segunda-feira, agosto 05, 2013

Contradições

Ontem, numa aldeia de Trás-os-Montes, uma irritante moto rompia o silêncio da noite. Pela certa, era um pateta de visita a mostrar a máquina aos amigos, escape aberto, aceleração no máximo, atroando as vielas. Percebo agora melhor um amigo que, um dia, em Lisboa, perante idênticos artistas do ruído que teimavam em juntar-se à sua porta, me confessou: "Ando a pensar comprar uma caçadeira...".

Lembrei-me ontem disto porque, paradoxalmente, já estive do "outro lado". Não que eu tivesse alguma vez uma moto, mas porque já fui obrigado a defender o ruído das motos produzidas em Portugal.

Estávamos na segunda metade da década de 90. Eu representava Portugal no conselho de ministros do "Mercado Interno", em Bruxelas. A agenda dessas reuniões incluíam a análise de uma imensidão de diplomas, relativos a questões técnicas para nós de grande complexidade, até porque diziam respeito a áreas muito diversas entre si. As temáticas ambientais e de proteção dos consumidores eram então as mais vulgares, num tempo em que se procurava legislar para que o "Mercado Interno" intracomunitário pudesse melhor funcionar (e, hoje, talvez valesse a pena completá-lo, como bem perceberá quem me ler e conhecer algo da matéria). A harmonização legislativa era essencial para proporcionar a livre circulação das mercadorias no espaço europeu. Por essa razão, era necessário produzir legislação à escala da Europa, que depois teria de ser transposta para a ordem interna de cada país. E, a partir daí, ser respeitada pelos operadores económicos.

Era isso que íamos tratar nessa reunião. Na véspera, no "hall" do Hotel SAS, com a Maria José Salazar Leite, a Lénia Real e a Regina Quelhas Lima, num ritual que iria durar alguns anos, eu tinha passado a pente fino a posição portuguesa sobre todos os diplomas que iam estar sobre a mesa do Conselho de ministros, neles identificando eventuais interesses nacionais a salvaguardar, alterações a propor e, em geral, o nosso sentido de voto na decisão final sobre as "diretivas" em causa. A nossa posição era baseada nas opiniões recolhidas junto dos "ministérios sectoriais" (fórmula algo pedante que o MNE utiliza para se referir aos outros departamentos governamentais), que deveriam ter auscultado previamente a nossa indústria interessada. Era assim que as coisas se passavam e, julgo, ainda se passam.

O grande berbicacho para nós, nessa reunião, era um diploma que incluía regras muito estritas sobre o ruído máximo permitido às motos e motorizadas. Recordo-me que, dentre os Estados dessa Europa então apenas a 15, Portugal e a Itália estavam em clara minoria, na defesa de um nível elevado de decibéis, que entendíamos deverem ser permitidos ao funcionamento dos escapes das viaturas dessa natureza produzidas pelas suas indústrias do setor. Ao ler a papelada à minha frente, lembro-me de ter pensado na barulheira que as "Zundapp", as "Pachancho" e as "Famel" faziam pelas ruas da Vila Real da minha juventude e, por um momento, senti-me representante dessa bárbara produção lusa de ruído e fumarada.

O assunto começara por ser analisado nos "comités" da Comissão europeia, onde os setores técnicos são ouvidos, mas o projeto de "diretiva" não contemplou os nossos interesses. A discussão do texto, nos meses anteriores, no seio dos "grupos de trabalho" do Conselho, também não acomodara as nossas pretensões e o diploma passara no "Coreper I" (comité dos representantes permanentes, versão representantes adjuntos) com as nossas "reservas". Porém, as objeções de Portugal e da Itália estavam longe de ser suficientes para construir uma "minoria de bloqueio", pelo que nos restava politizar o tema em Conselho de ministros, afastada, no entanto, a hipótese de invocar o chamado "interesse vital", para bloquear o diploma. É que um interesse só é "vital" quando os outros o reconhecem como tal.

Aquele era o primeiro Conselho de ministros em que eu participava, como secretário de Estado dos Assuntos europeus (quatro anos depois, havia de presidir a esse mesmo Conselho, durante um semestre). Como alguém dizia, "não há uma segunda oportunidade para se criar uma primeira impressão". Isto era válido perante os meus colegas de governos estrangeiros como o era perante a delegação portuguesa. Por isso, com base em sínteses, estudei o assunto tão bem quanto pude, a fim de bem defender as nossas "cores". A certo passo da reunião, pedi, para a fila de trás, onde estavam os técnicos, o texto completo do projeto legislativo: passaram-me um imenso "tijolo", com resmas de anexos, que devolvi discretamente, ciente de o não conseguir ler.

Chegado o momento na discussão da diretiva sobre o ruído bdas motos e motorizadas, intervim cedo, lendo uma "speaking note" que me havia sido preparada pelos serviços, texto que, na noite anterior, eu "oralizara" com umas expressões menos técnicas, para dar um tom mais político ao meu discurso. Fui solene e grave. Expliquei, com falsa sapiência e escudado em argumentos técnicos especiosos, que, em absoluto, era impossível à nossa indústria baixar de X decibéis, com os motores a operar a Y por cento da sua potência. Expliquei, com números catastróficos, os impactes sobre o desemprego que um grau de exigência maior na diretiva iria ter, com o encerramento de fábricas e crise nas regiões onde elas se situam. Em apoio às teses que defendia, disse (em português, porque nos Conselhos de ministros fala-se, em regra, a língua nacional) frases técnicas que eu só a custo havia entendido - e que, imagino hoje, devem ter chegado "lindas" aos ouvidos dos meus colegas holandês ou finlandês, retraduzidas através do inglês. Porém, acabei a minha prestação com a perceção, lida na cara das outras delegações, que a minha argumentação não os comovera minimamente. O "tour de table" foi, de facto, esmagador: constatava-se que Portugal e Itália estavam isolados. 

