terça-feira, setembro 19, 2023

Direitas


Hoje foi um dia luminoso na revelação do estado da direita em Portugal. Sem surpresas, a direita radical, populista e a-social, ficou de mão dada com a extrema direita, racista e xenófoba. A direita democrática, infelizmente, não quis separar as águas e ficou a meio da ponte.

O chefe Artur


Em 2003, na manhã cálida de 20 de julho, dia da cidade de Vila Real, o chefe Artur, o mais conhecido bombeiro da urbe, foi homenageado com a Medalha do município.

Duas outras pessoas - o médico António Passos Coelho (pai da pessoa em que estão a pensar) e eu próprio - recebemos, na ocasião, galardões similares. Em nome dos três, coube-me agradecer ao município, na pessoa do presidente de então, Manuel Martins, a distinção por todos recebida. 

No final, o chefe Artur, que era uma pessoa que eu conhecia "de toda a vida", como diriam as "piquenas" da Linha, veio ter comigo, para um abraço, e disse-me: "Ó doutor! Quem havia de dizer que nós os dois, que, há uns anos, andámos, de madrugada, a tirar com o guincho o carro do "Foquita" de um lameiro, em Parada de Cunhos, íamos estar aqui a receber juntos esta medalha!" 

Era bem verdade! Numa noite do final dos anos 60 ou início de 70, depois do meu grande amigo Zé "Foquita" nos ter conduzido inabilmente, com seu Mini, por uma ribanceira, junto à Toca do Lobo, felizmente sem consequências para além da chapa, tinha sido eu quem fora acordar o Artur à sua casa nos "bombeiros de cima", lá para as cinco da manhã, para "desenrascar" os efeitos do acidente. Terá sido a única ocasião em que o vi mal disposto.

É que o chefe Artur era, como sempre o recordo, um homem extremamente cordial, com um permanente sorriso, quando nos cruzávamos pelas ruas, ele no modo rápido e inclinado de caminhar que lhe era bem caraterístico. Estava, já há muito tempo, reformado das lides dos fogos, continuando a ser uma figura muito popular e querida na cidade. Ao que soube, morreu agora, com a bela idade de 93 anos. Fica o meu pesar e a sua fotografia (da autoria de Duarte Carvalho) com a medalha que ambos partilhamos.

segunda-feira, setembro 18, 2023

Portugal au Congo



Ao que constava nas últimas horas, estaria a acontecer um golpe de Estado na República do Congo. 

Para deixar as coisas claras, e para benefício dos leitores, existem dois Congos: este, cuja capital é Brazzaville, pelo que vulgarmente é designado por Congo-Brazza, e o país do outro lado do rio Congo ou Zaire (pelo qual, já agora!, andou e deixou padrões, no século XV, o meu conterrâneo vila-realense Diogo Cão), a República Democrática do Congo, também chamada de Zaire, que tem por capital Kinshasa, e que já teve como líderes figuras do jaez de um Mobutu ou de um Laurent Kabila, como talvez se lembrem.

No poder, no Congo-Brazza, esteve, pelo menos até ontem, Denis Sassou Nguesso. Agora, tinha-se deslocado a Nova Iorque. para intervir na Assembleia Geral da ONU e, por uma vez, poderia ter-se-lhe aplicado a fórmula que eu ouço desde a infância: "quem vai ao mar, perde o lugar". Logo se verá!

Nguesso tem uma grande experiência do lugar de presidente: esteve nesse cargo de 1979 a 1992 e, depois de um interregno, de 1997 até agora. É fazer as contas! São 39 anos. E teve uma filha que foi casada com o líder do vizinho Gabão, Omar Bongo, homem já desaparecido há uns anos, que também tinha alguma experiência do poder: foi presidente por 42 anos. O filho de Omar Bongo, Ali, de seu nome, foi à vida, há semanas, por um "movimento das forças armadas" qualquer.

Creio (mas posso estar enganado) que Portugal nunca teve uma embaixada em Brazaville. Mas tivemos, por lá, por muitos anos, uma figura extraordinária como cônsul honorário, o José Fernandes. Fernandes era um verdadeiro português dos trópicos: influente, com excelente "trânsito", cordial e conhecedor da terra como ninguém.

De uma das vezes que estive em Brazaville, além de algumas cenas que para sempre não poderei contar, assisti a duas extraordinárias manifestações da rara influência do José Fernandes, que era, aliás, figura com acesso fácil a Nguesso, como vim a confirmar por outras fontes. 

Numa delas, perante o interesse manifestado pelo chefe da nossa delegação de se encontrar com um determinado ministro, que sugeriu poder ir visitar no seu gabinete, o José Fernandes reagiu: "Essa agora! Não vai nada ao gabinete dele. Eu chamo o ministro a minha casa e encontram-se lá". E chamou...

A segunda foi também de mestre. Por uma qualquer razão, chegámos demasiado cedo ao aeroporto, onde íamos apanhar um voo para Paris. A sala VIP, dado o adiantado da hora, estava fechada. O embaraço coletivo durou um segundo: com um sorriso, o José Fernandes sacou da chave que tinha de acesso à sala. E logo partiu para o bar, servindo os integrantes da nossa delegação. 

Tenho saudades do José Fernandes, um homem simpático, já desaparecido há uns anos, que voltei a reencontrar, tempos mais tarde, num jantar, em que me recordo que estava também o meu colega e amigo, embaixador Leonardo Mathias, que creio teve lugar em Linda-a-Velha. Na ocasião, o José Fernandes disse-me: "Nunca me esqueci de uma coisa que o doutor me contou em Brazza, numa noite: que há um "José Fernandes", uma figura importante, num livro de um escritor português. Pode dizer-me o nome do livro?"

Não sei se o José Fernandes chegou a ler "A Cidade e as Serras", onde um seu homónimo é uma espécie de "compère" do Jacinto, de Paris a Tormes, com comboios, favas e primas pelo meio. Mas o "nosso" José Fernandes de Brazzaville, embora, que eu saiba, não esteja ainda retratado na nossa literatura, tinha, incomparavelmente, mais graça como figura do que o homem de Guiães.

domingo, setembro 17, 2023

O "Coffee Club"


O alteração - só se fala em alargamento, mas isso não esgota as soluções - do número de países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, cuja Assembleia Geral anual agora de inicia, é e promete continuar a ser debate eterno.

Os atuais cinco membros são os Estados que a História, pela força das armas e dos compromissos que delas resultaram, consagrou como vencedores da Segunda Guerra Mundial, embora a China que por ali esteve, de 1945 a 1972, fosse o regime que hoje procura sobreviver em Taiwan. 

