quarta-feira, julho 08, 2020

Amigos, amigos


Durante os anos em que vivi em Londres, alguns portugueses inquiriam-me sobre o modo como os britânicos olhavam a velha Aliança com Portugal.

A questão não estava entre as que, minimamente, preocupavam quem quer que fosse, por esses tempos. O tema só surgia na retórica dos discursos oficiais ou vocalizada por britânicos que, simpaticamente, queriam um pretexto de conversa, alternativo à estafada menção ao Vinho do Porto.

Aos meus interlocutores portugueses , eu procurava dizer a verdade. E a verdade é que a generalidade dos britânicos com quem falava, além de raramente referirem esse tratado do antanho, quando o faziam colocavam-no num patamar de mera curiosidade histórica e, sem exceção, a nenhum passava pela cabeça a plausibilidade da sua menor invocação nos tempos que corriam. Um dia, numa palestra em Londres, perante uma questão sobre se ainda cria na Aliança, respondi, por entre britânicos sorrisos amarelos: “Acredito! Acredito tanto como os ingleses...”

Vale um belo livro nunca escrito o histórico das relações luso-britânicas, ao longo de séculos. Tratados, entendimentos, desencontros, perfídias, interesses comuns ou contraditórios – há um pouco de tudo. Aliás, uma pequena amostra de tudo isso guardo na minha memória profissional, fruto daquilo de que fui testemunha presencial em vários momentos.

Às vezes, diz-se que devemos aos britânicos a nossa independência. É um erro: talvez lhes devamos uma ajuda pontual à preservação histórica da nossa soberania, mas isso custou-nos, por séculos, precisamente a nossa independência, que ficou sob a sua tutela.

Para tempos recentes, fica a imagem de uma relação bilateral a que a nossa comum presença nas instituições europeias só trouxe maior distância e um crescente afastamento do padrão de interesses. Salvo no sublinhar da importância em manter a Europa num laço transatlântico forte, raramente detetei pontos de aproximação entre Londres e Lisboa, que pudessem configurar eixos de ação comum na esfera comunitária.

A decisão britânica de excluir Portugal das rotas turísticas, levantou por aí um “Mapa Cor-de-Rosa” de indignações. Com razão, protestámos, alto e bom som, para inglês ouvir. Esse tempo passou: agora, com serenidade, discutamos com eles os nossos comuns interesses.

É que já Palmerston dizia que “a Inglaterra não tem amigos, tem interesses”. Às vezes, contudo, a História provou que Londres também tem interesse em ter amigos. Lembremos-lhes isso.

25 comentários:

Anónimo disse...

Lembro-me de uma ou duas ocasiões em que eles invocaram a aliança. Por exemplo, na guerra das Malvinas e agora com o Brexit
Fernando Neves

Francisco Seixas da Costa disse...

Nas Malvinas/Falkland sim, como contei aqui: https://duas-ou-tres.blogspot.com/2012/01/falklandmalvinas.html. Mas o que é que aconteceu no Brexit? Não sei de nada (nem tenho de saber, é claro!, nem nunca ouvi nada a esse respeito

Anónimo disse...

O regime do pai Costa vai dar o bafo...

Anónimo disse...

"(...) talvez lhes devamos uma ajuda pontual à preservação histórica da nossa soberania, mas isso custou-nos, por séculos, precisamente a nossa independência, que ficou sob a sua tutela."

Quê?! FSC está a dizer que a ajuda de 600 soldados especialistas e experimentadíssimos em Aljubarrota hipotecou a nossa soberania? Como?!

Ou esquece-se de 1383/85, refere-se à Guerra Peninsular e, a seguir, vai dizer-nos que os franceses só nos queriam ensinar boas maneiras?

A era dourada de Portugal é posterior ao início da aliança. Ficámos sobre tutela inglesa nessa fase como?!

dor em baixa disse...

Se Salazar não tivesse anuído à instalação do centro inglês de operações na Terceira, parece-me que Churchill afirmou que o faria de qualquer maneira invocando a Aliança Luso-Britânica.

Anónimo disse...

Uma aliança é, sempre, um acordo onde se pensa em comum e se deseja em privado.

Durante a revolução de 1383-85 os ingleses foram importantes (se não decisivos) em Aljubarrota (que, apesar da nossa vitória esmagadora sobre os Castelhanos/Portugueses/Franceses não foi suficiente para encerrar o assunto da altura). Se a ajuda veio por bondade ou interesse, isso pouco interessa.