Com simpatia e imensa ironia, o presidente da sessão, o secretário de Estado espanhol Carlos Westendorp, dirigiu-se então às delegações, dizendo qualquer coisa parecida com isto: "Agradeço as vossas intervenções, as de quantos apoiaram com veemência as virtualidades da diretiva como as de quantos ainda discordam de alguns aspetos que ela comporta. Mas, meus caros amigos, sejamos honestos conosco próprios: nenhum de nós sabe rigorosamente nada do que está a falar! Isto é uma matéria de alta tecnicidade, que somos chamados a decidir politicamente, mas sobre a qual a nossa opinião é apenas a que nos é dada pelos especialistas, que prepararam as "speaking notes" que, de forma tão esforçada, todos vocês leram. Verifico que a Itália e Portugal alegaram ter problemas com a diretiva e, a crer no "dramatismo" das suas declarações - em que todos somos obrigados a acreditar -, isso pode ter implicações para as suas indústrias. Convido, assim, a Comissão europeia a estudar, com essas delegações, a instituição de um "período transitório" para as mudanças a introduzir na sua respetiva legislação, dando às suas indústrias algum tempo mais para se adaptarem. E espero que, quando o assunto aqui voltar no próximo mês, todos me poupem à sua "sapiência" sobre os ruídos das motos".

A sala caiu em risos e, já não me recordo bem como, o assunto lá foi encaminhado. Por mim, e para o futuro, aprendi para sempre em não ser muito enfático sobre assuntos cuja tecnicidade desconheço.

Ontem, na noite rural transmontana, senti melhor como a vida é feita de irónicas contradições. E perguntei para mim mesmo, ao ouvir a barulheira da moto: será que a diretiva está a ser cumprida? Ou ainda perdura alguma "derrogação" que dá liberdade a quem me estraga a noite? E será culpa minha, desses tempos, de algo que me tenha escapado? Terei razões para ter algum peso na consciência, desses (demasiados) anos nas lides europeias? É verdade, aprovei muitas diretivas, assinei alguns acordos, mas, com os diabos, nunca assinei "swaps"!

"Voltamos ao Kosovo?"

O "Jornal de Negócios" publica hoje um pequeno artigo da minha autoria, intitulado "Voltamos ao Kosovo?", relativo à competência em matéria económica que o Ministério dos Negócios Estrangeiros passa a (não) ter após a última remodelação do governo.

O texto pode ser lido aqui.

domingo, agosto 04, 2013

Nem os sinos...

Fim de tarde numa pequena aldeia transmontana. Da capela, ouvem-se as horas. Uma cadeia de sons que me pareceu algo sofisticada, com as badaladas a misturarem-se com uma sequência de música religiosa. Seria agradável, não fora a intensidade do som, que se espalha, muito agressiva, por toda a aldeia, como a lenga-lenga de um "muezzin" muçulmano. Olhei para a torre da igreja. O único sino estava quieto, mas a sonoridade continuava forte, vinda de um altifalante que, pelos vistos, reproduzia uma gravação.

Que diabo! Já nem a genuinidade dos sinos de uma simples capela de aldeia escapa, neste país de faz-de-conta...  

sábado, agosto 03, 2013

Monoglotismo político

Notícias recentes, a confirmar, dão conta das mais do que duvidosas qualificações linguísticas de um certo membro do governo, com responsabilidades na área externa. Nada que já não tenha ocorrido no passado, convém lembrar. A serem verdadeiros tais rumores, logo que atravessada a fronteira do Caia o nosso governante entrará num irrecuperável estado de incompreensão perante os seus eventuais interlocutores, o que introduzirá alguma singularidade na nossa ação diplomática, se bem que, de forma implícita e com patriótica soberba, dê conta da prioridade que atribuímos à lusofonia. Porém, há quem não dramatize tanto esta falha ao lembrar que, no caso do político em questão, ela pode ser compensada, numa certa escala, pela facilidade semiótica de recurso ao léxico gestual simbólico que é próprio de certos ritos universais a que o nosso homem regularmente se aventala.

Qual poderá ter sido a racionalidade subjacente a esta escolha? Tenho uma explicação, que vale o que vale. 

Em tempos em que a discricionariedade e o arbítrio, senão mesmo algum nepotismo, comandavam a administração da diplomacia portuguesa, dizia-se que havia sempre uma explicação para que alguém aparecesse destinado para a embaixada em Londres: ou porque, bem educado, sabia falar muito bem inglês, ou ia trabalhar para escritório de Belgrave square porque o ministério, num acesso de generosidade pedagógica, havia decidido proporcionar-lhe um ensejo para se aprimorar na língua de Shakespeare.

Se esta espécie de "estágios" se aplicavam aos diplomatas, por maioria hierárquica de razão devem ser extensíveis a políticos que os titulem. 

sexta-feira, agosto 02, 2013

Exercícios de memória

Prezo-me de ter alguma memória para as coisas da política caseira, que os leitores deste blogue por aqui têm "sofrido". Há dias, notei o facto de, em Portugal, só muito raramente  alguém se prestar a aceitar lugares governamentais de "ranking" abaixo daqueles que já exerceu. Notei as exceções: os casos de Freitas do Amaral e, agora, de Rui Machete. Um leitor atento fez-me depois ver que Mota Pinto, depois de ter sido primeiro-ministro, aceitara ser "vice" de Mário Soares no governo do "bloco central".

Ontem, na conversa com um grande amigo vilarealense, este "deixou cair", irónico: "esqueceste-te de alguém que, tendo sido ministro, aceitou ser secretário de Estado..."

Caí das nuvens! Não me lembrava de nenhum caso! Parecia-me impossível! E, no entanto, ele estava cheio de razão: João Vaz Serra de Moura, ministro da Qualidade de Vida do VII governo constitucional, transitou para o executivo seguinte como secretário de Estado adjunto (precisamente) do novo ministro da Qualidade de Vida, acumulando com os Desportos.

Isto tem alguma importância? Claro que tem. É um gesto de modéstia que muito dignifica um político. Neste caso, era do Partido Popular Monárquico, uma formação que ficou na história política portuguesa por ter sido responsável pela introdução das questões ambientais na agenda pública.

O renascimento do CDS

Hoje, volto ao tema CDS, que é uma formação política que está a "sair muito" este verão. A proeminência - se bem que ainda não a preeminência - dos "centristas" no seio da maioria é o tema mais badalado destes dias e, estou certo, dominará as conversas sob os toldos, do Moledo à Balaia, passando (claro!) pela Comporta, com os Tomates e a Manta Rota a remoerem.