À luz das realidades do mundo de hoje, a composição do Conselho não tem a menor racionalidade, pelo que só os ingénuos podem pensar que será uma decisão consensual a alterar o "statu quo". Todos sabemos de que países se fala como putativos novos membros: Brasil, Alemanha, Índia, Japão e um eterno "país africano" que ninguém ousa designar, porque os ventos se dividem entre o Egito, a África do Sul e a Nigéria.

Mas já ouviram falar do "Coffee Club"? Em 1995, a Itália, sob o impulso do ativo embaixador Francesco Fulci, decidiu avançar com uma iniciativa intitulada "Uniting for Consensus", que punha em causa o direito "natural" daqueles quatro países de serem os destinatários dos futuros novos lugares. 

O nome de "Coffee Club" ficou popularmente ligado à ideia, que logo mobilizou o México, o Paquistão e o Egito. Essa frente da "dor de cotovelo" logo alargou-se depois à Argentina, o Canadá, a Turquia e até a Espanha. Mas a vocação para essa "segunda divisão" é imensa, da Austrália à Coreia do Sul, da Polónia à Indonésia e por aí adiante, com a Arábia Saudita e Angola a não poderem ser excluídos.

Ironizando com a constante presença da Alemanha e do Japão nas sugestões para o alargamento do Conselho de Segurança, sem que a sua Itália aí fosse mencionada, o embaixador Fulci teve um dia uma tirada que ficou célebre: "Nós também perdemos a guerra!"

Lembram-se dos Acordos de Oslo?

 

Pode ver aqui.

sábado, setembro 16, 2023

Cuba e o G77


Nos últimos dois dias, falou-se bastante do G77, que teve uma reunião em Cuba, onde estiveram presentes António Guterres e Lula da Silva. Muitos se interrogaram sobre que diabo era isso do G77.
Vou contar uma história a propósito.
Em 2001, poucos meses depois de chegar a Nova Iorque para representar Portugal na ONU, e de ter sido eleito para a vice-presidência do Conselho Económico e Social (ECOSOC), fui aproximado pelo meu colega do Reino Unido, que ia deter dentro em breve a presidência do Conselho de Segurança, pedindo a minha ajuda para se organizar uma ação conjunta entre esse órgão e o ECOSOC.
Seria uma jornada de um dia, já não recordo sob que temática, que se me afigurava relativamente neutral e até interessante. Eu estava encarregado de desenvolver um conjunto de ações para dar visibilidade ao trabalho do ECOSOC e uma ideia dessas vinha mesmo a calhar.
Perguntei-lhe se a China estava de acordo, porque o peso do G77 (grupo de países do Sul, onde a voz de Pequim era influente) era essencial. Garantiu-me que sim, que todos os cinco membros permanentes não criariam dificuldades. Achei "fruta a mais", mas falei com o colega camaronês que presidia ao ECOSOC e obtive luz verde para avançar.
As primeiras sondagens tornaram-me otimista. Procurei o colega iraniano, que tinha considerável poder de mobilização para um potencial bloqueio no G77, que, sem mostrar grande entusiasmo, disse que, por ele, não objetaria. Mas advertiu-me: "Não faças nada sem falar com o Bruno!" E lá fui à procura do simpático embaixador cubano na ONU. Na semana anterior, tivera-o a jantar em casa com a mulher. Achei que estava "no papo". Pois isso!
Bruno Rodriguez foi encantador, como sempre, começando por me dizer, com aquela memória de elefante que se cria no mundo multilateral: "Sabes que essa ideia já não é nova?" Eu não sabia. "Mas tens alguma coisa contra a iniciativa?", perguntei-lhe. Expliquei que a temática me parecia inóqua, que os restantes membros permanentes não pareciam ir criar dificuldades, que alguns "key players" do Sul que já tinha contactado também não objetariam. Porém, a influência de Cuba no G77 era grande, pelo que precisava do seu apoio.
Bruno olhou para mim, para a minha "naïveté", e disse-me: "Tens de perceber que não é o tema a tratar que interessa, porque o que importa é quem o propõe. Se essa iniciativa vem dos britânicos é porque interessa "a los yankees" e, Francisco, se a ideia interessa a Washington não nos interessa a nós. E posso assegurar-te uma coisa: os americanos fariam o mesmo, se fôssemos nós a ter a iniciativa. Só que nós nunca o faríamos, porque consideramos importante que o ECOSOC fique imune às iniciativas do Conselho de Segurança, em especial se vindas de certos países. Por isso, tenho muita pena, mas não podes contar com o meu apoio". E a ideia foi "por água abaixo". Quando expliquei, com pena, ao meu colega inglês que não pudera ser-lhe útil, fiquei com a sensação de que não estava à espera de outra coisa...
O Bruno Rodriguez de quem falo nesta história é hoje, nem mais nem menos, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba. O mundo é pequeno.

Tentei explicar na CNN Portugal o que é o G77. Pode ver aqui

Cimeira do G20 - Os presentes e os ausentes

 

Pode ver aqui.

A guerra na Ucrânia e a deslocação do líder norte-coreano à Rússia


Pode ver aqui.

Botero e o presidente


Em alguns países da América Latina, a assunção de funções de governo por um substituto, na ausência do titular efetivo do posto, tem uma consagração formal muito expressiva. Se um ministro sai para o exterior, por uma qualquer razão, a pessoa que fica responsável pelo seu cargo passa, de imediato, a ser designada por "ministro interino" e, como tal, a ser qualificada obrigatoriamente em cerimónias e na imprensa. Diga-se que, de certo modo, isso lhe confere um suplemento de autoridade e dá aos seus atos um significado diferente, como que colmatando o que poderia ser um vazio político.

No Brasil, o caso mais flagrante prende-se com as ocasionais ausências simultâneas do presidente e do vice-presidente da República. Neste caso, assume o cargo o presidente da Câmara dos Deputados. Se este estiver ausente, essa titularidade passa, sucessivamente, ao presidente do Senado e ao presidente do Supremo Tribunal Federal. Em alguns casos, estes titulares interinos fazem questão de assumir a plenitude dos direitos do cargo e mudam-se - nem que seja por escassos dias! - para o gabinete presidencial e recebem em audiência nesse cenário, com abundância de fotografias oficiais. Para a história divertida ficou mesmo o caso de quem, no precário exercício dessa fortuita e ocasional função, foi bem longe no usufruto das benesses logísticas a que a mesma dava lugar, requisitou um avião oficial e, com um grupo de amigos, foi visitar o Estado de onde era originário...

