Com total sinceridade, devo dizer que compreendo que as formações da “esquerda da esquerda”, que apoiam o governo, tenham necessidade de vir a terreiro colocar alguns pontos marcantes da sua agenda ideológica.
De facto, sendo co-responsáveis pela viabilização de uma solução governativa cujo programa só limitadamente apoiam, é mais do que natural que procurem utilizar a sua conjuntural visibilidade no novo “arco da governação” para sublinhar temáticas que fazem parte do seu caderno reivindicativo.
Vem isto a propósito da questão da dívida.
Alguns dirão que PCP e Bloco estão a “atirar o barro à parede”. Eu diriam simplesmente que estão a ser coerentes. Da mesma forma que o PS está a ser coerente com o que sempre afirmou: a questão da dívida – e a diferença entre “reestruturação” e “renegociação” não é apenas semântica – não deve ser colocada por Portugal em termos exclusivamente nacionais.
O único quadro possível para o seu tratamento é o da União Europeia, no âmbito de uma resposta comum. Pretender suscitar autonomamente a questão desencadearia, necessariamente, efeitos incontroláveis de isolamento face aos mercados refinanciadores.
Contudo, isso não é incompatível com o facto de Portugal dever surgir na linha da frente de quantos se dispõem a estimular a abertura de um debate europeu sobre o assunto, persistindo em tentar revisitar a opção pela mutualização da dívida. Para os credores dos países endividados, a quem será necessário relembrar coletivamente os chorudos lucros que têm vindo a obter com as nossas dívidas, essa seria, aliás, a solução preferível a outros modelos mais tradicionais de “apagamento” escritural.
Nunca esquecerei o espetáculo triste que foi ver o dr. Passos Coelho afirmar um dia, à saída da Chancelaria federal alemã, que opção por esses “eurobonds” deveria ser excluída. Uma coisa é não se conseguir fazer vingar aquilo que seria bom para o país, outra coisa é fazer um mimetismo subserviente com a postura alemã.
Neste domínio, todos nos lembramos, com certeza, da excitação que atravessou o país aquando do surgimento entre nós do “manifesto do 74”, subscrito por personalidades de quadrantes políticos muito díspares. Essas pessoas disseram o óbvio: esta dívida não é pagável e há fortes dúvidas de que possa ser sustentável. O “manifesto” desfez-se na espuma dos dias, muito embora a situação não tenha mudado desde então. Porque as condições externas não foram ainda favoráveis.
Repito: percebo que a questão da reestruturação da dívida seja cara aos partidos mais à esquerda. Mas parece-me muito evidente que seria muito caro para o país segui-la. E, cá por coisas, acho que eles também sabem isto.
3 comentários:
Estou inteiramente de acordo: um dia a questão da renegociação dívida (que levará à sua reestruturação) terá de ser equacionada. Claro. Mas não percebo a pressa da "esquerda da esquerda" em colocá-la já na agenda (só pela sua própia natureza...). Os mercados financeiros e as agências de rating estão ainda na expectativa de como vai correr este orçamento. Seria mais curial aguardar que as "coisas" internamente se estabelizassem e aparecessem os primeiros sinais positivos deste novo rumo, e, com estes, se ganhasse a confiança dos nossos (re)financiadores e investidores. Mas a "esquerda da esquerda" é assim. Não há nada a fazer... a não ser Costa distanciar-se prudentemente.
Temos que acompanhar os ventos da história.
Orgulhosamente sós, estivemos apenas uma vez.
Agora temos que acompanhar os outros em fila, nos calcanhares da Grécia, mas sem refugiados.
Catarina Martins dixit: "Carlos Costa comporta-se como o porta-voz da Banco Central Europeu em Portugal". Do Banco Central Europeu digo e não do Africano.
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