O CDS, como aqui já foi dito há dias, é uma estrutura de representação política que, a partir de 1974, deu acolhimento democrático a vários setores conservadores, a maioria dos quais tinham com o 25 de abril uma relação menos entusiástica - e isto é obviamente um "understatement". Os núcleos do CDS surgiram, mais ou menos a medo, pelo país, perseguidos por uma esquerda que os via como encapotados saudosistas da ditadura e desprezados por uma direita mais radical, que quase os apodava de colaboracionistas com a nova situação. Não deve ter sido fácil "ser CDS" por esses tempos, tanto mais que, à sua imediata esquerda, nascia um partido que, com o tempo, apareceu a muitos conservadores mais pragmáticos como aquele que melhor garantiria uma fatia imediata de acesso ao poder político - o então PPD. Para este, a existência do CDS era uma bênção, porque assim assegurava que passava a existir uma estrutura à sua direita, que o afastava um pouco desse setor diabolizado do espetro político.

O CDS foi sempre um partido de um líder. De início, foi Freitas do Amaral que o titulou, com aquele ar cinquentão de quem tinha uma pose de Estado e apenas trinta e poucos anos de idade. Ao seu lado, como inteligência estratégica, sobressaía Amaro da Costa - que a trágica desaparição em 1980 converteu numa espécie de eterno mito partidário. É curioso notar que Freitas do Amaral não conseguiu fixar, na história interna do CDS, o lugar afetivo que a sua liderança inicial justificaria. Porquê? Porque, a partir de certa altura, cavalgando ambições próprias, decidiu "fazer pela vida" e iniciou um "never-ended" percurso zigzaguiante de alianças, que continua a deixar aturdidos os observadores políticos e deve ter colocado "à beira de um ataque de nervos" os seus seguidores originais.

Toda a história do CDS é o drama de uma formação que, pela natureza da sua alegada matriz política, internacionalmente relevante, se pressente vocacionada para a partilha uma fatia do poder democrático, mas que tem consciência de que só minoritariamente a ele pode ter acesso, por razões que se prendem com a inultrapassável natureza do sistema nacional de representação política. O CDS não é um partido desejado pelos seus coligados (sejam eles o PSD ou o PS): esses partidos apenas o aceitam porque necessitam do CDS para arredondar as suas maiorias. E, quando colocados nesse contexto, essoutros partidos têm sempre de sofrer a imperiosa necessidade do CDS afirmar uma identidade programática específica. Porque o CDS sabe que, se acaso se subsumir excessivamente numa maioria que nunca liderará, perderá o seu eleitorado específico. E, por isso, sente-se sempre obrigado a fazer recorrentemente prova de vida própria.

Quem é que vai para o CDS? Durante muito tempo, "ser do CDS" estava para a política como ser do Belenenses estava para o futebol, tirando uns teimosos abastados rurais, comerciantes, pequenos industriais e profissionais liberais de província que se estavam nas tintas para o Estado e não temiam de ser apelidados de "fachos". Noutras geografias, da Lapa a Nevogilde, era mesmo "bem" ser do CDS, embora se soubesse que o caminho fácil para um conservador ter um futuro político estava mais no PSD.

(O PSD é uma formação que hoje a maioria dos "centristas" despreza e apenas tolera, porque a consideram movida, no essencial, por uma filosofia oportunista de ascensão ao poder a todo o custo. É, contudo, a "locomotiva" natural no seu cíclico caminho de partilha desse mesmo poder... Já o PS é, por muitos deles, considerado um partido que disfarça bem uma ambição apenas simétrica à do PSD, encadernando-a com uma ideologia que vende como "social", mas que, na realidade, entendem não passar de um mero tropismo estatizante de quem se habituou a viver à mesa do orçamento, com uma arrogância de quem se acha "proprietário" de abril. Quanto ao PCP, bem, são "comunas" e isso diz tudo...).

Durante muitos anos, praticamente ninguém entrava para o CDS para fazer uma carreira política ou obter grandes benesses por essa via - da mesma maneira que ninguém vai para sócio do Belenenses para ganhar um campeonato. Pelo contrário: muita gente que aderia ao CDS levava já consigo uma carreira e um perfil público que ajudava à imagem do partido, raramente esperando que fosse o partido a ajudá-los. O CDS urbano era um partido de elites, de famílias, com um toque religioso à mistura, para adubar a sua origem ideológica.

Essa sua matriz específica, que pouco retribuía, fez com que, ao longo dos tempos, o CDS fosse quase sempre o partido dos amigos do líder da ocasião, que acabava por ser quem "puxava" pelo CDS e, com maior ou menor sorte, lhe dava força eleitoral - desde os tempos do "taxi" a bancadas mais fartas. Eram também esses chefes quem determinava a linha ideológica, por isso muitas vezes errática, num moldável "template" conservador - foi anti-europeísta e soberanista para mais tarde desembocar num quase-federalismo europeu, chegou a ser liberal para depois se refugiar em opções que relevam de um "gaullisme" à moda do Caldas, com toques de "poujadisme". Mais recentemente, o CDS tinha procurado fixar o seu nicho social e político na agenda da senioridade, assim fazendo uma evocação subliminar das suas origens demo-cristãs. Foi, aliás, a contradição entre essa agenda e o facto dos reformados serem hoje o trágico "target" da poupança orçamental que muito ajudou às crises na coligação.

Este meu texto, embora isso possa não ter sido evidente até agora, tem apenas um propósito: notar que, como resultado do estranho braço de ferro programático que, nos últimos tempos, teve com o PSD, o CDS como que mudou de natureza. Ao que se sabe, há semanas, quando o seu líder regressou ao partido para justificar a inopinada decisão de se demitir do governo, ter-se-á confrontado com uma formação política diferente, provavelmente um tanto inesperada para ele (embora eu ache que o dr. Paulo Portas raramente é surpreendido). O CDS, que fora reconduzido ao poder pela sua mão e pelo seu brilho, tinha-se entretanto acomodado a esse mesmo poder, pelo que já não era uma mera correia de transmissão da sua vontade pessoal. O "novo" CDS era agora um grupo de pessoas que partilhavam interesses muito concretos, alimentados por uma ocupação do espaço político e administrativo a que tinham tido acesso pelo facto de pertencerem à maioria no poder ou que tinham ganho, para a proteção das suas finalidades pessoais ou de grupo, uma capacidade de influência de que não estavam dispostos a prescindir. O CDS era, finalmente, um partido e, para afirmar isso, mandava para o governo alguém como o dr. Pires de Lima, diretamente da área da economia "a sério". Gente que, nestas condições, disse que não ao amuo do líder e o forçou a tentar garantir, se possível em condições mais vantajosas, uma nova partilha do poder governativo. O líder, por eles assim pressionado e com uma genialidade política que se destaca nesta "terra de cegos", foi mesmo capaz de ter ganho algum "share" na grelha executiva, perante um PSD em pânico de perder o acesso ao "pote", para utilizar uma já consagrada expressão.