A prática europeia, pelo menos nos casos que conheço, parece ser bastante menos formal. Em Portugal, a um secretário de Estado que fica a chefiar um ministério na ausência do ministro não lhe passaria nunca pela cabeça intitular-se "ministro interino", do mesmo modo que - como uma exceção histórica que só confirma a regra - um presidente da Assembleia da República jamais seria tentado a mudar-se para Belém, durante a ausência do país do presidente da República. Cada terra com seu uso...

Vem isto a propósito de uma conversa que, há mais de 20 anos, um grupo de embaixadores na ONU (em rigor, deve dizer-se de "representantes permanentes", designação para os chefes de missões diplomáticas junto de organizações internacionais) estava a ter em casa do meu querido amigo e colega espanhol Inocencio ("Chencho") Arias, à volta de um almoço. Por qualquer razão, veio então à baila esta prática latino-americana. Alguns comentaram, de forma irónica, a profusão de "presidentes interinos" a que a mesma pode conduzir. Nem todos, porém, comungaram dessa visão ligeira.

Um dos colegas latino-americanos, aliás um dos mais qualificados entre todos os colegas que cruzei em Nova Iorque, pediu a nossa indulgência e, um tanto embaraçado, revelou: "Também eu, um dia, assumi por três dias as funções de presidente da República. Era o ministro mais antigo e coube-me ocupar o cargo. E, devo confessar-vos, não resisti: coloquei a faixa presidencial e, com a família, tirei fotografia oficial, com constituição na mão e bandeira por detrás. Com os diabos: aquilo só acontece uma vez na vida!".

O quadro do artista colombiano Fernando Botero, que ontem morreu, que tem o título de "El Presidente", é talvez cruel de mais, mas não resisti a utilizá-lo a ilustrar este post.

sexta-feira, setembro 15, 2023

Honra

Os liberais votaram hoje na Assembleia da República contra o voto de saudação a Graça Freitas por quatro décadas de dedicação ao serviço público na área da Saúde. Este voto foi maior honra que podia ter sido feita à Dra. Graça Freitas.

Obscenidades

Tenho encontrado, pelas rotundas deste país, obras de "arte autárquica" bem mais obscenas (no sentido estético) do que a estátua que um grupo de ilustres portuenses (entre os quais vários amigos meus) quer retirar da cena pública. Acho este caminho muito perigoso.

Repito

Tenho consciência de que sou suspeito ao dizer isto, mas entendo que, em especial no ambiente emocional que a guerra na Ucrânia instalou entre nós, a diversidade opinativa apresentada pela CNN Portugal continua a constituir uma imensa mais valia.

"O que se leva desta vida..."


Conhecia Domingos Bucho como historiador. Encontrámo-nos, pela primeira vez, há mais de 11 anos, em São Petersburgo, onde, com sucesso, trabalhámos para colocar Elvas no Património Mundial da UNESCO.

Desconhecia a vocação gastronómica de Domingos Bucho. E ela aqui está, num livro interessantíssimo, com o nome que coloquei em título e um subtítulo que diz tudo: "Selecção de cozinhados tradicionais de Portalegre e do Sul de Portugal com alguns empréstimos de além-fronteiras". 

São mais de 300 páginas, num volume graficamente apelativo, onde as notas pessoais se cruzam com os apontamentos cultos do historiador, um passeio pelas zonas de eleição de Domingos Bucho, que basta folhear para que o apetite se nos abra.

Depois da nossa comum "batalha de Leninegrado", reencontrar Domingos Bucho nesta sua excelente aventura de divulgação culinária foi uma bela surpresa. Deixo-lhe um abraço de amizade e de admiração.

quinta-feira, setembro 14, 2023

Vale uma aposta?

O BCE aumentou a taxa de juro. Quem é que, por cá, vai pagar, politicamente, por esta decisão? 

O "pasodoble" da traição


(Vamos lá ver se consigo escrever isto escapando às pedradas morais do politicamente correto. Duvido, mas vou tentar).

Era um casal que recordo na casa dos 50 anos. Julgo que o marido teria uma qualquer ligação à minha família paterna, em Viana do Castelo. Em vida da minha avó, e ela morreu na primeira metade dos anos 60, eles iam visitá-la, algumas vezes ao ano, deslocando-se da localidade próxima onde habitavam.

A vida desse casal tinha, num passado já longínquo, atravessado uma crise. À senhora tinha-lhe fugido um dia o pé, e o resto, para uma traiçãozita romântica, de algumas sérias proporções, que terá abalado o matrimónio, embora não o arruinando em definitivo. Era precisamente o facto de constar que o marido tinha acomodado, talvez com exagerada complacência, o deslize da senhora que motivava algumas graçolas na ala masculina da nossa família.

Recordo que estamos a falar do final dos anos 50 e início dos 60, de uma cidade de província, onde, como em todo o país de então, prevalecia uma cultura predominantemente machista. Uma "traição" feminina era uma "desonra", uma "aventura" masculina era, pelo contrário, uma "ousadia". As coisas eram assim, goste-se ou não de as olhar hoje com outros olhos. Um marido traído era, para poupar palavras, um "corno", uma mulher enganada era apenas uma "coitada". Repito: era assim e não vale a pena "chover no molhado".

Eu era miúdo, ia a Viana com os meus pais umas três vezes por ano e, em algumas dessas ocasiões, acontecia o tal casal passar lá por casa. Com a idade que tinha, não fazia a menor ideia da historieta, nem os tais pecadilhos, se os conhecesse, seriam por mim entendidos. Contudo, a certa altura, comecei a notar que uma pessoa da nossa família, figura brincalhona por natureza, sempre que era anunciada a chegada daquele casal, começava a trautear, baixinho, uma certa música, que, mais tarde, vim a saber tratar-se de um conhecido "pasodoble", que era (e imagino que ainda seja) muito tocado nas touradas. Observei então que quase toda a gente sorria, ao ouvir aqueles acordes. E também que o trauteio era suspenso no instante da entrada do casal na sala, o qual, curiosamente, era assim recebido sempre num ambiente muito risonho, que os visitantes seguramente atribuiam ao regozijo provocado pela sua aparição. Por mim, um dia, perdida a inocência, lá cheguei à explicação de tudo.

Com os anos, na minha família paterna, o trautear desse "pasodoble" passou para sempre a ser usado como referência implícita a qualquer história de traição feminina (nunca masculina, machismo oblige). E esta referência foi-se espalhando risonhamente pela minha geração e dos meus primos (a geração seguinte não irá prolongar esta memória, porque ninguém lha transmitiu, podem ficar sossegados as/os puristas). E, ainda hoje, se alguém, entre nós, é ouvido a trautear a melodia, é certo e sabido que vem aí a caminho alguma historieta de "gossip" picante...

