Foi há muitos, bastantes anos. O ambiente era fantástico. Uma noite, num belíssimo bar de hotel tropical, à beira-mar, bastantes figuras femininas disponíveis, em quantidade e qualidade, com aquela cultura comportamental de relativa impunidade que algumas reuniões internacionais, em especial se realizadas "a Sul", tendem a proporcionar, em especial a partir do momento em que álcool flui e aflui.
Notei que a pessoa que chefiava a nossa delegação, uma figura pública relativamente conhecida, começava a assumir uma atitude demasiado "solta". Muito em especial, preocupavam-me os olhares distantes que sobre ela já convergiam, embora distraidamente atentos, de alguns dos nossos compatriotas presentes. Longe de mim ser puritano, mas desagradam-me escândalos com impactos de Estado. Como diplomata, quando em funções, sempre achei ter o dever de os prevenir.
A certo passo, pressenti que as coisas se podiam precipitar. O nosso homem, porque era de um homem que se tratava, encaminhava-se lentamente, com uma companhia que, durante a última hora, se estava a tornar insistente a seu lado, para zonas mais recatadas da varanda, num caminho que facilmente podia conduzir aos quartos. Ia num estado de pouco controlada euforia, que já não passava despercebida a muitos dos circunstantes, nomeadamente da nossa delegação, em risota e a comentarem entre si. Dei uma palavra de aviso ao respectivo chefe de gabinete, mas encontrei-o sem vontade de atrapalhar os eventuais planos lúdicos do chefe.
Propositadamente, decidi passar por perto do animado chefe da delegação e da sua companhia. Não havia uma grande confiança entre nós, mas o facto de eu ser "dos Estrangeiros" conferia-me como que uma leve autoridade cosmopolita, de alguma habituação às andanças diplomáticas, que ele manifestamente não tinha.
Talvez por isso, e ao ver-me fitá-lo, deitou-me, à passagem, com um leve sorriso: "Há algum problema?". Subentendia-se bem o que pretendia significar... Devo ter feito um carão fechado, quando lhe respondi, seco: "Há dois: a Sida e o "Expresso" de sábado. Mas o senhor é que sabe!". E voltei costas.
Senti que tinha ficado inseguro, e seguramente furioso, inquieto talvez mais com o segundo problema do que com o primeiro. A "Gente" do ‘“Expresso” era então uma secção onde se podiam comprar grandes chatices e que havia já feito obituários políticos sumários. Regressei ao bar. Apareceu por lá, só, minutos depois. Não me falou. Já com ar deliberadamente sério, juntou-se a outros membros da nossa delegação e, volvido pouco tempo, deu as boas noites e subiu para o quarto. Julgo que sozinho, até porque a anterior companhia regressou ao "mercado" da noite.
No dia seguinte, no avião de regresso, evitou-me. Já desapareceu da nossa cena. Mas, por anos, nos restaurantes lisboetas, ignorava-me olimpicamente.
Já um dia contei esta história. Hoje, ao adquirir o “Expresso”, lembrei-me dela.
4 comentários:
Se bem me lembro, contou até com a localização, mas... ja me esqueci...
"A SIDA e o Expresso de Sábado" - de mestre!
E o senhor dito cujo, como se percebe, seria tão ajuizado que se fez de ofendido até à cova.
Atitude própria de um homem do Norte.Creio não se tratar de receio, mas de dignidade.A vida pública desses prevaricadores como se viu mais uma vez é curta.
Atitude própria de um homem do Norte.Creio não se tratar de receio, mas de dignidade.A vida pública desses prevaricadores, como se viu mais uma vez, jé curta.
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