Uma coisa o líder do CDS terá percebido bem nesses dias. No CDS, o tempo do "partido do chefe" acabou, em definitivo. Nasceu "um partido", um coletivo de interesses, de ocupação de lugares e de participação ativa na propositura de políticas e na partilha de prebendas, benesses e lugares. Um dia, se o ciclotimismo do dr. Paulo Portas o levar a uma nova precipitação, ao olhar para trás encontrará pouca gente a segui-lo. Esta, porém, é a sua grande vitória: ter finalmente criado um verdadeiro partido. Mas essa é também a sua grande derrota: o CDS já existe para além dele e, numa crise, pode muito bem vir a dispensá-lo.

(Dedico esta análise a um querido amigo, militante do CDS, com quem amanhã vou partilhar umas vitualhas, amesendados algures no nordeste transmontano)

quinta-feira, agosto 01, 2013

O juízo dos juízes

Os juízes de um tribunal português mandaram reintegrar um trabalhador que havia sido despedido por se encontrar embriagado no exercício das funções. No douto acórdão, os criativos magistrados entretiveram-se a desenvolver teses sobre a virtualidade do consumo excessivo do álcool no bem-estar laboral. É um texto magnífico, um espelho da impunidade de uma certa justiça portuguesa.

Alguns aleivosos críticos discordaram da decisão judicial. Acho mal esta posição. Os juízes foram coerentes consigo mesmos, porque, lido bem o texto da sentença, fica claro que, muito provavelmente, ela só podia ter sido ser produzida por quem partilhava um estado de bela euforia.

Este país vai bonito, vai... 

"À toutes fins utiles"

Informo que o meu "dress code" máximo, desde há um minuto e por tempo indeterminado, é t-shirt ou camisa, jeans velhos ou coisa parecida e (sempre) os mesmos "Timberland" que caminham para meia diuturnidade.

Espero que, assim vestido, me ofereçam um "spread" no BES que dê para eu ir "brincar aos pobrezinhos" à Comporta, "o menino tá ver?"

quarta-feira, julho 31, 2013

"A gaiola dourada"

Devo dizer que já me não recordava de ter passado uma noite de cinema tão divertida como a de ontem, ao assistir à comédia cinematográfica "A gaiola dourada". As peripécias em torno da existência de um casal de trabalhadores portugueses em Paris, com os todos os "clichés" e quadros de vida comuns a tantos outros compatriotas nossos, são tratadas de uma forma ao mesmo tempo carinhosa e descomplexada, graças a um belo "script" e a excelentes interpretações, dentre as quais me permito destacar a minha amiga Jacqueline Corado da Silva, bem como o próprio realizador-ator luso-francês Rúben Alves - que com este filme quis homenagear os seus pais. Fui dar a ambos um abraço de parabéns por este seu delicioso trabalho, que honra a memória da nossa fantástica comunidade em França, junto da qual tive o privilégio de trabalhar durante os quatro últimos anos da minha carreira.

Gostei de ver na assistência o meu antigo colega, o embaixador francês em Portugal, Pascal Teixeira da Silva, ele próprio um descendente de portugueses emigrados, que em breve termina a sua missão em Lisboa. E fiquei muito feliz por deparar, no meio da multidão, com um grande amigo dos portugueses em França, o "maire" do "XIVème arrondissement" de Paris, Pascal Cherki, também membro do grupo de amizade França-Portugal no parlamento francês.

Por algumas horas, "regressei" a Paris, à alegria sã da nossa comunidade e ao seu insuperável orgulho nas suas raízes. E, não sendo eu nostálgico, confesso que isso me fez muito bem.

terça-feira, julho 30, 2013

Memória do CDS

Nos idos de 1974/75, o CDS foi alvo de uma forte campanha política adversa, com atos de violência que, nomeadamente, levaram ao saque da sua sede nacional em Lisboa e ao boicote sistemático de muitos dos seus comícios, um pouco por todo o país. Casos houve em que os seus dirigentes tiveram de abandonar os locais pelos telhados das casas e correram riscos de integridade pessoal.

A acusação mais vulgar, feita pelas forças de esquerda, era a de que o CDS era uma formação política onde se refugiara muita da direita saída diretamente do salazarismo e do marcelismo. Ora isto, não sendo necessariamente mentira, estava longe de esgotar a verdade. Muita gente conservadora, sem atividade política no Estado Novo, a quem o "25 de abril" abrira a possibilidade de intervenção e defesa democráticas das suas ideias, não se revia no socialismo e nos partidos da esquerda dominante, optando igualmente por não seguir as ideias em torno das quais Sá Carneiro instituíra o PPD. E havia decidido apoiar o partido que Freitas do Amaral criara logo após a Revolução e que apelidou de "centrista", pretendendo identificá-lo com uma matriz democrata-cristã. 

Um dia, um grupo de responsáveis do CDS, chefiado por Sá Machado e integrado por Emídio Pinheiro e uma outra personalidade que não recordo, foi recebido, a seu pedido, pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), numa reunião que teve lugar naquele que é hoje o Instituto de Defesa Nacional, na calçada das Necessidades. Não consigo precisar a data, mas tenho a ideia de que deverá ter sido em fins de outubro ou novembro de 1974, isto é, depois do "28 de setembro", que forçou o afastamento de Spínola e levou ao isolamento temporário de um importante setor da ala direita militar. A delegação do MFA era dirigida pelo então coronel Franco Charais, meses mais tarde graduado em general e que viria a chefiar a Região militar do centro, sendo uma das figuras do chamado "movimento dos Nove", que se opôs às corrente comunista e populista no MFA.

