À minha casa, em Vila Real, na longínqua noite em que a então recém-criada RTP editou o seu primeiro Telejornal, faz hoje precisamente 65 anos, não chegava ainda o "sinal" da RTP. Nem sequer tínhamos aparelho de televisão, claro!
Demoraria uns bons anos até que a "antena do Marão" viesse a ser instalada e uma imagem a-preto-e-branco, cheia de grão, acompanhada de um som fanhoso, um dia trouxesse, para nosso júbilo, esse admirável mundo novo que era emitido a partir de Lisboa.
Ao tempo, o noticiário que sempre era escutado com alguma atenção, lá por casa, muito antes do Telejornal poder ser visto, e que, depois, coexistiu com este, era o da velha Emissora Nacional, entidade que, nos dias de hoje, se chama RDP e que faz parte da empresa RTP.
A RTP, quando foi criada, e por muitos anos, chamou-se "Radiotelevisão Portuguesa". Hoje, é designada "Rádio e Televisão de Portugal", para quem possa ainda não ter notado. É que, além dos seus vários canais de televisão, tem inúmeros canais de rádio.
(Já agora: conhece algum canal de rádio, além da Antena 2 da RDP/RTP, que, em Portugal, transmita música clássica? Pense nisto! E aproveite para refletir sobre a ideia governamental de retirar a publicidade ao canal 1 da RTP, tornando a empresa dependente da boa vontade financeira dos governos.)
Hoje de manhã, a propósito de um assunto que não vem aqui para o caso, fui convidado para uma conversa num desses canais de rádio. E foi então que me dei conta de que a casa estava a preparar os festejos dos 65 anos do seu Telejornal.
À senhora das relações públicas, que me recebeu à porta da RTP, eu disse uma frase enigmática: "Espero que não se esqueçam do telefone preto!" Ela, claro, não podia perceber que eu me referia a um aparelho que, por muitos anos, figurou sobre a mesa, ao lado dos locutores (muitos não eram então jornalistas, mas simples debitadores de textos preparados por outros) que liam as notícias, nesse tempo em que o teleponto ainda não existia (já agora: começou a ser usado nas "Conversas em Família" de Marcelo Caetano, no final dos anos 60).
Para que seria o telefone na mesa, muita gente se interrogaria, tanto mais que visivelmente nunca era utilizado? Supostamente, seria para dar notícias de última hora. Que me recorde, só por uma vez assisti a um desses "grandes momentos", com o telefone a tocar, o país em "suspense" e o locutor a tomar curta nota de uma notícia "grave", que nos transmitiu de seguida. Gabo-me de ter boa memória, mas não me lembro qual teria sido o assunto.
A comemoração de hoje creio que terá esquecido o tal telefone (que julgo existir no Museu da RTP, uma exposição que, infelizmente, não é muito acessível ao público em geral). Deixo-o aqui à vista, numa imagem de Gomes Ferreira (não, não é esse homónimo em quem estão a pensar!) e de uma outra onde figuram Fialho Gouveia e Fernando Balsinha. Esta última fotografia tem (para mim) a curiosidade especial de eu estar, nesse mesmo instante, fardado, por detrás da câmara, nessa ocasião em que a minha unidade militar ocupou a RTP, num certo dia de Abril de 1974.
Parabéns, RTP, pelos 65 anos do seu Telejornal!
8 comentários:
Este texto que retrata muito bem a televisão dessa época trouxe-me à memória um episódio a que assisti lá para meados dos anos 60.
A horas mais tardias que o telejornal havia uma curta rubrica com notícias desportivas, leia-se sobretudo "bola", apresentada por um jornalista desportivo.
Certa noite, o jornalista sentado à secretária, após a leitura de algumas informações começou a ficar um pouco inquieto olhando a miude para a sua esquerda. Percebemos então que estava alguém, ali ao lado, que pretendia fazer chegar o famoso telefone preto, mas o fio era curto.
O jornalista desculpou-se como pôde e quase desapareceu atrás da secretária para atender a chamada, depois desculpando-se novamentevla deu a notícia, que não me lembro qual foi.
Rimo-nos muito no dia seguinte porque o jornalista era o pai de um colega do liceu.
Talvez nas últimas 15 linhas deste texto, a partir de "Para comunicar...":
https://museu.rtp.pt/livro/50Anos/Livro/DecadaDe60/NoReinoDo/Pag19/default.htm
Recordo-me de que, quando apareceu a Televisão, havia um pequeno Café (ainda hoje existe mas já não é pequeno) ao lado do sítio em que eu morava e tinha televisão. Todas as noites juntavam-se dezenas de pessoas da parte de fora, espreitando o que ia naquele aparelho que nunca tinham visto. Este espectáculo durou meses ou, já não me lembro, anos. Eram pessoas que queriam ver a novidade mas não tinham dinheiro para uma bica (que já existia mas pouca gente tinha o vício) e não tinham coragem para entrar sem fazer despesa. Aliás nesse tempo poucas mulheres, jovens ou não, iam para o Café sozinhas.
Zeca
Em tempo.
Quem quiser saber mais coisas começa por aqui e logo as encontra:
https://museu.rtp.pt/livro/default.htm
Manuel Campos, muito obrigada pelos links.
Quando apareceu a televisão lembro-me de uma loja que vendia electrodomésticos e a minha mãe era cliente, na Rua Prior do Crato em Alcântara, colocava todos os fins de tarde um televisor ligado na montra e as pessoas que passavam ficavam paradas uns instantes a apreciar aquela novidade.
Morando ali na zona a partir do princípio dos anos 60, relembro a loja da RTP na esquina da Praça de Londres com a Avenida de Paris, onde se passavam algumas cenas como as que o António nos traz aqui, ainda que aquela zona fosse pouco propícia na época a ser muito afectada pelo problema do "dinheiro para uma bica".
É também bem lembrado que o hábito de beber café estava longe de generalizado, algo que se esquece muito mas de que se encontram muitas referências por aí.
Segue mais uma ligação, estou a abusar mas hoje não podia ser de outra maneira:
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/loja-da-rtp/
Flor
Sempre atenta e cuidadosa.
Eu é que lhe agradeço.
Um resto de bom domingo.
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