Há umas semanas, passei pelo que resta da praça de touros de Viana do Castelo, na Argaçosa, junto às Azenhas do Dom Prior. Está agora revestida de uma estrutura, julgo que metálica, para a preparar para um qualquer destino desportivo. E como a todos nos acontece em certas alturas, perante um determinado estímulo de memória, dei comigo a assobiar uma música. Adivinharam: era esse "pasodoble". E lembrei-me então desta história. Isto é como as cerejas.

quarta-feira, setembro 13, 2023

... e o Itamaraty sabe isso!

A ideia, surgida no seio do governo brasileiro, do país poder vir a rever a sua pertença ao Tribunal Penal Internacional é de uma imensa insensatez. Se essa decisão fosse por diante, o país iria enterrar, em definitivo, o seu sonho de poder vir a integrar em permanência o CSNU.

Dia de Natália

Artur Boal

Eu tinha acabado de me mudar para Lisboa, nesse final dos anos 60. Uma noite, um amigo e colega de faculdade, Daniel Polónio, levou-me a um bar, situado numa cave, perto do mercado de Campo de Ourique, julgo que em frente à igreja, um local que nunca mais consegui localizar com exatidão. (Se algum olisipógrafo da noite tiver a amabilidade de lembrar o nome, que podia ser "Candeeiro" ou uma coisa assim, ficava muito grato). Nele tocava então Denis Cintra, filho de Lindley Cintra, no tempo em que as baladas "de protesto" estavam na moda.

A certa altura, com algum espavento, Natália Correia entrou na sala fumarenta. Era inconfundível pela sua postura, cabeça atirada para trás, ar desafiante, voz forte. Vinha com Ary dos Santos e um pequeno séquito. O espaço estava "à pinha". Recordo que se juntaram à nossa mesa, onde talvez houvesse amigos comuns. Por pouco mais de uma hora, estiveram por ali, ouvindo Cintra e alguns espontâneos, naquela espécie de baladeirismo vadio que à época se fazia. Partiram depois, imagino, para outras noites. Não recordo ter trocado qualquer palavra com Natália Correia.

Passaram uns anos. Natália era a proprietária daquele que foi um dos bares "políticos" mais famosos da noite lisboeta, o Botequim. Embora encontrasse quase sempre por lá alguns conhecidos, aquela nunca foi a minha praia. Mas não deixava, de quando em quando, de ir ali beber um copo, quase que por curiosidade antropológica, pela imensa graça que aquele local na Graça tinha em termos de frequência.

Numa noite dessas noites, depois de um jantar, creio que na transição dos anos 70 para 80, com umas eleições à porta, fomos lá com um amigo, o Luís Gomes de Abreu. A certa altura, na conversa, ele anunciou, em voz audível em outras mesas, que tencionava abster-se no sufrágio que teria lugar dias depois. 

O que ele foi dizer! A Natália e a sua boquilha avançaram logo para nós. Indignada, abancou na nossa mesa, encetando uma homérica discussão com o Luís, connosco a assistir, divertidos, à cena. A certa altura, o Luís, defensivo, atirou para a Natália: “Mas nós até estamos de acordo na política! Este meu amigo é que é de esquerda!” Desastre! De repente, passei a alvo de Natália Correia, com o Luís aliviado e o meu argumentário já um pouco debilitado pelo consumo líquido da noite. Já nem sei como aquilo acabou, lá para as três da manhã! Até o Dórdio Guimarães a veio chamar várias vezes!

A nossa vida foi andando, a morte apanhou, entretanto a Natália. Há não muito tempo, à volta de uma mesa de jantar, num local bem amável para copos e petiscos, ali pela Sé, do dono, Manuel Murteira, nosso amigo e amigo da Natália, ouvimos histórias deliciosas sobre ela e sobre o ambiente do Botequim. 

Recordou aquele inconfundível porteiro de cor cadavérica, o Bento, o empregado Bandola, bem como o Carlinhos do piano. Falou-se de Isabel Meirelles, a artista plástica surrealista, sócia de Natália Correia, que encontrei várias vezes em Paris, onde tive o gosto de a condecorar, figura que atribuiu o nome ao famoso "bife à Fritz", que era por servido no Botequim. E até veio à baila a história de um cliente dos Açores, que sempre chegava ao bar depois de jantar no Gambrinus, e que, sendo homossexual, revelou um dia que, quando vinha ao continente, tinha uma "dificuldade", porque só aceitava parceiros açoreanos e isso nem sempre era fácil em Lisboa...

Logo depois dessa conversa, deu-me uma de nostalgia e passei pelo Botequim. "Passei" é a expressão exata. Nos breves segundos que estive no bar senti-me como no fado da Amália. É que, de facto, "está tudo tão mudado" que "não vi nada, nada, nada, que fizesse recordar" a Natália Correia. Embora o ambiente parecesse animado, a onda não era, definitivamente, a nossa. (Outra vez!). Abalámos e fomos "dar de beber à dor" a um pouso mais ao nosso jeito. 

Natália Correia voltou entretanto a "aparecer-me", há poucos anos, quando uma editora me pediu que, na FNAC Chiado, ao lado de Manuela Eanes, de quem era amiga, apresentasse a reedição do seu livro "Descobri que era europeia". Foi uma oportunidade para visitá-la de novo.

No dia de hoje, se fosse viva, Natália Correia faria precisamente 100 anos. Devo confessar que não sou um fã incondicional da sua escrita, como nunca o fui de nenhuma das suas opções políticas em democracia, mas reconheço a Natália Correia uma intensidade única, uma presença que foi ímpar na sociedade portuguesa, onde sempre teve a coragem de dizer, em voz bem alta, o que pensava, mesmo que tal não estivesse a favor do vento que soprava. Concedo que é uma imensa banalidade e um lugar comum de trazer por casa, mas apetece-me dizer que fazem hoje falta figuras como Natália Correia. Quase que se imagina o que ela diria, nos tempos que correm...

Aos catastrofistas

 


segunda-feira, setembro 11, 2023

Memória de onzes de setembro


11 de setembro de 2001. Nova Iorque. A voz, pelo telefone, era de José Rodrigues dos Santos. Era o jornal da 13 horas da RTP, para o qual eu entrava em direto, sem imagem. Era embaixador português nas Nações Unidas, nesse dia trágico em que as Torres Gémeas tinham acabado de cair, por ação da barbárie. Dei conta, nessa curta intervenção, do trauma em que todos estávamos, na missão portuguesa, naquela cidade em compreensível estado de sítio, depois de uma louca manhã.

