

Invasões francesas


Pelo segundo ano consecutivo, a cidade de Boticas, em Trás-os-Montes, vai honrar uma tradição de dois séculos e, com fins comerciais, enterrar em saibro garrafas do vinho da região.

O chamado “vinho dos mortos” teve origem nas invasões francesas em 1808. Para evitar as pilhagens, a população escondeu vinho debaixo de terra. Quando os invasores se retiraram, descobriu-se que o vinho estava melhor. A tradição manteve-se em várias famílias, mas, até recentemente, apenas para consumo caseiro.

Daqui se prova que as invasões francesas acabaram, afinal, por ter alguns “efeitos colaterais” positivos...

Em tempo: eliminou-se neste post a referência às Cartas de soror Mariana. Veja porquê aqui.

E, sobre o assunto, leia também A Nova Floresta.

terça-feira, março 17, 2009

Bijagós... nazis!

Num artigo a propósito da Guiné-Bissau, o "Figaro" de hoje traz a seguinte pérola de jornalismo, referindo-se às ilhas Bijagós:

"Le chapelet d'îles dispose des pistes d'avion de fortune construites par les Portugais pour les nazis pendant la Seconde Guerre mondiale."

A imaginação não tem limites...

segunda-feira, março 16, 2009

O "16 de Março"

Foi um tempo confuso, revelador de que o “movimento dos capitães”, formado no final de 1973 com finalidades de reivindicação corporativa mas que evoluíra já para um projecto político que tinha como principal objectivo o derrube do regime, ainda tinha dentro de si algumas significativas contradições, fragilidades e hesitações.

A demissão do general António de Spínola do cargo de vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, na sequência da publicação do seu livro “Portugal e o Futuro”, lançou uma forte perturbação no seio dos seus apoiantes. Na sua sequência, em 16 de Março de 1974, um grupo “spinolista” tomou conta do regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, numa acção que, supostamente, era destinada a provocar o levantamento de outras unidades militares, finalizando com uma marcha sobre Lisboa. Por razões que ficaram deficientemente explicadas, essa movimentação militar havia sido mal planeada e não teve qualquer eco. O regime reagiu, embora com cuidada moderação repressiva, e deteve os revoltosos na prisão militar da Trafaria.

O que terá levado os “spinolistas” a esta aventura? O próprio Spínola tê-los-á estimulado? O desejo de tomarem a liderança de uma revolução que talvez pressentissem que, sem essa atitude vanguardista, escaparia ao seu controlo, como viria, de facto, a acontecer?

Para quem planeava a queda militar do regime, o “16 de Março” terá tido a grande virtualidade de mostrar as cartas de que o Governo dispunha, a sua capacidade de reacção e as forças militares com que podia contar.

Na unidade militar em que eu prestava serviço, como oficial miliciano, serviu claramente para “contar espingardas” e para perceber quem, chegado o momento da verdade, estava ou não disposto a arriscar-se a lutar. E, do mesmo modo, a identificar quem teria de ser neutralizado.

Há precisamente 35 anos, o “16 de Março” foi já o prenúncio do 25 de Abril.

sábado, março 14, 2009

Portugal em Paris

"Les Portugais à Paris - au fil des siècles & des arrondissements" passa a ser uma bíblia para quem, como eu, tenta hoje descobrir na capital francesa as marcas da passagem dos portugueses. Com humor, de uma forma leve e numa escrita agradável, lá está tudo quanto de português deixou alguma marca por Paris.

Este trabalho de Agnès Pellerin, em que colaboraram Anne Lima e Xavier de Castro, tem gravuras de Irène Bonacina, onde, com grande imaginação, dom Sebastião, Vasco da Gama e Eça de Queirós se cruzam com gentes de hoje. E uma capa onde Paris passa a um azulejo português.

Fizemos ontem o pré-lançamento de mais esta edição de Michel Chandeigne no Salon du Livre, com vinho português e boa disposição.

terça-feira, março 10, 2009

O "11 de Março"

Faz hoje 34 anos que teve lugar aquilo que a História contemporânea portuguesa acolheu com a designação de “11 de Março”.

Trata-se de um momento culminante da radicalização do processo político-militar iniciado com a Revolução de Abril e que acabou por ser provocado por uma desastrada tentativa de golpe de Estado, levada a cabo, nessa data, sob a tutela do general António de Spínola – o qual, em Setembro do ano anterior, abandonara a Presidência da República, em conflito com o Movimento das Forças Armadas, mas em torno de quem ainda se concentravam as esperanças de um fiel sector militar conservador.

A reacção a esta tentativa frustrada de golpe militar deu espaço, nesse mesmo dia, à afirmação da predominância de forças que favoreciam um salto qualitativo no processo político, numa direcção mais socializante, levando à quase imediata nacionalização de vários sectores económicos.

A Revolução portuguesa sofreu, a partir daí, uma aceleração que começou a alienar algumas áreas políticas e militares que até então a apoiavam, mas que passaram a não se rever no que consideravam ser o curso extremista do processo político português.

Meses mais tarde, o V Governo provisório, de curta duração e com uma base ideológica muito reduzida, acabou por ser a consagração institucional da radicalização iniciada em 11 de Março de 1975. Num outro registo, o “Documento dos Nove” seria o manifesto doutrinário que reflectiria a visão de sectores militares moderados, que se opunham a esta linha revolucionária.

O conflito, que cedo se verificou insanável, entre estas duas tendências não cessou, a partir de então, de se aprofundar. O movimento iniciado no “11 de Março” acabaria, política e militarmente, por força da reversão política operada pelos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975.

Mas a marca do "11 de Março", em especial o seu efeito no tecido económico português, prolongou-se por muitos anos.