Nessa reunião, Sá Machado expôs, com elegância e sem dramatismos, a penosa existência do novo partido, praticamente desde a sua criação. Ele sabia, de certeza segura, que o CDS estava longe de ser visto com bons olhos no seio da maioria dos setores que haviam feito a Revolução, mas também não desconhecia que as Forças Armadas, que conviviam com Diogo Freitas do Amaral no Conselho de Estado, não se podiam dar ao luxo de aceitar a exclusão da vida política, por via da força, de um partido que afirmara cumprir os princípios básicos que orientavam a Revolução e cuja ação não suscitava objeções importantes.

A certo passo da sua intervenção, feita no tom calmo embora um tanto pomposo que era o seu, Sá Machado inquiriu se as Forças Armadas estavam ou não disponíveis para garantir condições básicas de segurança para as sedes e as reuniões de propaganda que o CDS procurava organizar pelo país. Recordo ele ter dito mais ou menos o seguinte: "São os senhores que têm de decidir se querem ou não que continuemos a existir. Se o direito de reunião e organização política nos continuar a ser negado, talvez tenhamos de vir constatar que deixa de haver condições para o exercício da nossa atividade enquanto partido. Nesse caso, o MFA deve ter consciência de que um setor da opinião pública portuguesa se sentirá alienado do sistema político instituído pelo "25 de abril". E isso terá naturalmente as suas consequências na própria legitimidade futura do regime". Foi uma declaração frontal, corajosa para os padrões da época. Vários partidos considerados extremistas de direita e saudosistas haviam já desaparecido (Partido do Progresso, Movimento Federalista Português, Partido Liberal) e, com isso, o CDS ficara "colado" ao limite direito do espetro político.

Charais reagiu, dizendo que "outros partidos de direita, como o PPD" (nem o CDS se assumia como de direita, quanto mais o então PPD, mas a linguagem dos tempos era essa...), também sentiam dificuldades em organizar-se em certas regiões, mas que isso era devido ao facto de, nesses locais, CDS e PPD serem "o refúgio dos fascistas", pelo que a aceitação "popular" da sua legitimidade de afirmação política passava muito por uma escolha mais criteriosa dos seus quadros, que deviam ter "sólidas credenciais democráticas". Sá Machado retorquiu que o CDS não permitia a adesão de pessoas ligadas ao anterior regime e que, por isso, eram infundadas as acusações feitas ao seu partido.

A discussão prolongou-se por uma boa meia hora. Já não me lembro se houve algum "follow-up" no âmbito militar. Mas a mensagem passou. À distância dos anos, há que reconhecer que a criação do CDS acabou por permitir a organização de um espaço político para enquadramento democrático de uma certa direita. E isso não foi um serviço menos relevante que o CDS prestou à vida política portuguesa. O facto do partido! um ano depois, não ter votado a Constituição emanada da Assembleia Constituinte fixaria claramente a sua identidade no contexto político-partidário futuro. Mas, nesse futuro, o CDS não deixou de evoluir muito, de uma forma que se pode mesmo considerar singular.

Vem-me agora à memória esta cena, que hoje aparecerá quase como surreal, num tempo em que se verifica a assunção pelo CDS de uma força, inédita na sua história de quase quatro décadas como formação política, no seio da governação portuguesa. É também por estes e por outros episódios, que entendo interessante recordar, que melhor se constata o imenso caminho que (todos) percorremos desde esses já longínquos dias.

segunda-feira, julho 29, 2013

União nacional

Vi por aí algumas vozes de esquerda indignadas com o apelo feito pelo primeiro-ministro para uma "união nacional", esquecendo a conotação fascistóide da expressão com o partido único salazarento. A verdade é que o tempo vilarealense do dr. Passos Coelho o poupou à "União Nacional" do sr. Grilo e às delícias jornalístas da sua "Ordem Nova".
 
A mim, confesso, espanta-me bastante mais que a direita não se tenha crispado pelo facto do chefe do governo ter ousado ecoar o apelo de Luíz Carlos Prestes, o lendário chefe dos comunistas brasileiros.

Allan Katz

Na última noite de Santo António, no largo do Chafariz de dentro, dei de caras com Nancy e Allan Katz, os embaixadores americanos que ontem deixaram Lisboa, no termo do seu mandato. Naquela noite, como milhares de lisboetas, comiam sardinhas e divertiam-se, perdidos no meio da multidão. Essa era a sua forma natural de estar entre nós.

Conheci Allan num debate promovido pela FLAD, há já uns anos, em que ambos fomos convidados a falar sobre o "11 de setembro". Conversámos longamente desde então - em Paris, em Lisboa e numa semana em que partilhámos a inesquecível experiência do Douro. Allan ensinou-me a entender melhor a nova América de Obama, nas suas virtualidades e contradições. É um "americano tranquilo", sem a menor arrogância, sem nunca se ter dado ares de representante da hiperpotência, compreensivo e sempre dialogante. Leiam-se as declarações que deixou em alguns órgãos de imprensa para se perceber o excelente diplomata que os americanos nos deram o privilégio de ter por cá nos últimos anos, um grande e atento amigo de Portugal.

A vida diplomática, mais do que outras profissões, é feita de regulares separações. Mas é também um rico espaço para a construção de sólidas amizades. Um forte abraço para vocês, Nancy e Allan! "See you soon"!

domingo, julho 28, 2013

Os estagiários

Por muito que me pareça justo dar oportunidades aos "novos", acho abusivo, e uma objetiva falta de respeito por uma Administração pública que se fez "a pulso", estar a colocar em cargos governamentais figuras sem um mínimo de experiência que os recomende para as áreas específicas que vão dirigir, ungidos apenas pela confiança política ganha num gabinete, num qualquer lugar de nomeação/eleição partidária, num banco ou numa consultora amigalhaça. 

