quinta-feira, março 28, 2019

Interior, Norte


Alguém, no final, notou: se o debate tivesse tido lugar há uns anos atrás, o discurso dos intervenientes teria sido recheado de queixas sobre as acessibilidades, a aplicação dos fundos europeus, a ineficácia congénita do poder central, recados ao “senhor ministro”. Ontem, falou-se muito mais da atitude a ter perante os desafios do desenvolvimento, da escassez de recursos humanos qualificados, dos exemplos de criatividade, das parcerias que por aí brotam, do orgulho na audácia internacional das empresas. E, no que ao Estado toca, pediu-se essencialmente para não “desajudar“.

Foi ontem à tarde, numa iniciativa da Caixa Geral de Depósitos, organizada em Vila Real. O tema era o Interior Norte e a forma de o potenciar. Umas centenas de pessoas perderam/ganharam um par de horas a refletir sobre o que e o como fazer, com vista a dar um empurrão positivo a uma realidade sócio-económica em mutação ainda não suficientemente rápida. 

Foi interessante ouvir discursos pragmáticos, muito pouco “politiqueiros”, apostados na eficácia e entusiasmados com o que foi já feito. Nota-se que muitas pessoas, mesmo aquelas que manifestamente têm origens que pressuporiam uma atitude à partida menos articulada entre si, revelam agora uma matriz comum na ação cada vez mais larga. É, com certeza, um efeito da idade média dos intervenientes, gente com outras experiências, com um quotidiano menos “encostado” ao setor público, parte da qual teve de “dar o litro” e ir à procura de soluções nos mercados externos, nos tempos sombrios da “troika”. Gente que assim se autonomizou já bastante da subsídio-dependência que tinha sido o “modo de vida” de gerações anteriores.

Olhando várias caras naquela plateia, senti pena de não haver a oportunidade de se fazer uma recolha de experiências, de fracassos e sucessos, que fosse possível utilizar como manual de soluções para “dar a volta a isto”. É desta gente, às vezes com um ar simples e despretensioso, que é feito o Portugal das soluções. As suas questões são, em geral, muito práticas e concretas, fruto dos problemas diários que enfrentam e que estão cansados de ver teorizados em complexidades burocráticas que, afinal, parece não respeitarem o seu esforço.

A coragem de quem vive e teima em viver no Interior Norte, de quem ali investe e cria riqueza, é uma fantástica lição para um certo país que ainda existe, feito de quantos estão sempre à espera das ajudas “da Europa”, que têm a queixa por atitude e o outro como culpado de tudo o que de mal lhes acontece.

(Publicado no “Jornal de Notícias”, em 27 de março de 2019)

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Agostinho Jardim Gonçalves

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