A França e NATO

A classe política francesa está hoje dividida pela decisão, anunciada pelo presidente Sarkozy, de fazer regressar o país à estrutura militar integrada da NATO, por ocasião da próxima cimeira da organização, já em Abril.

Este é um debate complexo, porque se prende com a "excepcionalidade" que o Presidente De Gaulle criou para a França face à organização, num momento em que Paris pretendeu afirmar a sua autonomia em matéria de armamento nuclear. A partir de então, polarizada por uma certa conflitualidade com os Estados Unidos, fruto da rejeição do que considerava ser uma espécie de tutela de Washington sobre a defesa europeia, a França marcou as suas distâncias face à NATO, afastando-se da sua estrutura militar, embora não abandonando os mecanismos políticos da Aliança Atlântica.

O mundo, entretanto, mudou muito. O muro de Berlim caiu, a URSS desmoronou-se e a Guerra Fria acabou, o derrubar das torres gémeas trouxe o alerta para novas ameaças e a segurança e a defesa europeias vieram, progressivamente, impor-se como uma realidade sem a qual tem pouco sentido e eficácia o próprio projecto político integrador do continente. A França acabou por caminhar, nos últimos anos, num relação de crescente proximidade com a NATO, participando em operações da organização, dentro e fora do teatro europeu, e partilhando, na prática, as suas novas opções em matéria de afirmação operacional e doutrinária.

Com as expectativas criadas pela chegada de uma nova administração americana, e com as hipóteses disso poder criar um espaço inédito para a estruturação de uma defesa europeia autónoma mas não conflitual com a pertença à NATO, o Presidente Sarkozy decidiu pôr termo ao isolamento simbólico que a França mantinha. E, com isso, pode garantir a obtenção de postos de decisão no seio da organização, à altura da importância da contribuição francesa, bem como passar a ter uma palavra relevante no respectivo planeamento estratégico.

A decisão de fazer regressar o país à estrutura militar integrada da organização é um opção contra a qual hoje se batem, numa conjuntural conjugação táctica, alguma direita e centro políticos, bem como toda a esquerda francesa. A ironia é que, contra a opção do Presidente, acabou por erigir-se uma espécie de nova frente gaullista, sendo que vale a pena notar que o Presidente francês também se reclama historicamente da herança do General. Interpretando-a, contudo, à sua maneira.

Numa era das especulações, a questão poderá ser: que pensaria hoje o General De Gaulle de tudo isto? Como reagiria perante as novas circunstâncias que se impõem ao seu país?

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

República

É já para o ano que se comemorará, em Portugal, o centenário da implantação da República. Parte do programa das comemorações acaba de ser anunciado pelo respectivo presidente, Artur Santos Silva.

Historicamente, Portugal foi a segunda República a ser criada na Europa, depois da República Francesa, se descontarmos o modelo mais atípico da Confederação Suíça.

A ideia da República - que em França se assume de há muito como uma espécie de ética colectiva de cidadania - acabou por ter em Portugal um percurso ligeiramente diverso. Explorando o ambiente de alguma decadência nacional, que marcou o período da monarquia constitucional durante o século XIX, as ideias republicanas impuseram-se então como um sopro de patriotismo, naturalmente também marcado pelo cultivo dos princípios da clássica trilogia liberdade - igualdade - fraternidade, bem como pela afirmação da educação como o centro do processo emancipador do povo.

Em 1910, uma Revolução eminentemente urbana derrubou o regime monárquico, que estava muito enfraquecido por sucessivas crises, por uma deriva autoritária e, em particular, pelo assassinato violento, dois anos antes, do rei e do seu sucessor directo. O novo regime que daí resultou - uma democracia parlamentarista que mais tarde veio a ser conhecida como 1ª República - teve um percurso atribulado, numa sociedade política muito dividida, com a emergência de lutas operárias e fortes tensões sociais, instabilizado também pela acção dos seus inimigos, muitos deles ligados aos derrotados de 1910.

No ano de 1926, seguindo a tendência autoritária que se afirmava pela Europa, a 1ª República portuguesa foi derrubada por uma ditadura militar, a qual, a partir de 1933, deu origem ao regime do chamado Estado Novo, servido por uma Constituição antidemocrática e um ambiente de forte limitação das liberdades públicas.

Se bem que inscrito nas novas instituições, o conceito de "República" foi então diabolizado, em permanência, e a imagem dos tempos convulsos da 1ª República foi usada à saciedade como exemplo político negativo. À época, alguém se afirmar "republicano" era equivalente a dizer-se "democrata", o que praticamente significava assumir o risco de ser colocado no grupo dos opositores ao Estado Novo.

Com a Revolução democrática de 25 de Abril de 1974, a República ganhou pleno reconhecimento e dignidade. A Constituição de 1976 consagrou mesmo um novo nome para o parlamento, que deixou de ser a "Assembleia Nacional" do Estado Novo para passar a designar-se "Assembleia da República".

Talvez pelo facto da ideia republicana continuar a não ter hoje em Portugal uma imagem substantiva similiar à que tem em países como a França - e apareça ainda muito ligada ao simplismo da dualidade contrastante com a Monarquia -, as comemorações previstas para 2010 têm a intenção de sublinhar os fortes valores de cidadania que sustentaram a luta de quantos, ao longo de muito mais do que um século, sustentaram em Portugal a luta pelos ideais republicanos.

Mas os opositores do culto da República - uns monárquicos, outros apenas conservadores opostos ao que consideram ser o aproveitamento do ideário histórico republicano pelas forças mais à esquerda no espectro político - prometem contestar estas comemorações, pelo que se anuncia um período de alguma polémica.

Falando de acordos

Ontem, na CNN Portugal, a propósito dos instrumentos jurídicos que, seguramente, estariam a ser preparados para a deslocação - afinal, ainda...