A situação é ainda mais absurda se pensarmos que, de há uns tempos para cá, no âmbito do Estado, se segue a regra de sujeitar a concurso público rigoroso a seleção de técnicos para ocuparem certas funções de chefia. Ora parece-me incrível que esses responsáveis, logo de seguida, sejam colocados sob a "orientação" de um meninote qualquer, só porque tem um MBA tirado na estranja ou o cartão partidário em voga no momento. Muitas vezes essas figuras nem sequer têm legitimidade eleitoral ou, em casos em que ela existe, é apenas uma obscura passagem pelo parlamento, depois "legitimada" por presenças palavrosas em debates "prós-e-contras" nas televisões, na blogosfera ou nas colunas com retratinho no canto, onde demonstraram a sua lealdade às lideranças de serviço. Convido os leitores a olharem para alguns currículos e avaliar aquilo que neles resultou de meras escolhas político-ideológicas e compará-los com os de outros políticos, de pessoas oriundas do mundo real, de quem "fez pela vida" e tem uma história profissional a apresentar.

Observando o caso de alguns secretários de Estado - e este governo apenas abusa de uma prática que não é de hoje - verifica-se que estamos perante verdadeiros estágios pagos, à custa do erário público, ainda por cima atribuindo responsabilidades ao mais elevado nível.

sábado, julho 27, 2013

O mistério dos Negócios Estrangeiros

Foi em 2011. Na lista da nova equipa governamental para o MNE surgia o nome de uma senhora, de seu nome Vânia, com a categoria de subsecretária de Estado. A casa, sempre à cata da novidade e da raridade de género, ficou curiosa. O título do cargo, muito comum no Estado Novo (que teve muito poucos secretários de Estado e bastantes subsecretários), lembrava, por ali, aquele que fora usado por Ruy Patrício, antes de ser nomeado último ministro "dos Estrangeiros" da ditadura. Passada a Revolução, a designação fora utilizada no MNE (se a memória me não trai) apenas por três vezes, sempre para um não confessado controlo político da administração da casa, por ministros desconfiados ou preguiçosos. Desta vez, com Vânia, nem sequer era esse o caso.

Mas, afinal, quem era Vânia? Que funções iria ter? Como não havia delegação de competências para ler, a interrogação prosseguiu por alguns dias. Até que um colega com responsabilidades institucionais, cumpridor dos formalismos, tentou pedir uma audiência a Vânia para lhe apresentar os seus respeitos. Logo percebeu que a senhora, saída do anonimato centrista da edilidade portuense, jamais aportaria às Necessidades, ficando "na Gomes Teixeira", sede da presidência do Conselho de ministros, a coadjuvar o também ministro de Estado. Era uma espécie de deslocalização e, por isso, uma verdadeira "première" no MNE.

Nunca mais se ouviu falar de Vânia. Ou melhor, soube-se pela imprensa colorida que terá comemorado a sua permanência no governo dando à luz uma criança, o que não é um despiciendo contributo à pobre natalidade pátria. Espero bem que o nosso Protocolo se não tenha esquecido de lhe enviar um gentil ramo de flores. Em nosso nome e da casa em cujos anuários Vânia vai ficar para sempre, como diria Margareth Thatcher, como "one of us".

Um dia, daqui a anos, a historiografia ficará confundida, através da leitura dos diplomas da época, pelo facto de ter existido uma Vânia no quadro oficial da política externa portuguesa. Dela não surgirá um simples despacho, atestando a designação de um chanceler para um consulado, ou uma foto sorridente junto aos candelabros de uma embaixada de charme, ou tão só a assinatura, com o ar compenetrado e a saia-e-casaco de rigor, de um qualquer convénio sobre um tema grave. Vânia vai ser, para os futuros coscuvilheiros da história diplomática, o mistério dos Negócios Estrangeiros.

Uma coisa Vânia talvez não saiba, mas eu vou revelar-lhe: não obstante nunca ter aparecido com frequência no largo do Rilvas, ela não vai ser, dentre os membros do governo que estiveram, até hoje e desde a primeira hora, ao lado do ministro que agora abandona "os Estrangeiros", aquele que deixa menos saudades. E mais não digo, porque as charadas políticas não são de borla e eu ando muito dedicado a elas para entreter os ócios da reforma. 

sexta-feira, julho 26, 2013

Ele aí está!

Ele explicou. Olhar frio, como se falasse de Saturno. Mas era de Portugal que ele falava. As coisas, para ele, eram muito claras. E "simples". Em linhas gerais, o nosso défice tinha três componentes: o serviço da dívida pública (isto é, o pagamento dos juros), os gastos correntes do Estado (em especial, os custos salariais da função pública) e as pensões de reforma. Ele esclareceu: o pagamento dos juros é incontornável, porque disso depende a nossa credibilidade externa; no caso da função pública, há limitações constitucionais para a sua redução e uma frente sindical que faz com que seja bastante elevado o custo político para impor mudanças com impacte quantitativo significativo; restam, assim, as pensões, área em que "forçosamente" terão de incidir os principais cortes. Não pode deixar de ser tido em conta o facto de se tratar de "uma categoria social com fraca capacidade reivindicativa", o que "compreensivelmente" converte os pensionistas no "alvo prioritário natural" para a redução da despesa pública. E ele disse mais. Sobre quão importante seria se pudesse haver mecanismos ("não constrangentes", concedeu) que fizessem com que muitas das pessoas reformadas se convencessem a regressar "à província", de onde grande parte delas é originária, onde o custo de vida é mais baixo e "mais compatível com as novas e mais reduzidas reformas que forçosamente passarão a ter no futuro". Para concluir, ele também disse: "faço parte de uma geração que não tem receio de dizer alto que não está disponível para pagar o preço de ter de sustentar as reformas que o atual sistema criou". Agora, ele aí está!

quinta-feira, julho 25, 2013

Eduardo Fortunato de Almeida

As ocasiões fazem os homens. Um dia de 1968, Mário Soares foi deportado para S. Tomé pela ditadura, já no estertor salazarista. Um jovem oficial do Exército, Eduardo Fortunato de Almeida, em serviço na colónia, procurou o político e afirmou-lhe a sua solidariedade. Mário Soares não esqueceu o gesto e registou-o. Anos mais tarde, na primeira vez que conheci Fortunato de Almeida, expressei-lhe a minha admiração por essa atitude de grande dignidade e algum risco. Falámos algumas vezes, a partir de então, nomeadamente no quadro de iniciativas que envolviam publicações a que esteve ligado.

