segunda-feira, outubro 14, 2024

2011 e a ausência de um gravador


A partir de 2011, e por alguns anos, Portugal atravessou um período muito difícil nas suas contas externas. O agravamento dos desequilíbrios financeiros obrigou, a certo momento, a um pedido de ajuda internacional, com a subsequente negociação de um acordo com instituições multilaterais. Depois, todos fomos assistindo ao desembarque regular em Lisboa de representantes daquelas instituições que, por um tempo longo, por cá vinham dar ordens e emitir notas críticas sobre o nosso comportamento na obediência a essas ordens.

Não é objetivo deste texto falar dos heróis e dos vilões que cada um apoiou ou detestou no filme desse tempo. Já quase tudo foi escrito sobre esses protagonistas e está claro o que cada um pensa. Não vou por aí. 

Como se imaginará, por aqueles dias, as antenas de Portugal pelo mundo  - as nossas embaixadas - estiveram atentas e, cada uma à sua medida e à escala daquilo que lhe era solicitado que fizesse, procurou desenvolver o trabalho que lhe competia, umas melhor outras pior, como é da lei da vida. Cada caso foi um caso e cada experiência foi diferente das outras, se bem que integradas num todo complementar, que significou a contribuição dada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros nesse período.

Pode haver quem tenha pena que, num almoço de hoje, num discreto lugar de Lisboa, não tivesse havido um gravador para recolher os testemunhos ali prestados pelos embaixadores portugueses que, nos meses que antecederam e que sucederam ao pedido de ajuda externa, estavam então colocados em três importantes capitais: Berlim, Paris e Londres. Por quase três horas, cruzámos episódios, conferimos versões e olhámos retrospetivamente o que Lisboa significou então para nós, como centro de instruções e de informação. E também o que não significou, as nossas angústias e a nossa solidão. Nessa conversa, solta e sem peias nem baias, falámos livremente da parte que a cada um competiu naquela história. E tudo por ali ficou. 

7 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Lembro-me de um preto, acho que era etíope, chefe troikista, e de um holandês que falava em meninas e em vinho. Recordo igualmente um senhor ter dito a outro senhor que ou havia eleições no país ou havia eleições no partido, algo a ver com uma coisa chamada PEC IV. Esse senhor é hoje primeiro-ministro, é um tipo às direitas, mas parece que há mesmo umas gravações de umas coisas que se passaram recentemente; infelizmente, é crime fazer gravações sem consentimento de ambas as partes e por isso não serão divulgadas. Ainda bem, andam bem entregues as Necessidades ao senhor que andava bêbado há um anito e meio pelas ruas de Estrasburgo, recorda-se? A bem dizer, ele há a Palestina, ele há a Ucrânia e por enquanto governa-se com folga, com gosto, menos nos combustíveis. Seja como for, quando cair a fatura já estamos em 2025, não se podem fazer eleições e que venha então o M&M ou o Centeno para equilibrar a situação. Uma boa noite, senhor embaixador.

Carlos disse...

Lembram-se de quando no auge da crise o chefe-mor do BCE - o senhor Trichet (e este nome até daria para um jogo de palavras que ilustra alguns traços de carácter do personagem) ter aumentado as taxas de juro de forma substancial. É bom recordar a nacionalidade deste senhor no momento em que a França apresenta um défice astronómico de quase 6% - não perante uma crise financeira mas simplesmente por inépcia de governos e governados.

É bom recordar a forma arrogante como foram tratados os PIGS, lembrar como em muitos casos o paternalismo assumiu carácter de usurpação de poder como se tivéssemos passado ao estatuto de protectorado governado por Bruxelas, Frankfurt e Washington. A forma como fomos paulatinamente explorados com um bando de abutres a disputar os bocados mais apetecíveis da presa quase moribunda.

Tudo isto foi dramático mas o mais doloroso mesmo foi constatar que alguns governantes interiorizaram o papel dos suseranos afirmando alto e bom som “o nosso programa é o da troika” e explicando para quem os queria ouvir que tínhamos de comer o pão que o diabo amassou em acto de contrição pelos pecados cometidos.

É esta gente sem carácter que hoje ocupa as primeiras páginas dos jornais, está agora ocupada em delapidar “o excedente orçamental” e afirma sem pejo nem vergonha que o país não pode acumular superávits nas contas públicas. Alguns estão no governo e um deles está na CM Lisboa onde dá livre curso à demagogia esquecendo convenientemente os tempos em que servia de intermediário da troika

Carlos Antunes disse...

Senhor Embaixador
Tem razão já muito foi dito sobre os elementos da troika, que na sequência do pedido de resgate e ajuda financeira, desembarcaram em Lisboa em 2011 e que aqui se mantiveram até 2014, impondo ao governo (soberano?) português as directrizes da política económico-financeira.
Existe, contudo, uma grande nebulosa sobre esse período antes e pró-troika (há até o episódio curioso do ministro das finanças de então VG não utilizar o computador do MF, mas o da troika), a fim de esconder o teor das decisões tomadas, designadamente se a política de austeridade foi apenas um resultado das obrigações impostas pela troika, ou ela era também (“o ir além da troika”) desejada/prosseguida pelo governo de Passos Coelho.
Se nos pudesse adiantar algumas notas sobre os meandros da diplomacia portuguesa nesses três areópagos (com as devidas reservas) que antecederam o pedido de ajuda financeira, talvez nos ajude a compreender melhor esse período da nossa história recente.

Anónimo disse...

«cruzámos episódios, conferimos versões e olhámos retrospetivamente o que Lisboa significou então para nós, como centro de instruções e de informação.»

Ora bolas! Se Lisboa teve, na altura, um significado importante como centro de instruções e de informação para os senhores embaixadores então, o povo português, passados estes anos todos merecia e devia já ter sido informado desse conteúdo, por livro ou relato de media, tanto mais que esse período da 'chamada' da "troika" sob ameaça partidária do Marco António (ou vem troika ou vais tu) e negação de Cavaco (eu não sei de nada) e suas consequências políticas continua uma controvérsia de enigmas e histórias mal contadas.
Então os senhores embaixadores não estavam ao serviço de Portugal? Não é razão suficiente para nos contarem tudo que sabem a esse respeito para bom esclarecimento?
jose neves

Miguel disse...

Este é um tema que merecia um livro escrito por si, Senhor Embaixador.

Lúcio Ferro disse...

Concordo com a pessoa que assina Miguel. Um bom dia.

Lúcio Ferro disse...

Já agora, o preto etíope, chefe troikista (que contradição quando se pensa num país tão martirizado e que praticamente não existe hoje), à semelhança do VG, do Álvaro Santos Pereira, do nosso PP da TVI, para não falar da senhora da Blue Arrow, safou-se bem, é ver aqui.

25 de novembro