quinta-feira, fevereiro 25, 2016

A gestão dos demónios



Portugal, goste-se ou não, é visto externamente como um país em crise. No plano financeiro, as nossas contas, que estão longe de ser sãs e vivem num evidente limiar de risco, são ainda observadas com sobrolho carregado pelas instâncias que gerem os “barómetros” de avaliação dos nossos compromissos macro-económicos. Não vale a pena iludir o facto de que essas entidades externas estão ainda a fazer o luto de uma administração portuguesa que era em absoluto seguidista ao seus ditâmes e com a qual se sentiam amplamente confortáveis.

Por outro lado, é hoje muito claro que variados meios internacionais olham, com uma perplexidade não isenta de um juízo negativo de valor, para uma solução governativa que inclui, entre os seus apoiantes parlamentares, formações políticas que se afastam do “mainstream” da generalidade dos executivos europeus. Este olhar crítico não se esgota na vertente económico-financeira: embora menos evidente, a questão política de fundo permanece “on the back of the mind” de alguns parceiros mais zelosos.

António Costa deu provas de uma grande habilidade ao conseguir conciliar até agora a observância dos compromissos europeus essenciais no domínio financeiro com a satisfação do caderno reivindicativo dos seus apoiantes e – o que é menos sublinhado – com a necessidade de dar resposta ao cumprimento das determinantes do Tribunal Constitucional. Há quem acuse esta sua agenda de ser ideológica. E depois? A outra “agenda”, a aposta austeritária, não o era?

O verdadeiro teste que este governo tem perante si é o da eficácia concreta das opções que fez. Ir “contra o vento” é sempre uma decisão corajosa, mas a justeza da decisão está menos nessa audácia, ou na satisfação dos prosélitos pelo gesto assumido, e muito mais na habilidade em não se deixar abater por ele.

Mas também é claro que o “clima” externo não é imutável. Entendo, aliás, que Portugal tem hoje uma interessante responsabilidade no plano europeu. É que se a fórmula tentada por António Costa para tornear o “tem de ser assim” tradicional viesse a ter sucesso, o nosso país poderia vir a tornar-se num “case study” que não deixaria de ter impactos significativos no próprio debate europeu em torno da abordagem dos desequilíbrios macro-económicos.

Uma questão me parece, contudo, estar por resolver.

Deliberadamente ou não – e sou adepto da segunda leitura – este orçamento e o discurso político que o acompanha surge pouco “business-friendly”. Estimular o crescimento pela procura será sempre uma opção com escassa sustentabilidade nos seus efeitos se, em paralelo, não for feito um esforço bem sucedido para a captação de investimento produtivo, interno e externo, em especial em face do quase residual investimento público que se prevê.

António Costa já demonstrou a sua determinação em observar os compromissos financeiros europeus, não obstante os partidos apoiantes do governo terem, nesse domínio, uma perspetiva muito diversa, quer em relação às metas dos tratados, quer no tocante às políticas europeias, nomeadamente ao euro.

Ora é decisivo que o primeiro-ministro e o governo consigam dar provas concretas que não são reféns da política de hostilidade à iniciativa privada que está na matriz identitária dos seus apoios políticos. Não é só a credibilidade dos socialistas e a sua coerência perante o seu passado que está em causa. Também por aqui passa parte importante da desmontagem dos “demónios” desencadeados em torno da presente solução governativa, na ordem interna e externa. Espero que o governo tenha disto consciência clara.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")

8 comentários:

António Pedro Pereira disse...


Caro Senhor Embaixador:
Fiquei perplexo com a forma verbal que empregou no 5.º período, donde extraí a frase seguinte:

«É que se a fórmula tentada por António Costa para tornear o “tem de ser assim” tradicional viesse a ter sucesso, o nosso país poderia vir a tornar-se num “case study”».
Escreveu «viesse» onde deveria ter escrito vier.
Foi intencional, para estar mais consentâneo com o «mainstream» do jornal onde colabora agora ou lapso?

Francisco Seixas da Costa disse...

Ao Anónimo das 17.16. Não foi lapso. Eu não tenho lapsos desse tipo. Escrevi o que entendi dever escrever. E, se me segue, já deve ter percebido que escrevo o que me apetece, como me apetece, sem atender aos eventuais gostos de quem me acolhe.

Joaquim de Freitas disse...

Para o mercado um euro vale um voto; para a democracia um ser humano vale um voto.

Os que celebram o ultraliberalismo (eficaz mas dramaticamente desigual) praticam um fundamentalismo do dinheiro, que é suicidário como o fundamentalismo religioso.

António Pedro Pereira disse...

Caro Senhor Embaixador:
Com todo o respeito pela sua liberdade, não me parece que a minha observação mereça uma resposta tão crispada.
E eu não sou Anónimo, nunca fui em nenhum espaço público, identifico-me pelo meu nome próprio e pelo 2.º sobrenome.

Anónimo disse...

Embaixador, já não bastava o boinas a corrigie os assentos, agora bem esse Manuel Silva com esses pantelhos. ó Manuel Silva, já contas-te hoje as pulgas ao cão? detesto perfeccionistas

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Manuel Silva. Como respondi pelo iPhone não notei o nome. Aqui fica a retificação. A minha resposta está até "recuada" face à provocação que o seu texto encerra. Releia-o bem.

António Pedro Pereira disse...

Senhor Anónimo das 19:37,
Que eu saiba, nunca andámos na escola nem jogámos à bola juntos, pois não?
Se não quiser ter respeito por mim, ignore-me, mas, ao menos, respeite o espaço onde põe comentários lamentáveis como este.
É pena que se esconda cobardemente sob o anonimato, pois assim nunca saberei a que anónimo possa vir a responder no futuro.
Porque se soubesse, a si, jamais responderia.

António Pedro Pereira disse...

Caro Senhor Embaixador:
Lamento que tenha interpretado o que eu disse como uma provocação, pois isso foi uma intenção que nunca tive, repito, nunca tive.
Limitei-me a chamar-lhe a atenção para uma desconformidade entre o afirmado (através do tempo verbal viesse), que retira o benefício da dúvida que se deve dar ao governo na prossecução de outro caminho diferente do preconizado pela UE.
Uma coisa é o senhor afirmar que tem muitas dúvidas ou quase a certeza de que o governo não terá sucesso, outra é afirmar peremptoriamente que não terá, que foi o que escreveu.
Sendo o senhor um diplomata que faz jus à moderação e à adequação do que se diz aos locais onde se diz, por isso lhe perguntei, entre outras hipóteses, se tal escolha verbal se deveu ao local onde escreve agora.
Nada mais.
Já tem sido «barbaramente» insultado por comentadores que não merecem ter este espaço de liberdade que o senhor nos concede e não me lembro de ter ficado tão incomodado, pois por vezes nem lhes responde.
Mas não fico aborrecido com a sua reacção, registo-a, simplesmente, para ter mais cuidado no futuro e não beliscar a sua sensibilidade.
Espero que acredite na sinceridade que ponho no que lhe estou a dizer.

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