A certa altura, quase a concluir a conversa (logo depois, as ligações telefónicas com Lisboa iriam ficar interrompidas, por cerca de dois dias), Rodrigues dos Santos perguntou-me qualquer coisa como isto: "Embaixador, imagino que a data de 11 de setembro, a partir de hoje, vá ficar marcada na sua vida". Saiu-me algo assim: "Já estava. O 11 de setembro de 1973, data do golpe fascista de Pinochet no Chile, já fazia parte das minhas memórias trágicas". Pela troca de olhares, percebi que as duas pessoas que, no meu gabinete, assistiam à conversa, não pareciam muito concordantes com a oportunidade desta minha evocação. Dias depois, ouvidos de Lisboa, outros amigos também foram da mesma opinião. Eu, contudo, nunca me arrependi.

Passou, entretanto, uma semana. Entre as estantes da Barnes & Nobel da 3rd Avenue, dei de frente com Jose Miguel Insulza, ministro do Interior do Chile. Em 1998, ao tempo em que ele era ministro das Relações Exteriores, eu tinha sido o membro do nosso governo escolhido para o acolher em Lisboa, à frente da delegação do seu país à Expo 98. Dois anos depois, em Santiago, numa visita oficial que fiz ao Chile, ele tinha-me recebido calorosamente no Palácio de La Moneda, como presidente da República interino que então era. Nessa ocasião, que ocorreu logo depois de eu ter ido colocar cravos vermelhos no mausoléu de Allende, ele tinha notado que eu estava bastante emocionado, ao caminhar pelos corredores daquele palácio. No encontro na livraria em Nova Iorque, Insulza disse-me: "Os americanos acabam de ter o seu trágico 11 de setembro. Mas nós já tínhamos tido o nosso".

11 de setembro de 1973, faz hoje 50 anos. Lisboa, Lumiar, Escola Prática de Administração Militar. Ao final da tarde, um pequeno grupo de soldados-cadetes, de "Ação Psicológica" e "Licenciados em Direito", fazia formatura para sair da unidade. Um desses cadetes disse: "Já sabem as novidades do Chile? Ouvi na rádio que o regime de Allende está a ser derrubado por um golpe de estado militar. Convido todos a virem beber uma taça de champanhe a minha casa. Temos de comemorar!" Era a brincar, mas mesmo assim...

A maioria daquele grupo era bastante conservadora e, se bem me lembro, havia por ali algum regozijo com a notícia. O António Franco, o Miguel Lobo Antunes e eu (não sei se mais alguém) rugimos algumas imprecações. O António foi mais longe e disse, irónico, em voz alta: "Vocês, seus "fachos", estão com muita sorte. É que já entreguei no armeiro a minha G3..." Recordo que o 25 de Abril só chegaria no ano seguinte.

Mistérios

Um dos mistérios da atividade russa nos territórios que "nacionalizou" na Ucrânia é a sua persistência na realização de referendos e eleições. Moscovo deve saber que ninguém, em nenhum lado, aceita esses exercícios como minimamente credíveis e, no entanto, persiste em fazê-los, vá-se lá saber para quê.

domingo, setembro 10, 2023

Teodora Cardoso

Teodora Cardoso não era uma voz cómoda. Nem se importava de o não ser. Economista de créditos firmados, tinha ideias muito próprias e fazia questão de as afirmar. Algumas vezes, assisti à irritação de certas pessoas, com elevadas responsabilidades, por virtude das suas tomadas de posição. Mas nunca vi ninguém contestar a sua seriedade ou acusá-la de ter uma "agenda" que ultrapassasse o seu interesse em colocar os seus argumentos. Recordo um debate que fiz com ela, há 25 anos, na Ordem dos Economistas. E a sua gentileza no modo como expôs as suas divergências comigo. Tinha um grande respeito por Teodora Cardoso, que acaba de nos deixar.

quinta-feira, setembro 07, 2023

"A Arte da Guerra"


Em "A Arte da Guerra", o podcast semanal do "Jornal Económico" sobre temas internacionais, uma conversa minha com o jornalista António Freitas de Sousa, é abordada a situação na Ucrânia (a evolução da guerra no terreno e a demissão do ministro da Defesa), o estado da arte das movimentações pré-presidenciais nos EUA (desde as atribulações de Trump às fragilidades de Biden) e o declínio crescente do papel da França em África. 

Pode ver aqui.

Honrar Eça de Queiroz


Há uns anos, quando vivia em Paris, levei Luís Santos Ferro, um imenso queirosiano, infelizmente já desaparecido, a passar pela primeira casa que Eça de Queiroz tinha habitado, quando para ali fora como representante consular de Portugal. O Luís tinha-me sugerido essa iniciativa, bem como a necessidade de renovação da memória que assinala o local da última morada de Eça de Queiroz. Explicava-lhe eu as peripécias por que então estava a passar, para conseguir colocar uma placa evocativa nesse primeiro edifício, porque os franceses levam essas iniciativas muito a sério, quando recebi do Luís a seguinte reação: “O Francisco devia tentar promover que, em Portugal, os restos mortais do grande Eça fossem para o Panteão!”

Não era coisa em que eu já não tivesse pensado, mas, confesso, à época, nem sequer conhecia bem os mecanismos necessários para dar honras de Panteão Nacional a uma personalidade. E que podia eu fazer para isso? Limitei-me então a alertar, num texto no meu blogue pessoal, para o interesse que haveria em lançar um movimento nacional de apoio à ideia, que me parecia altamente meritória. O meu sucesso imediato foi escasso, mas aprendi na vida que há coisas que precisam de tempo para maturar o seu caminho.

Vale a pena dizer que, por muitos anos, e ao contrário do que sucede em outros países, não foi muito forte, em Portugal, a consciência da importância de uma figura nacional ter os seus restos mortais depositados no Panteão de Santa Engrácia. O atraso da conclusão das obras do edifício também não ajudou a dignificar a simbologia do local, circunstância que foi pretexto para uma graça que atravessou gerações. Decisões discutíveis, na seleção de personalidades a homenagear, não facilitaram igualmente a consensualização do processo. Mas, com o tempo, o regresso de um maior critério e alguma serenidade no debate, o prestígio do monumento foi-se reforçando.

Eça de Queiroz é a única das grandes e indiscutíveis figuras portuguesas que não está no Panteão Nacional? A resposta é não. De facto, como todos sabemos, há grandes personalidades da nossa História e cultura que não estão depositadas naquele espaço. Mas, se refletirmos um pouco, chegaremos facilmente à conclusão de que, na totalidade dos casos para quem essa glória seria, em geral, incontroversa, os seus túmulos estão hoje em lugares com dimensão arquitetónica e simbólica relevante.