Já o não via há mais de uma década. Acabo de saber que Eduardo Fortunato de Almeida morreu. Com justiça, das notas necrológicas a seu respeito faz parte o episódio atrás referido. É que certas ocasiões definem um homem.

Papel apanhado do chão

"Este governo, que agora se apresenta remodelado perante os portugueses, tem mais ministros do que antes. Só posso lamentar a opção que fiz, em 2011, ao criar um executivo muito pequeno. Tenho de reconhecer que tinham razão todos quantos, à época, consideravam tal modelo insensato e impraticável. Sou também responsável pela decisão, que hoje constato que teve bastante maus resultados, de criar dois "mega-ministérios", unidades que se verificou não serem geríveis, política e tecnicamente.  Durante estes dois anos, várias outras coisas não correram bem no tocante ao modelo do nosso governo, pelo que entendi ser chegado o momento de as corrigir. Assim, de retorno à lógica tradicional, o Emprego voltou ao lugar de onde nunca devia ter saído, isto é, junto com a Segurança Social e com o Trabalho. Não nego que pode ter havido algo de ideológico nesta nossa opção, mas os factos foram mais fortes e mostraram que ela era profundamente incorreta. Com o tempo, também ficou claro que não foi adequado colocar o Ambiente juntamente com a Agricultura, tal como a Energia no seio da Economia. A nossa inexperiência - porque é disso que se tratou, há que assumi-lo - levou-nos a cometer esses erros, de que agora sinceramente me penitencio perante o país. Uma última nota para a AICEP. Uma má avaliação fez também com que pensássemos que a tutela da diplomacia era o lugar certo para esta agência. Novo erro! Ao final destes dois anos, chegámos à conclusão que o seu lugar natural é sob o "chapéu" da Economia, embora articulada com o MNE, como já antes acontecia. Peço assim perdão aos portugueses pelo facto de ter feito este conjunto de más avaliações, que fizeram perder tempo ao país e afetaram seriamente a capacidade de execução das políticas do governo. Vamos agora tentar corrigir o que fizemos de errado. Mas, repito: uma palavra especial de desculpas é devida a quantos, em especial nos partidos da oposição, mas também em setores da maioria, me alertaram então para a inconveniência de tais decisões. Não lhes dei ouvidos. Fiz mal, reconheço."
  
Um papel com o texto acima publicado caiu há pouco de um automóvel, junto à calçada da Estrela. Parei o meu "Smart" e apanhei-o, movido pela curiosidade. À primeira leitura, fui levado a suspeitar de que se tratava de parte do discurso que o primeiro-ministro iria fazer esta semana, aquando da apresentação do novo governo na Assembleia da República. Mas, no segundo seguinte, pensei melhor: nós estamos em Portugal! Nenhum primeiro-ministro - de direita, centro ou esquerda - confessará, alguma vez, que se enganou. Ou, para usar uma expressão de um antigo chefe do governo, "arrepender-se é errar duas vezes". É isso: estamos em Portugal...

quarta-feira, julho 24, 2013

Associações

Embora Dennis Farina, que agora morreu, tivesse uma longa carreira no cinema e na televisão, o meu olhar de distraído e pouco cultivado cinéfilo ligaram-no para sempre à figura do tenente Mike Torello, na série "Crime Story", que fazia as minhas delícias nos idos de 80.

Embora Del Shannon tivesse muitos outros sucessos musicais na sua carreira, a verdade é que, para mim, o seu nome surge sempre associado a um grande tema de culto que é "Runaway", escrito nos anos 60.

Ora a série televisiva "Crime Story" escolheu uma versão do "Runaway" para seu principal tema musical, razão pela qual, sempre que vejo uma foto de Farina/Torello, essa música me vem de imediato à memória.

Ouçam aqui o "Runaway" na versão de apresentação da série ou aqui numa versão mais clássica.

Cargos

Rui Machete, que hoje entrará no governo como ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, assume, com este seu regresso, uma atitude muito rara na política portuguesa: ocupar um lugar inferior a outro já exercido na orgânica institucional do Estado. É que Machete foi já vice primeiro-ministro, num governo do "bloco central". Posso estar enganado (e não tenho à mão meios para confirmar esta ideia), mas iria jurar que, na historia política pós-25 de abril, só Freitas do Amaral passou por uma situação idêntica, quando entrou para o governo socialista, em 2005.

Contrariamente ao que sucede em alguns países, em Portugal raramente se vê alguém "baixar" de posição. Em França, Laurent Fabius e Alain Juppé foram ministros dos Negócios Estrangeiros depois de terem sido primeiros-ministros. Nos governos italianos, Andreotti teve vários cargos ministeriais, depois de chefiar o executivo.

Em Portugal, pelo contrário, só se "sobe". O que torna mais simpática a atitude de Rui Machete, a quem, a título pessoal, envio um abraço de parabéns e votos para que saiba e possa conduzir a bom porto uma "casa" da qual pode sempre esperar grande profissionalismo, uma inexcedível lealdade institucional e um raro espírito de serviço público. Aliás, ele sabe isso bem, porque por lá já passou como secretário de Estado, há muitos anos. 

terça-feira, julho 23, 2013

Comentários

Alguns amigos têm-me falado da dificuldade ao colocarem comentários no blogue, falando de um "percurso" complicado, com diversas exigências, em que por vezes se "perdem". 

Eu sou um "nabo" nestas questões informáticas mas julgo poder informar que a maneira mais simples para alguém colocar um comentário é escolher a opção "anónimo" (eventualmente, escolhendo essa opção no quadro "Comentar como"), escrevendo ou não o seu nome no termo do texto, e carregando depois em "Publicar o seu comentário". 

O texto será publicado depois de visualizado pelo proprietário do blogue. Este reserva-se naturalmente o direito de recusar comentários cujo conteúdo possa ser considerado ofensivo (quase sempre mais para terceiros do que para o autor do blogue, como já devem ter percebido) ou que passe pela utilização de um léxico menos próprio. 

