terça-feira, janeiro 23, 2024

Vizinhos do bem


Foi há pouco. A conversa ia animada, na mesa ao lado. Eram três jovens, na casa do vinte e tal anos: dois rapazes e uma rapariga muito bonita. Não recordo uma única palavra do que conversavam, em voz alta, num ambiente que apenas se pressentia ser de muito boa onda. Nós estávamos a cear no Snob, em frente um do outro. Conversávamos sobre os dias que aí vêm. A certa altura, passado o café, pedimos a conta. Ela foi colocada sobre a mesa e, quando nos preparávamos para pagar, o papel desapareceu. "Deve ter havido algum erro e foram retificar", pensámos. Não era assim: informaram-nos que os três jovens, que entretanto tinham saído, haviam pagado a nossa conta. E estavam a fumar, lá fora. Fomos ter com eles. O trio explicou: não nos conheciam, mas tinham achado graça à serenidade da nossa conversa a dois, ao facto de termos estado por ali a falar com atenção um no outro e, sensibilizados pelo ambiente de bem-estar que tinham deduzido existir entre nós, decidiram oferecer-nos o jantar. Ficámos sem saber o que dizer! O gesto era de uma simpatia tão rara, de uma generosidade tão tocante, que nos tinha feito ganhar a noite! Afinal, ainda há coisas muito boas na vida! 

19 comentários:

manuel campos disse...


Fica-se assim um pouco atónito até, mas é muito bom saber que isto aconteceu.

Há tempos também ouvimos, de alguém muito mais novo, com alguns percalços amorosos pelo caminho, que o sonho dele era um dia ter um casamento como o nosso, mas era alguém que nos conhecia, era um pouco diferente.

Gestos como este nunca tinha ouvido falar, mas esse "ambiente de bem estar" é contagioso para as gerações que vivem a vida a correr, vejo isso pelos meus, quando querem "parar um bocado" vêm cá a casa, sentam-se no sofá de sempre de quando eram miúdos ou adolescentes, ficam ali horas a olhar para nenhures, saem daqui prontos para as "guerras" que se seguem".
É um regresso ao "porto seguro", ao que nunca falha.

Acho que ganharam mais que a noite, ganharam uma recordação de algo muito, muito raro (e bonito).


Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Fantástico!

Isto funciona tão melhor quando vemos no outro um semelhante e não nos coibimos de nos regozijar por aquilo que é bom nesse mesmo outro.

Luís Lavoura disse...

Isto parece uma história de extraterrestres.
Não devem saber o que fazer ao dinheiro...

PedroM disse...

Três JOVENS com uma atitude destas?
Independentemente de outras considerações e antes de mais... UAU!!... RESPEKT!!

carlos cardoso disse...

Mais do que a noite, uma coisa dessas ter-me-ia feito ganhar a semana ou mesmo o mês! Parece que afinal o género humano ainda tem futuro.

Flor disse...

Luís Lavoura, desculpe, mas o senhor sente prazer em mostrar ser indelicado?

Flor disse...

Fiquei atónita. Foi talvez uma suave maneira de se desculparem.

manuel campos disse...


A 2ª edição de "Antes que me esqueça" já está disponível nas casas da especialidade.

A editora informa ainda na ficha técnica que se trata de um "reimpressão", um cuidado no pormenor que se louva.

Unknown disse...

Há jovens surpreendentes, no bom sentido! E endinheirados, também...

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Manuel Campos.A editora informou-me hoje que vai partir para uma terceira edição.

manuel campos disse...


Caro Embaixador Seixas da Costa

Muitos parabéns.
Como já se percebeu li-o com evidente prazer, tanto que já o estou a reler pontualmente, agora a entremear com outras coisas.

Escrevi em tempos aqui que, como é evidente em termos de gestão e decorrente da evolução das vendas, as editoras sabem muito bem quando partir para as edições seguintes tendo óbviamente em conta a quantidade de exemplares de cada edição e a velocidade de escoamento.
No entanto sendo a 1ª edição de novembro e a 2ª edição de dezembro, já estar a caminho a 3ª edição é algo de invulgar no mercado nacional, para um livro com estas características.