Esse não era, até agora, o caso de Eça de Queiroz. Na vida, fui uma única vez ao cemitério de Santa Cruz do Douro, prestar homenagem àquele que considero o maior escritor de sempre da literatura portuguesa. O cemitério é um local com dignidade, tal como o é a sepultura de família em que o escritor se encontra depositado.

Mas há que convir, e creio que dificilmente isso pode ser contestado, que a projeção de uma figura com a dimensão de Eça de Queiroz ganhará imenso em ser destacada num local como o nosso Panteão. O gesto de proceder à mudança dos seus restos mortais para um lugar com forte destaque nacional é um ato que dignificará a memória do escritor, mas que igualmente honrará a generosidade da terra que foi a sua sepultura por todos estes anos.

Eça nasceu na Póvoa de Varzim e morreu em Neuilly, às portas de Paris. O que dele resta esteve acolhido, ao longo de todos estes anos, numa geografia a que uma parte da sua obra ficou para sempre ligada. Ninguém que aprecie Eça de Queiroz esquecerá alguma vez Tormes! As pessoas continuarão a visitar, cada vez mais, o lugar eterno de “A Cidade e as Serras”. Ali pararão com vontade de comer “umas favas”, como as que “rescendiam” noutros tempos. Alguns, mais curiosos, descerão mesmo à estação, à cata da sombra literária do Silvério. Eu, por mim, continuarei a fazê-lo, sempre que puder!

E a grande maioria dos que ainda não tiverem tido o ensejo de ir por ali - portugueses e estrangeiros, crianças das escolas e simples turistas -, quando o circuito da capital os conduzir ao Panteão Nacional, ir-se-ão lembrar, através da presença do grande escritor naquele monumento, que existe uma belíssima aldeia no Douro onde ele soube desenhar, para sempre, com palavras únicas, uma paisagem que é hoje uma visita obrigatória em Portugal.

Apraz-me registar que a excelente iniciativa de trasladar os restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, assumida pelo escritor e familiar de Eça, Afonso dos Reis Cabral, presidente da Fundação Eça de Queiroz, tenha sido proposta na Assembleia da República, com completo acordo parlamentar, por José Luís Carneiro, responsável político, parlamentar, antigo governante e autarca de Baião, a terra que acolhe a Fundação e que, para sempre, se manterá, no país, como o lugar de culto da memória do escritor.

(Texto que elaborei em 2021, com destino ao boletim da Fundação Eça de Queiroz, de cujo Conselho Cultural faço parte. Agora que a data da trasladação se aproxima, não sem que uma polemicazita se tenha gerado, como é de bom tom na nossa paróquia político-literária, resolvi deixá-lo transcrito aqui. Leio entretanto que o Círculo Eça de Queiroz se manifestou contra a trasladação (não se escreva transladação, por favor!). Que fique bem claro que este sócio de categoria A desse mesmo Círculo Eça de Queiroz, que o é também do não menos queirosiano Grémio Literário, não acompanha minimamente esta posição institucional do seu clube.)

quarta-feira, setembro 06, 2023

Conselhos

"O Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente". Além da dissolução da AR, demissão do governo e coisas de guerra e paz, cabe-lhe "aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar". E só. "For the record".

Outra gente


Há dias em que percebemos que as coisas têm sempre um outro lado. E que nesse lado, acredite-se ou não, vive gente.

Separações

Nunca tive a menor simpatia pelas causas separatistas em Espanha, mas detesto o discurso radical, com adjetivação indignada e quase insultuosa, utilizado por alguma direita portuguesa sobre Puigdemont e similares. "Mind your own business!"

Ele não vai lá estar

Pelas minhas contas, foi há cerca de 15 anos. Eu ia a um médico, ao Estoril, ao final da tarde. A consulta estava atrasada, pelo fui beber um chá à Garrett, que ficava perto. A certa altura, vejo entrar na sala o meu amigo Caetano da Cunha Reis. Estava de passagem por ali, por qualquer razão. Abraços e tomámos chá juntos. 

O leitor perguntar-se-á: e que é que temos nós a ver com isso? Logo verão. Anoto apenas que o Caetano morava então perto da avenida Álvares Cabral, em Lisboa. 

Passaram mais seis ou sete anos. Marquei consulta no mesmo médico. Ao fixar a hora, que então era de manhã cedo, a senhora do consultório disse-me: "Sabe que a nossa morada mudou?". Não sabia. Estavam então em Lisboa, numas torres longe do centro. Tomei nota. 

No dia da consulta, porque conhecia mal a nova zona, fui com algum tempo, cheguei cedo, estacionei o carro e procurei um café próximo. Era muito pequeno, com poucas mesas. Entrei e, numa delas, quem é que estava? Não me digam que acham normal que o Caetano estivesse, precisamente, àquela hora, naquele esconso café, a dezenas de quilómetros do outro local? A beber um chá. Mas estava.

Daqui a horas, regresso ao mesmo médico. O sítio do consultório, de novo no Estoril, informaram-me, é agora outro. Vou cedo, para descobrir a morada certa. 

Palavra de honra que não vou resistir a entrar no café que estiver mais próximo do consultório. Embora não saiba bem para quê. É que tenho a certeza de que não vou encontrar por lá o meu amigo Caetano da Cunha Reis - com o seu sorriso, a sua barba e a sua amizade. O Caetano deixou-nos, a todos, vai para dois anos. E, podendo haver coincidências, infelizmente milagres não há.

terça-feira, setembro 05, 2023

Exegese de um comunicado


A reunião de hoje do Conselho de Estado - órgão de aconselhamento do presidente da República, relembre-se - acabou emitindo um texto sobre a Ucrânia:

"Quanto ao tema Ucrânia, foi reafirmada a solidariedade e a admiração pela resistência do povo ucraniano e reconhecido todo o apoio que Portugal – com plena concordância entre os órgãos políticos de soberania - tem prestado, nas suas múltiplas dimensões, nomeadamente política, diplomática, militar e humanitária. Foi, ainda, assinalado o compromisso de Portugal no processo de integração da Ucrânia na União Europeia e na NATO."

Interessante texto. Vale a pena relê-lo, nas suas três dimensões.

1. "... foi reafirmada a solidariedade e a admiração pela resistência do povo ucraniano". Uma afirmação "crystal clear", que exprime um sentimento que se sabe amplamente maioritário no país. Nota-se, contudo, a ausência de qualquer referência aos órgãos de Estado e governo de Kiev, frequentemente destacados e mesmo personalizados nas manifestações de apoio político internacional.

