Durante a negociação do Tratado de Nice, que Portugal chefiou no primeiro semestre de 2000, uma das questões mais polémicas era o tema das "cooperações reforçadas", da "integração diferenciada" ou da "flexibilidade", como lhe queiram chamar. Trata-se da possibilidade de um grupo de Estados poder adotar certas políticas dentro da União, sem que os outros os sigam. Para simplificar: modelos similares à moeda única ou ao acordo de Schengen.
Graças à genialidade criativa de Josefina Carvalho, a diplomata portuguesa mais competente que alguma vez conheci em matérias institucionais europeias, e que por sorte então me coadjuvava na chefia da negociação, colocámos sobre a mesa um conjunto engenhoso de propostas sobre esse assunto. Portugal foi mesmo a "vedeta" dessa discussão, que António Guterres titulou à mesa do Conselho europeu.
Lembrei-me disso, este fim de semana, no hotel de Seteais, que, há precisamente 24 anos, ocupámos para um exercício de reflexão de dois dias, envolvendo os negociadores de todos os Estados membros, e que tinha aquele tema no centro da agenda de trabalhos.
Por essa altura, algumas delegações revelavam particular interesse pelo assunto e ajudaram-nos a desenvolvê-lo. Uma dessas delegações foi a finlandesa, dirigida por um homem magnífico, com uma serenidade ártica, o embaixador Antti Satuli, um bom amigo infelizmente já desaparecido. Antti era coadjuvado por um diplomata muito jovem, entusiasta, inteligente e imaginativo, quase "latino" na atitude, que tinha com a nossa delegação uma relação de grande cordialidade e colaboração. Chamava-se Alexander Stubb. O tema da "flexibilidade" apaixonava-o.
Em 2002, já eu estava colocado em Viena, envolvido em outras tarefas, recebi um pedido de Alexander Stubb pedindo-me para poder usar um artigo sobre o tema da "flexibilidade", que eu tinha publicado, em tempos, num jornal estrangeiro. Queria utilizá-lo num livro que ia publicar. Acedi com gosto e, meses depois, Stubb enviou-me o livro, editado em inglês, com uma carta muito simpática. Trocámos, depois disso, um ou dois emails e, como é da regra da vida, fomos perdendo o contacto.
Eu, contudo, não o perdi de vista. Ao longo dos anos, vi-o ser, sucessivamente, deputado europeu, ministro dos Assuntos Europeus, ministro das Finanças, ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro.
No domingo passado, Alexander Stubb ganhou a primeira volta das eleições presidenciais na Finlândia, sendo muito possível que, daqui a dias, venha a ser o próximo chefe de Estado do seu país.
Agora, por uma qualquer razão, veio-me à memória o título de um conhecido livro do jornalista britânico Jeremy Paxman: "Friends in high places"...
6 comentários:
Duvido muito que a Finlândia ainda possa ser vista como país amigo. As simpatias pela Europa mediterrânica parecem iguais às que têm pelos vizinhos russos. Logo então este...
Tem um fato que condiz com a cor dos olhos.
Atenção: off-topic
Chamo a atenção para o texto que aqui nos foi oferecido na terça-feira, 16 de Janeiro de 2024 com o título "Lavoura".
Com o que se está a passar em França (e que já está a chegar cá), tenho poucas dúvidas que irá alastrando muito mais cedo que mais tarde.
Quem sofre na pele as situações já está acordado há muito tempo quando os idealistas e os burocratas (que muitas vezes coincidem) ainda vão a meio do sono repousante.
É bom! Sentimos orgulho quando os nossos amigos voam alto.
Outro off-topic e dos grandes, não tenho emenda.
Cá venho com as minhas curiosidades, historietas que à força de as escrever vou acabar por ter alguma coisa para dizer.
Tenho contado com a compreensão do nosso Embaixador, até quando só ele sabe.
O programa de hoje era um projecto de minha mulher, mas daqueles que era preciso ela estar “in the mood for”, não estando ficou para amanhã.