Provávelmente já estará disponível há mais tempo mas tenho andado menos (ou com menos atenção) pelas livrarias e de facto só hoje me dei conta.

sofia disse...

É pena!
Lembrei- me dum anuncio de há vários anos. E se alguém de repente lhe oferece-se um ramo de flores. Impulse!
Tantos gestos, um sorriso espontâneo, mensagens transmitidas e dificuldade em entender

josé ricardo disse...

Só a mim é que não me acontecem estas coisas!...

manuel campos disse...


Lá fui à Baixa e foi instrutivo, é sempre por pouco que seja.
Estando ali pela Rua do Paraíso à espera de comer qualquer coisinha tive que me fazer à vida por outros sítios.
Acontece.

Portanto desci a Rua do Museu da Artilharia para ir apanhar o Metro para a Baixa-Chiado, a entrada para a estação Santa Apolónia fica lá dentro junto aos cais dos comboios e é um fim de linha do Metro.
A partir da descida da Rua do Museu da Artilharia e até entrarmos na estação de comboios temos, de há cerca de um ano para cá, um percurso muito especial por causa das obras de construção do túnel de drenagem para escoamento da água das chuvas para o Tejo.

Quando comecei a descer esta rua até me deu um baque (e eu nem sou de baques nestas coisas, a realidade ultrapassa cada vez mais a ficção).
Ao fundo da rua, atracado ao cais, estava um quarteirão inteiro de arranha-céus, que eu depois vi ser o paquete de cruzeiros “MSC EURIBIA”, construído o ano passado, com os seus 331 (trezentos e trinta e um metros de comprimento) e os seus 43 (quarenta e três) metros de largura, podendo transportar 6327 pessoas incluindo 1711 tripulantes.
Fui ver, há 80 dos 308 concelhos em Portugal com menos população que “aquilo”.
E digo “aquilo” porque para mim é mesmo aquilo”, ora vejam lá googlando
“MSC Euribia | MSC Cruzeiros” e indo às Imagens para não perder tempo.

Mas voltando ao percurso da Rua do Paraíso até à Estação de Santa Apolónia, anda-se ali a pé às curvas e contra-curvas em ruelas de metro e meio de largura se tanto, balizadas pelos tapumes altos da obra, locais onde de dia não se vê ninguém e onde de noite é capaz de ser melhor nem querer ver ninguém.
Chegado ao destino lá fui almoçar no sítio habitual.
A Baixa deserta, nem carros, nem pessoas, nem turistas, as esplanadas quase todas vazias num dia tão bonito.
Eu sei que Janeiro e Fevereiro são meses maus, mas mesmo assim é demais.

Ìa eu subindo a Rua dos Douradores na direcção da Praça da Figueira quando ouço um “Boa tarde!” vindo do passeio oposto, era um rapaz novo à porta de um restaurante que não me lembro de já ter visto, mas é um facto que normalmente não faço aquele percurso.
Muito simpático diz-me “Se quer comida portuguesa, nós aqui temos”.
E é isso mesmo, porque comida portuguesa na Baixa já começa a ser tão raro que aquela interpelação é bem sintomática do que venho por aqui escrevendo.

Revitalizar a Baixa Pombalina como?
A partir do momento em que sedes de bancos e de respeitáveis empresas saíram de lá é uma boa pergunta.
Grande parte do comércio lá ía sobrevivendo com os trabalhadores dessas organizações, de um modo geral bem pagos para a média nacional, os últimos residentes eram de um modo geral pessoas muito modestas.

Os turistas que andam por ali não gastam.
Os turistas que gastam não andam por ali.


Joaquim de Freitas disse...

Quando li este texto do Senhor Embaixador, fui reler a longa carta aberta de um jovem português dirigida ao primeiro-ministro na qual explica que é pesquisador bioquímico da Universidade de Louvain. Quando compara as realidades belga e portuguesa, diz que está melhor financeiramente na Bélgica, em termos de salário, mas também em termos de alojamento e custo de vida.