2. "... (foi) reconhecido todo o apoio que Portugal tem prestado, nas suas múltiplas dimensões", referindo-se depois a "fórmula" das quatro dimensões que governo e presidentes da República e da AR sempre repetem. É uma constatação em tom positivo, embora o "reconhecido" não vá muito longe em termos de elogio, sobre uma ação da responsabilidade do executivo, o qual sai, mesmo assim, confortado na valia das decisões que tomou, ao afirmar-se que tal foi feito "com plena concordância entre os órgãos políticos de soberania". 

3. "... (foi) assinalado o compromisso de Portugal no processo de integração da Ucrânia na União Europeia e na NATO." . Esta é a expressão para mim mais significativa. Depois da visita do presidente a Kiev, constatou-se que o "compromisso de Portugal" em cada um dos dois processos tinha ficado declinado, em termos de discurso, por Belém e pelo tandem S. Bento/Necessidades, em tons ligeiramente diversos, quer na sua ênfase, quer, em especial, no voluntarismo político e automatismo de etapas que lhes está subjacente. A expressão saída do Conselho de Estado, na sua relativa economia de entusiasmo, fica mais próxima do modo cuidadoso como António Costa tem abordado o problema.

Há dias em que vale a pena ler o que sai de uma reunião do Conselho de Estado, independentemente desse aspeto, neste caso despiciendo, que é saber o que lá realmente se passou.

Espanhas

Em Espanha, Puigdemont estica a corda. Ao colocar condições dificilmente aceitáveis, pode estar a jogar a cartada de novas eleições, em janeiro de 2024. Com toda esta coreografia, assegura maior visibilidade e tenta mostrar-se como detentor de representatividade regional.

Porto sentido

A Porto Editora, ao publicar o novo livro de Cavaco Silva sobre a "arte" de governar, revela estar a regressar à sua histórica missão de editar manuais escolares.

Clássico

As loas a Cavaco Silva nas redes sociais, a propósito do seu novo livro, representam o implícito reconhecimento de que o seu "hemisfério" político (a imagem é de Marcelo Rebelo de Sousa) vive numa tal orfandade que necessita de recorrer aos "clássicos".

segunda-feira, setembro 04, 2023

Sporting

Lá foram mais dois pontos. Depois, no final da época, andamos a contar o "goal average". É assim todos os anos. É mesmo uma sina?

What if ?

Tive agora de explicar a um amigo estrangeiro que Cavaco Silva, com o seu novo livro, não está, de todo, a querer sugerir-se para entrar no vasto pelotão de pré-candidatos da direita, nas presidenciais de 2026. Mas não sei se ele ficou convencido.

domingo, setembro 03, 2023

Chove na Atalaia ?

"O sol brilhará para todos nós" é um velho lema do PCP. Será que a chuva, que agora caiu aqui no bairro da Lapa, também estará, na festa do Avante!, lá pelo Seixal, a molhar os comunistas e os seus "compagnons de fête"? O clima é um grande "equalizer".

Ver os jogos só depois dos 90' já começa a valer a pena!

A decisão de autorizar os árbitros a prolongar o final dos jogos lá para a casa dos 10 minutos, a qual, como é óbvio, terá um efeito irreversível de contágio em todos os apitadores, abrirá caminho a uma imensidão de vigarices, favorecendo os clubes mais fortes e com melhor banco.

... e o lavar dos cestos!

Será a persistência da velha teoria do cesto e dos ovos que faz com que muitos pensem que a área do "centro-direita" ou "não socialista" (como a direita envergonhada se autoqualifica) continua mais próxima de voltar a Belém do que a S. Bento?

Está tudo dito!

Até lá?

Os portugueses já só pensam nas presidenciais? E então?! Ainda dizem que não sabemos preparar o futuro, que não planeamos, que não temos pensamento estratégico. Aqui está o desmentido: olhar em frente, visar o pós 2026, projetar uma visão para o que resta do século XXI. E até lá? Até lá? Até lá, gozem o cafezinho no intervalo.

O Sumol e os meus dias de verde


Há pouco, no Twitter, constatei que o Sumol aparece como o nome da "soft drink" que internacionalmente mais é associada a Portugal. É interessante notar como esta "laranjada" (era assim que se dizia) tem perdurado no tempo e, à sua medida, tem conseguido sobreviver à concorrência das marcas estrangeiras. 

Do mesmo modo, o Sumol pôs de lado muitos refrigerantes locais - de laranjadas a pirolitos e colas - que chegaram a fazer o orgulho bairrista de certas cidades. Recordo-me que, na Vila Real da minha juventude, havia por lá uma certa laranjada Aleo, cuja composição química era um mistério, com a única certeza de a ligação à fruta ser manifestamente bem longínqua. Dizia-se, a gozar, que os chapeiros das oficinas de automóveis usavam a Aleo como decapante, para retirar a tinta...

Tenho uma ternura pelo Sumol. Nos meses da recruta na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, naquelas horas chatíssimas em que nos mandavam em exercícios, pelas traseiras da unidade até ao chamado Alto da Vela, fronteiro à estrada que leva para o Juncal (na imagem), vinha colocar-se estrategicamente junto ao muro uma carrinha, em cujo tejadilho surgia um vendedor de garrafas de Sumol. 

Quando a instrução se suspendia para um descanso, deixada a nossa G3 ao cuidado de colegas, era ver-nos descer, em bandos, de lá de cima, de junto às árvores, para comprar o refresco que nos ajudava a matar a sede e entreter o tédio. Até que o comandante de pelotão dava por fim o intervalo e chamava os "nossos cadetes" para a retoma desses infernais dias "de verde".

Foi há uns exatos 50 anos, mas parece que foi, não digo ontem, mas, vá lá!, anteontem.

sábado, setembro 02, 2023

Jornalismo


A partir da Ucrânia, Sérgio Furtado tem feito, para a CNN Portugal um trabalho notável de reportagem. Sereno e equilibrado, com uma linguagem enxuta, desadjetivada e uma leitura dos factos com o rigor que as circunstâncias permitem, é imensamente justa a atribuição deste prémio.

Isto

 


Domus municipalis


É em Bragança, dentro do castelo. A tradição diz ser um espaço que, na época medieval, era usado para as conversas entre os munícipes, sobre assuntos da urbe. 

A cada dia, sinto o espaço de comentários deste blogue a desempenhar essa função. Eu, como já devem ter notado, quase não me meto... Já pensei mesmo cobrar inscrições!

sexta-feira, setembro 01, 2023

Isto

"Ventura admite apoiar Passos Coelho ou Gouveia e Melo" - no oráculo de uma televisão. É preciso dizer mais alguma coisa?

quinta-feira, agosto 31, 2023

Trabalho em férias...

