sexta-feira, fevereiro 12, 2016

Liberdade e segurança


A decisão da França de introduzir no seu texto constitucional a possibilidade de retirada da nacionalidade a cidadãos binacionais culpados de “ofensa grave à vida da nação” – na realidade, pretendendo abranger pessoas ligadas a atos terroristas – tem sido contestada em vários setores. Percebe-se esta preocupação do executivo francês, por boas e menos boas razões.

As boas razões têm a ver com a importância para a França da ameaça terrorista. Os acontecimentos de 2015 (Charlie Hebdo e múltiplos atentados em Paris) suscitaram na sua opinião pública uma forte reação, porque questionaram, de uma forma extrema, a própria identidade e sentido nacional de quem é formalmente francês. Paralelamente, ficou instalada no seio da sociedade uma sensação de vulnerabilidade e de desconfiança quanto à capacidade do Estado em cumprir as funções de tutela da segurança dos seus cidadãos.

A França, um país generoso em matéria de nacionalidade – o seu atual primeiro-ministro, até aos 20 anos, teve apenas a nacionalidade espanhola -, interroga-se hoje sobre se essa sua extrema diversidade não estará a ser usada para colocar em causa a unidade nacional. 

Não sei como nós, portugueses, nos sentiríamos se acaso, como vi ocorrer em França, num estádio de futebol, ouvíssemos o nosso hino a ser apupado por uma grande parte dos espetadores e víssemos desfraldadas, por todas as bancadas, bandeiras de um país que nada tinha a ver com o jogo em causa.

As “menos boas” razões prendem-se, desde logo, com a objetiva ineficácia da medida: para um terrorista, a última questão que lhe importará será uma cidadania francesa que objetivamente despreza. 

Porém, como português, tendo em França centenas de milhar de compatriotas com dupla nacionalidade, preocupa-me a utilização que um eventual governo menos atento às liberdades e ao acolhimento da diferença, poderá vir a fazer com o conceito de “ofensa grave à vida da nação”.

Muito se interrogam assim sobre se esta decisão não poderá comportar um certo oportunismo político, isto é, se um governo de esquerda, uma área política tradicionalmente não vista como a mais sensível às questões da segurança, não estará, por esta via, a “apanhar o comboio” de um discurso securitário que, em regra, surge tutelado pela direita, ou mesmo pela extrema-direita. 

Mas qual é o problema, perguntar-se-á o leitor? É muito simples: restará saber se a esquerda, que tradicionalmente assume o papel de guardião das liberdades, não estará a abrandar esta sua histórica atenção ao deixar consagrar na lei fundamental algo cujo derradeiro aproveitamento poderá não conseguir controlar.

5 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

"Porém, como português, tendo em França centenas de milhar de compatriotas com dupla nacionalidade, preocupa-me a utilização que um eventual governo menos atento às liberdades e ao acolhimento da diferença, poderá vir a fazer com o conceito de “ofensa grave à vida da nação”.

Exactamente, Senhor Embaixador, mas na realidade é a maneira como "eventualmente" um governo de direita ou , pior ainda, de extrema direita poderia, um dia, " interpretar" esta lei no caso de "ofensa grave"! Porque as maiorias políticas passam e as leis ficam.

Luís Lavoura disse...

Choca-me ver uma pessoa que supostamente é de esquerda, como o Francisco, a defender, ou pelo menos a não condenar claramente, uma medida discriminatória como esta do Estado francês.

Luís Lavoura disse...

A França, um país generoso em matéria de nacionalidade – o seu atual primeiro-ministro, até aos 20 anos, teve apenas a nacionalidade espanhola

Isso não revela generosidade nenhuma. Valls nasceu em França e foi educado em França. Não faltava mais nada, que não pudesse jamais ser cidadão francês!

Anónimo disse...

Chamar de esquerda o atual governo francês, só se for para rir á gargalhada. Mas atenção que sendo eu de esquerda desprezo todos os fanáticos de qualquer religião.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Luis Lavoura. Imagine um cidadão português que, até aos seus 20 anos, tivesse apenas a nacionalidade espanhola. Conseguia ser primeiro-ministro português?

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