Durante a Restauração, o apoio inglês foi comprado bem caro, é certo, mas foi importante para sacudirmos a pressão espanhola.

Portugal viu-se arrastado para as guerras napoleónicas, não por causa da aliança com a Inglaterra mas sim por causa da exigência francesa de fecharmos os nossos portos aos ingleses. Um país soberano não recebe ordens, muito menos de um ditador facínora. E, lembremos, que a Guerra Peninsular começou - para nós -, com uma invasão espanhola.

Na 1GM, fomos nós que quisemos participar. Curiosamente, ninguém fala da traição inglesa no acordo com os alemães para tomada das nossas colónias africanas. E ainda demos o nome de um rei inglês a um parque no centro de Lisboa (ora, aqui estava uma boa medida - mudar o nome ao parque!!!). A República também precisava de se afirmar, nomeadamente por causa dos planos de invasão de Afonso XIII de Espanha.

Na 2GM, se tivesse havido uma movimentação espanhola contra nós (sempre a falar dos mesmos, não é?), era a Inglaterra que nos teria de acudir, razão pela qual a "neutralidade" portuguesa era tão importante para nós quanto para os... ingleses.

Também se podia lembrar (fora do âmbito da Aliança), a participação de cruzados nas conquistas do tempo de D. Afonso Henriques mas isso já seria "forçar a barra".

Fora do âmbito militar, lembremos que foram os ingleses que alimentaram durante séculos o comércio dos vinhos da Madeira e do Porto, que trouxeram a Portugal coisas do outro mundo como o telefone, o serviço de correio, os transportes públicos massificados, etc.

CNF disse...

As Malvinas sāo,ao Sul de Puerto Sanchez, no lago General Carrera, Provincia de Aisén NO CHILE .As ditas Argentinas chamam-se Falklands, em homenagem a Lord Falkland, que financiou a expedição que as descobriu. A ocupação inglesa deu-se em 1832. Antes disso funcionaram como ponto de apoio a pescadores franceses( de Saint Malô?) e começaram a ser conhecidas como Malovines.

Anónimo disse...

Francisco, durante as negociações do Brexit, como contava o JV, cada ministro inglês que cá vinha procurar o nosso apoio evocava a Aliança. Ou seja cada um evoca aquilo que, e quando lhe dá jeito. O normal.
Fernando Neves

Anónimo disse...

É normal que os ingleses invoquem a Aliança quando lhes convém. Nós também já o fizemos. Os ingleses não têm culpa se os portugueses não se mexem ou não usam todas as "armas" à sua disposição.

Quanto à ironia que perpassa alguns comentários, calculo que ver os espanhóis (ou nós), a invocarem a secular amizade entre os dois povos bata qualquer recorde, não?

Anónimo disse...

As alianças são isso mesmo: para serem exibidas quando convém e apenas funcionarão quando convierem aos dois mas, sim, devemos a nossa independência à Inglaterra porque mesmo sem a chamar a sua simples existência foi um grande factor de prudência na cabeça dos espanhóis imperialistas. Aliás até nós, pequeno país, quando as alianças o premitiram, através do marquês de Minas, conquistámos Madrid por três meses. O diabo é que as alianças alteraram-se e vá de meter o rabo entre as pernas.

Cumprimentos
João Vieira

Anónimo disse...

João Vieira, foram apenas 40 dias.

Cícero Catilinária disse...

Um conselho, anónimo das 7:59:
Arranje uma cadeira confortável e vá esperando sentado. E leve provisões, muitas, que vai ter muito, mas muito,que esperar.

Anónimo disse...

mas no presente caso, bastaria que pedissem aos passageiros para fazer testes à chegada
ao aeroporto como faz a Madeira
ou que levassem testes com resultado negativo feitos no dia anterior
agora fechar as portas a todo um povo é "arte"
para não dizer outros nomes como preconceito ou atitude hostil...

Anónimo disse...

Anónimo das 22,41: para a questão é irrelevante os dias o que interessa constatar é que bastou a alteração de circunstância (a morte de um príncipe) para a França alterar as suas alianças. Creio que face a isso o marquês das Minas não precisou de pôr guita nos sapatos, nem de apelar ao bom senso e à inteligência, para se pôr a caminho de Portugal.
Isto para reafirmar: a nossa independência deve imenso a nós próprios, mas não deve menos à enorme inteligência das alianças que fomos fazendo com um enorme destaque para a Inglaterra; E uma pena que um profissional de uma carreira a quem os portugueses tanto devem não reconheça os aliados principais

João Vieira

Anónimo disse...