Sabendo que o salário mínimo em Portugal é de 760 euros brutos, e que 65% dos jovens ganham menos de 1000 euros por mês, forçados muitas vezes a fazer biscates para sobreviver, imagino que os três "exemplos" do "Snob" e das boas acções com os séniores devem pertencer a uma outra classe…

Nao podem de qualquer maneira constituir uma referência moral duma juventude que ainda procura na emigraçao uma porta de saída…

Em 2021, data dos últimos números disponíveis, quase 100 mil jovens deixaram Portugal em definitivo. Para um país de 10 milhões de habitantes, é um flagelo.

AV disse...

Foi de facto um gesto bonito que deixará memórias boas pela sua gentileza.

manuel campos disse...


Como já disse aqui mais de uma vez, todos os meus filhos têm mais de 50 anos e dentro de 2 meses todos os meus netos terão mais de 20 anos.
Como se isso não bastasse é provável que venha a se bisavô pelos 80/81 anos, há jovens que fizeram pela vida, sustentam-se a si próprios (a tal "cultura familiar" de que já falei) e querem e podem ter agora uma família.

Não me dando estes factos quaisquer direitos adicionais, como é evidente, dão-me no entanto o direito de, ao ouvir uns e ao ler outros, achar que a maneira como um número considerável de jovens e menos jovens encara a vida e "o outro" é também uma matéria em que um número importante de pessoas da minha geração ou por ali não faz nenhuma ideia do que está a falar.

Claro que cada um fala do que conhece e eu conheço gente muito capaz entre os 20 e os 55 anos, isso é bom, ajuda a viver bem connosco próprios.



manuel campos disse...


Confirma-se a questão do trânsito.
Vindo da Praça de Londres pelas 11H30 (não, não fui à Mexicana), contorno a estátua a António José de Almeida e vou parar no sinal do cruzamento com a Rua D. Filipa de Vilhena, ali em frente de uma oficina “mforce”, onde esteve durante anos e anos a “famosa” (já lembro/conto porquê) Electro Rápida de António dos Anjos, Lda.
Na minha frente o vazio total de carros (excepto os estacionados, claro), nem um até ao cruzamento com a Av. Defensores de Chaves, dali até ao cruzamento da Av. da República, apenas um parado nesse ultimo semáforo o que, àquela hora, é estranho.

A António Augusto Aguiar (a A3) vazia, o piso -2 do estacionamento do CI vazio e com uns 15 a 20 carritos junto à porta de entrada para a loja.
Dizem-me lá que os restaurantes não têm estado mauzitos, ainda bem para eles, comer fora é a última trincheira de que se desiste.
Tirando o facto do Arnold Schwarzenegger (esse mesmo, o exterminador implacável) ter visto este mês de Janeiro publicado em Portugal a sua obra “Faz-Te Útil - Sete Regras Para A Vida” (“Be Useful-Seven Tools For Life", Outubro de 2023), nada de excitante nos escaparates da livraria.

Voltando à Electro Rápida, fundada em 24 de Fevereiro de 1965 (fui ver, por acaso não sabia de cor).
Esta oficina foi durante muitos anos o “serviço de urgências” para avarias eléctricas (ou ameaças de avarias, os carros não desatavam a apitar e acender avisos nesses tempos, nós é que desconfiávamos e achávamos que ia desatar tudo a arder).
E nessa altura eram mesmo precisos “médicos”, agora o “doente” avisa dos sintomas e os “assistentes operacionais” ligam a uma máquina que diz para deitar fora a peça e pôr uma nova (se houver).
Era o tempo em que aqueles de nós que tinham um carro em casa e entretanto puderam ter carta de condução, lá ouviam de vez em quando os respectivos pais dizer “amanhã leva o carro à Electro Rápida e não saias de lá sem estar pronto, que eu tenho muito que fazer”, lá íamos, apanhávamos secas monumentais, cada vez que os senhores da oficina nos punham uma dúvida lá tínhamos que ir à procura de uma cabine telefónica, para perguntar ao progenitor o que fazer, o qual não podia atender naquela altura ou estava a falar, era uma animação.

afcm disse...

Belo gesto, sem qualquer dúvida, assim como é bonita e cândida a justificação do gesto!
Alíenigenas ??

Isto é verdade?