Parte-se do princípio de que as palmas são uma manifestação de incentivo e de satisfação, por parte do público. Para quem está no palco, é um reconhecimento da qualidade da prestação. As palmas podem, contudo, não ser sinceras.
Há precisamente 95 anos, com 19 de idade, o meu pai era funcionário público em Lisboa. O salário, contava ele, não era grande coisa e, para poder ir ao teatro declamado e às revistas, procurava obter bilhetes a preços mais baratos. Eram os chamados "bilhetes de claque".
O que era isso? Eram bilhetes vendidos por intermediários, a preços bem mais baixos do que os praticados nas bilheteiras. Quem comprava "bilhetes de claque" ficava com uma obrigação, simples mas nem sempre cómoda: bater muitas palmas, ao longo do espetáculo, para "puxar" pelo restante público e assim animar a sala. Isso tanto podia ser feito nos primeiros dias de exibição, para sublinhar o "êxito" após a estreia, como acontecia quando os espetáculos entravam em declínio, em matéria de público, caso em que os bilhetes entravam em "saldos".
O momento das palmas dos portadores de "bilhetes de claque" - que creio nunca excediam uma meia dúzia de pessoas por sala - eram determinadas pelo "claqueiro", um homem que ficava de pé, encostado a uma das paredes do teatro, e que, quando entendia, batia ele próprio palmas, sinal a ser seguido pelos portadores de "bilhetes de claque".
O meu pai recordava, numa imagem da memória divertida e feliz que guardava desses tempos, que quando as pessoas que tinham adquirido "bilhetes de claque" não estavam a cumprir de forma tida por satisfatória a função a que se tinham comprometido, o "claqueiro" se aproximava delas e sussurrava: "Ó senhor! Umas palminhas! Não se esqueça!"
Vim para Lisboa cerca de 40 anos depois do meu pai. E ainda usei, por diversas vezes, "bilhetes de claque", que comprava a um cavalheiro redondo, de fato preto e cabelo empastado, plantado ao fim da tarde à porta da estação do Rossio. "Para o Variedades não tenho nada. E já está difícil para o Maria Vitória! Mas ainda há bilhetes em conta para o Monumental e para o Avenida ", dizia, em voz baixa.
Que me recorde, nunca fui recriminado pelos "claqueiros", pelo que presumo que me comportei à altura das suas expetativas. Ou, se calhar, gostei mesmo das peças que vi...
19 comentários:
Outra boa história, nunca faltam.
Já contei que tivemos a assinatura dos concertos da F.C.G. durante anos mas desistimos deles (e de muitos outros) pela incompatibilidade total entre os ares condicionados (seja onde fôr) e umas limitações respiratórias que existem aqui em casa.
Em conversa um dia destes com um advogado muito meu amigo dizia-me ele que o que mais o irritava hoje em dia era o número de espectadores que aplaudem "a despropósito" (alguns porque não saberão quando é que isso se faz "a propósito, penso eu) e mesmo de outros que se entusiasmam em sonoros e deslocados "bravos".
Vejo que o Francisco é um grande frequentador de concertos de música clássica na Gulbenkian.
Eu em tempos muito longínquos também os frequentava. Concluí facilmente que a maior parte dos frequentadores não apreciava verdadeiramente a música, ia ali tão-somente porque ficava bem.
Os aplausos fora de tempo é coisa antiga. Mais interessante seria distribuir partituras pelo público e vê-lo a seguir atentamente o concerto.
"História" é isto, o que é contado na 1ª pessoa, aqui vai com sua licença:
https://sol.sapo.pt/2024/10/30/albino-oliveira-a-proibicao-de-fumar-foi-o-fim-do-snob/
Já eu nunca consegui aplaudir atempadamente em qualquer recital ou concerto da FCG. Razão? é simples: não faço parte da casta que tem acesso aos ingressos!