Vi-me assim, por volta da uma da tarde, na triste obrigação de ir almoçar à Baixa e dar a minha volta pelas livrarias que restam e as lojas de discos usados ou semi-novos (há uma espécie de “outlets” por aí).
Ali no Rossio um rapaz de ar nórdico, com aquele idade indefinida entre o miúdo e o trintão que os muito loiros têm, estava sentado no chão com um cartão no colo que dizia “I need 21 euros to pay the hostel”.
Esta nunca tinha visto, há uns 15 anos, na Rua do Carmo costumava lá estar um nacional na meia-idade que tinha um cartão a dizer “Agradeço a vossa ajuda para comprar vinho tinto”.
As pessoas achavam graça e davam uns trocados, ele já sabia que contava comigo e já me sorria ainda vinha eu longe, acabei por saber que não bebia álcool (já tinha bebido todo), mas é de admitir que se o cartaz dissesse “Agradeço a vossa ajuda para comprar água mineral” não tivesse tanto êxito.
Claro que o sentido de humor dorme muito e tem o sono pesado, estava profundamente adormecido quando chegou a vez de muitas pessoas o receberem.
Assim ainda assisti mais de uma vez à intervenção de quem quer salvar os outros, especialmente se forem uns pobres desgraçados, porque com os ricos desgraçados não se metem eles.
E lá vinha o “Não tem vergonha de estar a pedir para comprar vinho?”, a deixa que ele esperava para o guião que trazia “Vergonha tenho e muita, dinheiro é que não tenho nenhum”.
A Baixa ainda estava mais deserta que das outras vezes, verdadeiramente estranho para um visitante assíduo como eu acabo por ser, por mais juras que faça.
Sem turistas nenhuns, estava cheia de portugueses em termos relativos, mesmo que não fossem mais do que os do costume.
Na fila do elevador de Santa Justa vi 11 adultos e uma criança de colo, nem nos piores dias pré-turisticos.
Na FNAC do Chiado existe uma secção pequenina “alfarrabista”, lá estava “A Revolução Portuguesa”, de Álvaro Cunhal, edição da Dom Quixote de 1975 a 5€, ainda com aquele papelinho na 1ª página com o preço, que cortavam pelo picotado e ficava na loja (tenho o livro não sei bem onde).
Custava novo 170 escudos, o que actualizando para 2023 no site do INE dá 32,60€ a preços de hoje (*).
Para além de dois livros que não procurava mas encontrei, na parte da música clássica (que é 90% do que por aí tenho9, umas caixas do selo EMI, daquelas com os discos em sleeves, com 6, 7…10 CD ao preço de um bife manhoso num restaurante manhoso (12€).
Veio a caixa com 13 CD dedicada ao trompetista Maurice André, por 26€ não a ia deixar lá.
Ninguém me disse mas creio saber o porquê destas simpáticas “oportunidades”.
A EMI Classics foi incorporada há 10 anos na Warner Classics e os discos têm vindo a ser reeditados com as mesmas capas mas com o símbolo da Warner, o que torna os “restos da EMI” que por lá haja nos armazéns de todo o mundo dispensáveis para “saldos” apesar de perfeitamente novos.
Como se verifica, não sei como se revitaliza a Baixa Pombalina, mas lá esforçar-me pessoalmente nisso, esforço-me muito mais que toda a gente que não vai lá há 20 anos mas se lamenta que é uma pena que aquele comércio que conheceram esteja a fechar todo.
(*) É impressionante o número de pessoas, incluindo alguns jornalistas, que pegam em escudos de há 30, 50 ou 50 anos e os “actualizam” para euros de hoje na base 1 euro=200 escudos (isso quereria dizer que este livro custaria 85 centimos).
E um Mini que custava 50 contos em 1972 seria “actualizado” para 250€ (na realidade dá 13600€, parece razoável).
Andaram 20 anos para fechar o acordo de livre comércio da UE com o Mercosul e voltou para a gaveta, de onde não sei se sairá tão depressa (se alguma vez sair!).
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