Há pouco, descobri este lamento, assinado pelo Trema, quando o Acordo Ortográfico, no Brasil, o mandou embora. Aqui fica:
"Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüenta anos. Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente estou fora. Fui expulso para sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!... O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. O dois pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé. Até a cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cara de pau que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final para trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões.... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, "Kkk" pra cá, "www" pra lá. Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas.E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!... Nós nos veremos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história. Adeus, TREMA"
4 comentários:
Muito bom ;)
Os bons humoristas brasileiros conseguem textos no princípio do século XXI que temos que recuar por vezes ao fim do século XIX em Portugal para encontrar textos de equivalente brilho e simplicidade.
A graça "pesada", às vezes tão pesada que deixa de ter graça, foi mais o nosso forte ao longo do século XX.
O texto é de Dad Squarisi et al., brasileira e libanesa, falecida o ano passado, publicado no blogue dela, o "Blog da Dad" que merece uma visita, textos simples que nos esclarecem dúvidas complicadas da nossa língua comum.
vai embora sem saudades. mas lá que fazia falta...
Ah ... muito bem achado!
Há muito tempo, quando frequentava a 2a classe do ensino primário, o meu exemplar livro único tinha num dos textos a palavra saúde com a ortografia pré-acordo, isto é com o trema. Eu com a minha irreverencia infantil insistia em escrever a palavra com o trema - explicando "está no livro e é o livro oficial portanto não pode estar errado!"
Era uma escolinha de província com aquela arquitectura típica das escolas primárias do Estado Novo. Eu era um afortunado, a minha casa ficava apenas a cerca de 20 minutos e podia ir almoçar a casa. Já muitos dos meus colegas faziam longos quilómetros a pé para chegar à escola e tinham de trazer o farnel.
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