O Luís Lavoura é um sortudo: consegue saber que a maioria das pessoas que vão aos concertos afinal não gosta de música. Eu, que praticamente não conheço ninguém que anda por ali, não tenho esse dom de adivinhação.
O anónimo das 16:04 está enganado, pelo menos pelo que me respeita: não faço parte de nenhuma casta, nunca precisei de falar com alguém da FCG sobre bilhetes e, desde há anos, compro-os, com regularidade, através do respetivo "site" e nunca tive o menor problema.
Pois o Anónimo das 16.04 está muito enganado.
Ou então não está mas fica sempre bem dizer estas coisas.
Nestes casos fico sempre na dúvida, estou rodeado de gente que achava um escândalo o que eu gastava na assinatura anual da FCG (que ele nem pensar nisso) e achava normalíssimo gastar bastante mais que isso em mariscadas ao longo do ano (que eu nem pensar nisso).
Por qualquer razão complexa é para muitos óbvio toda a gente gostar de marisco mas do domínio da paranóia alguém lhe preferir a música clássica.
Faço parte da "casta" que frequenta a FCG. Não tendo dotes divinatórios para aferir se a maioria das pessoas vai aos concertos porque fica bem (talvez o Luís Lavoura esteja também a falar de si próprio) vou imaginar que vão porque gostam de música clássica (ou outra) tal como eu. Tal como o Sr. Embaixador, compro os bilhetes no site.
Relativamente ao concerto de ontem: também ouvi as palmas extemporâneas, silenciadas através de shiiiius! assertivos. Não sei a sua opinião: para mim, o Requiem Alemão de Brahms é das obras mais bonitas da música clássica; já acompanhada ao(s) piano(s) (foi a primeira vez que ouvi) pareceu-me estranho; confesso que não gostei. Não resisti a comparar com o concerto do ano passado, com orquestra - claramente superior.
10:51 - este gajo só diz patacoadas... ainda dá troco? pls...
Há realmente espectadores que querem “ver e ser vistos” como diz um amigo meu, que detesta ópera.
De facto só um notável coro (e o da FCG é) se poderia “atrever” a interpretar a denominada “versão londrina” do Requiem Alemão de Johannes Brahms sem orquestra, a grandeza de uma obra coral desta dimensão arriscava-se a ficar muito diminuída.
Brahms fez o arranjo para o acompanhamento de 2 pianos (começou por o fazer para piano a 4 mãos) com a ideia de que pudesse ser apresentado com mais frequência em locais onde uma orquestra não estaria disponível, digamos que em ambientes mais “familiares”, mas não parece que estivesse à espera que alguma vez fosse objecto de apresentações em salas de espectáculo.
É evidente que, existindo tão vasta e tão boa discografia dedicada a esta obra (terei 7 ou 8 versões), um concerto como o de ontem talvez “saiba a pouco” para muita gente, mas é uma oportunidade rara de ouvir esta versão ao vivo, que nenhum melómano gosta de perder (neste caso a discografia é pouca).
Aconteceu o oposto com a “Petite messe solennelle” de Giochino Rossini (que não é assim tão pequena), a versão original é para solistas, coro e 2 pianos e só depois ele fez o arranjo para orquestra, interpretada menos vezes.
em tempo: ontem calhou ver as fatais palmas de Lord Edgware ...
Obrigado pela sua explicação sobre o Requiem, que desconhecia.
Relativamente às "7 ou 8 versões" não resisto a contar um pequeno diálogo, tido numa altura em que eu era bem mais ignorante em matéria de música clássica. Falava com um amigo melómano sobre o Requiem de Mozart, e ele perguntou-me que versão tinha eu em casa. Respondi-lhe e ele foi contundente: 'pois, tens a pior...'
Esperando que os ânimos já se tenham acalmado, esclareço: a eventual dificuldade, ou facilidade, em adquirir ingressos para as temporadas de concertos da FCG não está aqui em causa. Resido bastante longe de Lisboa, numa quinta isolada da Beira Alta, e está fora de questão a assiduidade em qualquer "temporada". Na realidade, quando procurei bastante antecipadamente assistir a qualquer concerto ou recital (o último foi o de Sokolov em Maio passado) sempre bati com o nariz na porta. Não se abespinhem, portanto com a expressão "casta" porque já cá não está quem falou!