 


Salut, Paris!


Deixo aqui uma saudação à cidade de Paris onde, no final do dia de hoje, será posto um ponto final à circulação das famigeradas trotinetes elétricas de aluguer - uma decisão que Lisboa e a generalidade das cidades portuguesas deveriam ter a coragem de tomar, a bem do bem-estar coletivo.

G20

Xi Jin Ping e Vladimir Putin não vão estar presentes na próxima reunião do G20, na Índia. Claramente, querem desvalorizar um encontro de onde não irá sair o menor consenso, dada a expectável intenção dos representantes do mundo ocidental de aí abordar a questão ucraniana.

"A Arte da Guerra"


Nesta sua segunda edição, depois de férias, "A Arte da Guerra" traz uma análise à deslocação de Marcelo Rebelo de Sousa à Ucrânia e uma reflexão sobre o futuro do grupo Wagner na manobra político-militar russa, uma atualização do estado da arte na política espanhola (com o "beijogate" pelo meio) e uma avaliação do papel internacional do Brasil de Lula, dos BRICS à CPLP, passando por Angola e pelas ambições na ONU. 

Pode ver e ouvir aqui.

"Vocês sabem lá..."

Acabo de ver um vídeo em que um jovem participante na "universidade de verão" do PSD trata o presidente da República por "você". 

Nada de novo: trata-se do conhecido virus do "você" - essa cada vez mais difundida praga, para a qual ainda só há a vacina da boa educação, mas que se não vende nem nas farmácias nem nos bares de "shots".

Adieu, Françafrique !

Por décadas, Paris habituou-se a ver a sua influência "respeitada" em África, embora a "Françafrique" tivesse vindo a dar, nos últimos tempos, sinais de um crescente declínio. 

Agora, quase de um momento para o outro, Paris vê a "sua" África sub-saariana começar a cair como um castelo de cartas. A isto há que somar o degradado estado atual das relações com Marrocos, a Tunísia e a Argélia. 

Emmanuel Macron pode vir a ficar, na história francesa, como o titular de um inédito tempo de afastamento com a África, que já não parece ser recuperável. 

De Gaulle e Foccart devem estar a dar voltas nas tumbas.

"A Arte da Guerra"?


Vem aí em breve um novo "Blake & Mortimer", da já longa série feita "d'après Edgar P. Jacobs". Escusavam era de copiar o nome - "A Arte da Guerra" - do nosso podcast no "Jornal Económico"! Já bem bastava ter aparecido um (recente) chinês chamado Sun Tzu a fazer o mesmo...

quarta-feira, agosto 30, 2023

Que dias!


Por que será que, nestes dias de regresso a Lisboa, arrasado de férias, me invade uma insuperável moleza que me trava qualquer tentativa de escrita decente, que me impele a uma sesta depois de almoço e a um copo de branco antes do jantar? Por este andar, qualquer dia, tenho mesmo de pensar em me reformar.

terça-feira, agosto 29, 2023

Isto!

 



 

Aa férias já eram ! (13)

 


As férias já eram ! (12)

As férias já eram ! (11)

 


As férias já eram ! (10)


As férias já eram ! (9)


As férias já eram ! (8)

 


As férias já eram ! (7)



As férias já eram ! (6)

 


As férias já eram ! (5)

 


As férias já eram ! (4)

 


As férias já eram ! (3)


As férias já eram ! (2)

 


As férias já eram ! (1)

 


segunda-feira, agosto 28, 2023

Qual é a pressa?

De um momento para o outro, em meados de 2023, a direita decide discutir o nome do seu candidato a umas eleições que terão lugar em janeiro de ... 2026! 

Não têm mais nada que fazer?

João da Câmara


Quando, há quase 25 anos, convidei o João da Câmara para ser meu chefe de gabinete, ao tempo que era secretário de Estado dos Assuntos Europeus, "esqueci-me" de lhe perguntar o que é que ele era politicamente. Quem, durante esses cinco anos e meio, trabalhou no meu gabinete - e estamos a falar de quase quatro dezenas de pessoas - pode testemunhar que essa pergunta nunca foi colocada a ninguém. 

Mas pus-lhe uma questão: "Você gosta de fado?". Ao contrário de mim, que adoro fado e do castiço, constatei que o João não apreciava. Logo ele, que era filho de Vicente da Câmara (esse mesmo, o das "Tranças Pretas"), sobrinho de frei Hermano da Câmara e irmão de José da Câmara, para além de primo dos inúmeros Câmara Pereira! Mas o João, pelos vistos, não era muito de fados.

Conheci o João nos anos 80, então um jovem diplomata, recém-entrado para a carreira Era um homem sereno, educado e atencioso, com um sorriso bom e uma imensa capacidade de diálogo, com uma conversa que encantava as mulheres. Convidei-o para chefiar o meu gabinete num período bem complicado - a presidência portuguesa da União Europeia, em 2000. Viajámos imenso, pela Europa e não só, com ele, discreto e extremamente eficaz, a aturar-me algumas impaciências, a organizar as minhas agendas e a resolver (bem) muitos problemas, a montante de eu ter de os enfrentar. 

No final desse exercício, exausto como estava pelo trabalho executado, o João foi merecidamente colocado em Londres. Por lá o fui encontrar, meses mais tarde, num jantar em sua casa, em Wimbledon, quando me confessou: "Bons tempos foram os seus aqui por Londres, Francisco, quando o salário dos diplomatas portugueses permitia viver no centro da cidade. Agora, só dá para estar na periferia ..." Era verdade.

Com os ciclos profissioniais e as distâncias a separarem-nos, fomo-nos perdendo de vista. Íamos tendo notícias um do outro, através de amigos comuns. Soube das suas estadas como embaixador no Zimbabué, em Angola, na Índia e no Canadá, que foi o seu último posto, onde me desafiou a ir fazer umas palestras, ideia que as circunstâncias vieram a tornar inviável.

Um dia, tive o gosto de recomendar o seu nome para uma delicada função oficial, que ele veio a cumprir com o rigor e a imparcialidade do grande servidor do Estado que sempre foi. Na ocasião, perguntaram-me:"Tem, por acaso, ideia do que é que ele é, politicamente?" Não sei se acreditaram, quando respondi que não fazia a menor ideia.

Há poucos meses, jantámos, num grupo de amigos. O João dava evidentes sinais dos efeitos de uma grave doença de que padecia, desde há vários anos. Acabo de saber que morreu. Os meus sinceros sentimentos à família do meu amigo João da Câmara.

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