João Vieira, é uma precisão, apenas. Você prestou uma informação que eu - de acordo com informação lida -, acho que está factualmente errada e eu corrigi. Conteste a informação se assim desejar mas não passe para outros assuntos. É simples, não compliquemos...

Anónimo disse...

Eis o comentario mais quotado no Daily Mail de hoje:

In these very strange times, we should... Holiday in Britain... Buy British goods... Save our economy... Otherwise, we won't have an economy!

Anónimo disse...

Convém dizer - por causa das tais sereias -, que a manutenção de Gibraltar enquanto território britânico, é uma forma de manter o RU interessado na segurança e estabilidade na Península. Alguns "amigos da Espanha" que acham ridículas as pretensóes portuguesas a Olivença mas justificadas as pretensões espanholas a Gibraltar, talvez pudessem pensar melhor... Ou, se calhar, pensam mas ficam na mesma.

João Cabral disse...

A sabedoria popular sempre infalível: amigos, amigos, cagalhões não são figos.

Jaime Santos disse...

Exatamente, o que nos interessa são os interesses comuns. Como a eles. E temos interesse que o RU se saia razoavelmente bem do Brexit, até pela comunidade portuguesa nesse País. Agora, se eles decidirem sair sem acordo, é lá com eles. You broke it, you own it...

Quanto à velha aliança, é uma curiosidade histórica.

Anónimo disse...

Ainda gostava de saber porque carga de águas um comentário com um link para um programa radiofónico dedicado à história da Aliança não passou...

Jaime Santos disse...

Senhor Embaixador, Johnson, quando era Ministro dos Negócios Estrangeiros de Theresa May disse um dia, em visita ao homólogo Santos Silva e em tom de blague, claro, que o Tratado de Windsor com certeza que continha alguma provisão quanto a Portugal ajudar a Inglaterra em caso de dificuldades na negociação do Brexit. Talvez seja a isso que o Fernando Neves se refere.

E parece-me que, blagues à parte, foi exactamente isso que Costa fez quando em Março de 2019 liderou o grupo de países na UE dispostos a dar mais tempo a Theresa May (Macron não estava nada pelos ajustes). Claro, deixou-a entregue ao seu Parlamento sem desculpas, mas se isto não é respeitar a soberania de um País não sei o que isso seja...

Deliciosa a pequena vingança, servida fria, do Embaixador Mathias. Mas cuidado que os bifes têm memória longa...

Pedro Alves disse...

Sr.Embaixador Seixas da Costa, gostaria de lhe perguntar a sua opinião sobre futuras respostas que o governo Português poderá tomar em relação a este verdadeiro pontapé nos dentes por parte do Reino Unido? Para já não quiseram retaliar, mas acho que não deveríamos deixar passar isto em branco numa próxima situação. Por exemplo, há uns meses anunciaram que os britânicos teriam corredores próprios nos aeroportos e isenção de vistos depois do Brexit, fosse ele com ou sem acordo. Não seria da mais elementar justiça deixar cair essa "oferta" e tratá-los como qualquer cidadão extra-comunitário? E mais, nestas negociações não poderia o governo Português endurecer a sua posição e votar contra, bloqueando as negociações?

Anónimo disse...

Ó Pedro Alves, a "vingança" lusa vai ser quando o estatuto de Gibraltar vier à liça. Dessa maneira, os tugas vão poder vingar-se dos ingleses e untar bem os espanhóis.

Pedro Alves disse...

Enquanto tivermos pendente o caso de Olivença seria mais um tiro nos pés fazer isso. Não que tenhamos particular interesse no "Rochedo", os ingleses e os espanhóis que se entendam! Resolver primeiro Olivença reintegrando-a em Portugal, depois os ingleses que se danem com Gibraltar.

Anónimo disse...

Mas... Pedro Alves, desde quando é que os tugas são inteligentes? Um país que assume como política de Estado aumentar o poder do seu único vizinho em ves de o enfraquecer... Homem, isto é um país de doidos e vendidos!

Maduro e a democracia

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