Foi ontem. O almoço era de “cerimónia”? Nem por isso. O traje, no convite, dizia “smart casual”, o que, em linguagem de protocolo, significa, para os homens, levar um blazer sem gravata. Porque era numa casa de campo, os castanhos/verdes dominavam (tenho uma tese, não confirmada, que, se fosse em ambiente de cidade, os azuis/cinzentos dominariam). Sorte das senhoras, cujo leque de opções é sempre imenso. Era, assim, um ambiente “solto”.
À ida para a mesa, um dos convidados, figura bem conhecida da política doméstica, sugeriu: “E se deixássemos os telemóveis na sala de entrada?”. Conhecendo-lhe o hábito de andar sempre de telemóvel na mão, como os adolescentes sem imaginação, fiquei surpreendido. Mas logo agarrei a sugestão. Boa ideia! Assim fiz também, ecoando bem alto a ideia. Outros fizeram o mesmo. Vi que nem todos o seguiram, mas que a sugestão os terá levado a optar pelo “silêncio” técnico.
Não que, a mim, me ocorresse a ideia de vir a atender uma chamada durante o almoço, muito menos de tentar contactar com alguém. Mas, quem sabe, numa pausa, “entre la poire et le fromage”, podia dar-me para olhar as mensagens, ou mostrar uma fotografia, ou ter a tentação de dar a conhecer, ao parceiro do lado, um extrato de um filme no YouTube, “com pilhas de graça”. Desta forma, porém, ficava “blindado” face a qualquer tentação.
(Foi na Áustria, nas reuniões que os países NATO dentro da OSCE faziam numa determinada embaixada, que vi pela primeira vez essa determinação de não levar telemóveis para a sala de reuniões, nesse caso por razões de segurança da confidencialidade das conversas. Depois, vi a prática estender-se: vários governos, por esse mundo fora, obrigam os seus ministros a deixar os aparelhos nuns cacifos, à entrada dos conselhos de ministros. Creio que, por cá, a regra “não pegou”. E, muito menos, nas ocasiões sociais.)
Com essa determinação radical de não poder ter o telemóvel “à mão de semear”, nenhum de nós correu, durante aquele almoço, o risco de assumir esse ato de rasca educação que é usar um telemóvel à mesa de uma refeição, de se fingir atrapalhado por uma inopinada chamada (“desculpem, esqueci-me de desligar isto!”) ou, discretamente, sobre o guardanapo no colo, tentar perceber como vai o resultado de um jogo. Ninguém ousou essa baixeza social.
Sentámo-nos para almoçar às duas da tarde. Saímos da mesa já passava bastante das quatro. A conversa correu fluída, com histórias deliciosas, com análises interessantes (aprendi imenso, sobre vários temas), num ambiente são e descontraído. Sem grande cerimónias, sem telemóveis, sem campaínhas, sem alertas. Afinal, ainda há um mundo civilizado, por detrás do mundo vulgar. É, é essa a palavra.
10 comentários:
Outra geração. Impensável acontecer a quem tem até 40 anos.
Lido com interesse.
Despacho:
Essa forma de refeição está a voltar a estar na moda.
Demorou algum tempo a que as refeições voltassem a ser como d'antes: Silêncio para ajudar a saborear e digirir como deve ser.
[Não tem nada a ver com o serviço à russa ou à francesa.]
Oa tempos estão a compor-se e já não se suporta as gritarias e assuntos fracturantes em sociedade. [Se ela existe.]
Tá-se aqui, tá-se a viver como há 50 anos se vivia, e não só porque estamos a ficar velhos, é tsmbém preocurar-se o conforto de cicatrizar-se as feridas da vida.
E acima de tudo já não temos nada que provar. Já fomos....
Agora que venham os novos e que se amanhem.
Com algum deferimento.....
"Creio que, por cá, a regra “não pegou”. E, muito menos, nas ocasiões sociais."
opsec breach
"Impensável acontecer a quem tem até 40 anos."
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peço desculpa, importa-se de repetir?
Caro Francisco,
Já nem me lembrava que não se devia levar o telemóvel para a mesa...
Até pensei perguntar ao nosso querido Zé Bouza se o aparelho se punha à esquerda ou à direita do prato. Is left right, como nos guardanapos?
Um abraço
JPGarcia
Não é "fluída" nem "campaínhas" que se escreve, é "fluida" e "campainhas", sem acentos agudos. Erro comum. De nada.
A si, que se preocupa com o bem falar e bem escrever digo: não contribua para a implantação desta horrível palavra que fere a garganta - "desconectar".
"Conexão", "conectado", "desconectado"... tudo isto são palavras feias trazidas para o português devido à contaminação pelo inglês da internet.
Que raio! Qual é o problema com "Ligação", "ligado", "desligado"? Repare-se na suavidade destas palavras (que sempre se usaram), e compare-se a dita com o tom agreste daqueles "c" a baterem-nos na garganta: "COneCtado", "COneXão", "DesCOneCtado".
Não!
Para o Francisco, um "ambiente são e descontraído" é estar sentado a almoçar durante duas horas. Eu discordo, por variados motivos. Primeiro, estar sentado durente duas horas é de mais, as pessoas devem mexer-se, andar. Segundo, comer durante tanto tempo continuamente perturba a digestão - está se a comer umas coisas enquanto as outras estão supostamente a ser digeridas.
Gostos são gostos e o Francisco tem o direito a ter os seus. Agora, não venha dizer que são gostos sãos.
Exactamente! O anónimo das 00:32 tem toda a razão. Essa malta, dessa faixa etária é lamentável, nunca dispensam a porcaria dos TLM...mesmo à refeição.
Em almoços entre amigos do meu pai, se for no Restaurante, quem pegar no telemóvel paga a conta.
Eu passo muito bem sem pegar no telemóvel, especialmente quando há bom "conversê" e boa farra.
"Acto de rasca educação", concordo inteiramente com esta sua definição, para esse tipo de comportamento, ou atitude, à mesa.
P.
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