Anónimo das 16:04
Um Post com um cunho de humor finíssimo, que muito me divertiu a lê-lo.
Sobre Brahms, um compositor do período do Romântico, que muito aprecio, há algumas histórias dele muito engraçadas, mas agora passou a oportunidade de as contar. Fica para outra altura.
Voltando ao Post, recordo-me de um familiar meu me relatar essa cena das palmas no teatros. Como disse atrás, este Post é uma peça de delicioso humor.
a) P. Rufino
JdB
Agradeço as suas palavras.
Confesso que não me guio muito nem pelas listas dos especialistas nem pelas opiniões dos amigos melómanos, a bem ver as listas raramente coincidem nas escolhas e os amigos muito menos, pelo que o diálogo tão saboroso que nos trouxe aqui traz-me memórias de muitos outros que eu tenho tido ao longo da vida.
Quando me perguntam qual é a melhor versão disto ou daquilo respondo sempre que não sei, cada um terá a sua ou as suas.
Claro que acabo por fazer uma sugestão ou outra, senão até parecia mal.
Hoje em dia, entre o acesso à música por meio das novas tecnologias e a leitura de algumas “reviews best of” aí na net, onde certamente 2 ou 3 versões coincidirão, está tudo muito facilitado para a escolha.
Não terá o meu caro “a pior” versão” do Requiem de Mozart, o que o seu amigo poderia ter dito era que tinha “a pior” das 10 melhores, é obra que toda a gente gravou, alguns até não resistindo a dar-lhe ali uns retoques (nada como ter na capa “versão revista por…”) e, nesse caso, não haverá diferenças substanciais de qualidade da interpretação.
Ora a partir do momento em que o Milos Forman resolveu dar cabo do bom nome do Antonio Salieri (que já não estava cá para se defender e nem era mau rapaz), recrudesceu o entusiasmo com o Requiem, toda a gente fala dele, pouca gente o ouviu, o habitual.
O Requiem é uma carga de trabalhos para os melómanos pois o compositor só o escreveu até ali aos oito primeiros compassos do “Lacrimosa” e foi acabado pelo seu discípulo Süssmayr (há dúvidas que tenha sido ele mas acho que são só para vender jornais).
Isso fez com que durante anos houvesse “puristas” que, chegados ali ao fim dos 8 compassos, faziam um intervalo de alguns segundos antes de continuar ou, mesmo mais, terminavam ali a interpretação e pronto. Já ninguém o faz.
Poder ter várias versões é evidente que facilita as coisas (da “Raphsody in Blue” do George Gershwin tenho 21 porque, para se poder ter mesmo “quase tudo” dele, leva-se sempre com mais uma versão daquela peça que é o chamariz para vender qualquer disco).
Aqui há uns anos houve um jantar em casa de um amigo meu que fez questão de me pôr na mesa de um “conhecedor de música clássica”, a quem previamente avisara dos meus interesses musicais.
Põe-se então o outro senhor a fazer-me um adequado “interrogatório”, o que é que eu tinha de um compositor do século XVIII de que eu nunca tinha ouvido falar e se tinha um certo disco de um trompetista de jazz de que também nunca ouvi falar (o o jazz dos anos 50, 60, 70 também é bem-vindo).
Disse-lhe que não conhecia nem um nem outro.
Diz-me o senhor “Tinham-me dito que percebia de música clássica e jazz” ao que levou com o habitual “Dessas coisas percebo um pouco, de curiosidades escolhidas a dedo para impressionar é que não”.
Nunca mais coincidimos os dois num jantar por lá.
Já ando há muitos anos a ouvir “especialistas instantâneos"...
Uma boa noite para si
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