Profissionalismo real

A operação mediática em torno do nascimento de um novo príncipe britânico, a exemplo do que ocorreu com o casamento de seus pais ou com o "jubileu" da raínha, está a ser feita com um imenso mas já tradicional profissionalismo. Se o interesse dentro do país é natural, acompanhado do "merchandising" de regra, já a exportação intensa, um pouco por todo o mundo, deste "glamour" acaba por ser muito curiosa, pelo facto de conseguir mobilizar, durante semanas, jornais, revistas e televisões de culturas muito diversas e nada similares à britânica.

O que será que torna a coroa britânica mais apelativa, face aos seus congéneres? Seria muito interessante fazer uma análise deste fenómeno, que leva a que a coroa londrina suplante, a grande distância, qualquer dos seus pares europeus. Ainda há dias, verificámos que a transmissão de poder real na Bélgica, tal como há semanas ocorrera no caso holandês, quase que passou despercebida, tal como o nascimento de um príncipe sueco ou luxemburguês apenas suscita algumas modestas linhas. Dir-se-ia que só as coroas monegasca e espanhola conseguem concitar algum interesse similar, mas sempre a uma imensa distância do caso britânico.

É claro que, nas últimas décadas, quase todas as coroas tiveram de viver, lado a lado com estes fatores simbólicos de sedução, com a revelação de crises familiares que as ensombraram, que vieram a provar (o que já ocorria, mas era um pouco disfarçado) que, afinal, a vida das realezas sofre dos mesmas problemas da do comum dos mortais - com os seus dissídios, traições, divórcios, corrupção e coisas análogas. Essa circunstância, se bem que algo debilitante do caráter "mágico" das coroas, pode contudo ter servido como um fator de aproximação da existência da coroa à vida vulgar de cada um de nós. No caso britânico, o fenómeno Diana trouxe mesmo uma figura com um final trágico a esta saga familiar.

Dito isto, só cabe desejar longa vida ao novo príncipe e, provavelmente, futuro chefe do Reino Unido da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, bem como chefe da Comunidade britânica. 

segunda-feira, julho 22, 2013

Que há-de ser de mim?

Afeganistão, 2013

"Deixem-nos trabalhar!"

Foto de MFPLCB

... e logo verão!

O Sporting ganhou ontem a Taça de Honra.

"Desassa!"

Lá pela minha terra, por Vila Real, havia em tempos um homem bastante forreta, que era conhecido por aproveitar todas as "borlas" que se lhe ofereciam. Um dia, estava à porta de casa, esperando a hora do jantar. A mulher tinha acabado de ir para a cozinha, dizendo que ia assar uma carne. Entretanto, um amigo passou pela rua e convidou o nosso homem para ir comer uns petiscos lá a casa. Entusiasmado, gritou para a mulher, uma frase que ficou famosa:

- Ermelinda! Desassa!

Ontem, ao ouvir o presidente da República, lembrei-me desta historieta. Porquê? Sei lá!

domingo, julho 21, 2013

Uma janela em Belém


O telefone do Rato


Renovação

Leio que Honório Novo, deputado do PCP, vai abandonar as lides parlamentares e ser substituído por uma colega mais jovem, regressando à sua profissão de professor. Os comunistas, mais do que qualquer outro partido, mantêm esta regra de jogar livremente com as unidades do "coletivo", numa leitura muito própria do sistema de representação parlamentar.

De há muito que conheço Honório Novo. Conversámos e divergimos sobre a Europa (mais nesses tempos do que hoje), tivemos mesmo um debate televisivo a dois muito vivo, ao tempo em que ele era parlamentar europeu e eu andava pela vida política. É um homem que estuda muito bem os dossiês, que usa uma argumentação forte, por vezes contundente, mas sempre com um quantum satis de saudável ironia. Sei que deixa uma imagem de seriedade e competência entre os seus colegas. É um amigo que, com pena, mas também com democrática naturalidade, vejo abandonar as bancadas de S. Bento.

Um abraço, caro Honório. Ver-nos-emos um destes dias pelo nosso norte. Quase que se pode dizer que você e o Gaspar passam agora a ter mais tempo um para o outro. Embora alguns portugueses desconheçam que Gaspar é (apenas) o nome do seu gato. 

'The powder room"

Uma cena do filme sobre Margareth Thatcher, na qual, depois de um jantar, as senhoras presentes são convidadas delicadamente a saírem, deixando os cavalheiros sozinhos, a fumar um charuto e a beber alguns álcoois fortes, trouxe-me ontem à memória uma cena passada, há umas décadas, numa embaixada portuguesa num país nórdico.

Tinha sido um jantar em "smoking" e vestido longo, com o qual o novo embaixador quisera ter um gesto elegante de cortesia para com algumas das personalidades locais que o haviam acolhido nesses primeiros meses, desde a sua chegada. 

Tudo correra a preceito e o ambiente, no final do jantar, era distendido e alegre. A primeira ronda de cafés fora servida. Forte da sua experiência em países anglo-saxónicos, o diplomata iniciou o ritual:

- Minhas senhoras, convido-as a passarem ao "living". "And the powder room is over there", - disse, apontando para a porta e na direção da casa de banho das visitas, que o embaixador cuidara em ter bem equipada, com escovas, perfumes e tudo quanto presumia necessário para as senhoras "retocarem" a sua aparência, depois da função gastronómica, enquanto aguardariam que os cavalheiros se lhes juntassem.

Mas estava-se num país nórdico. A maioria das senhoras não tinha a menor intenção de deixar os companheiros numa tertúlia masculina. Algumas, contudo, ainda anuíram por gentileza ao convite e fizeram menção de se levantar, mas outras permaneceram no seu lugar e reagiram de uma forma que desarmou o anfitrião:

- "Powder room"? Nem pensar! Eu vou ficar aqui! E, se o senhor embaixador não se importa, vou beber um cognac!

Uma outra disse mesmo que, pensando bem, lhe estava a apetecer um charuto e um "scotch". Outra, ainda, que vivera uns anos entre nós, pediu um Porto.

Toda a sala sorriu. E quem se havia levantado voltou a sentar-se. O embaixador tomou consciência, nesse instante, que tinha entrado num mundo diferente. E também noutro tempo, no modo como os homens e mulheres se comportam socialmente, de forma mais igualitária. Aquele seria o último jantar em que, por ali, as senhoras seria convidadas, no fim de um jantar, a passar pelo "powder room"...

sábado, julho 20, 2013

Livros

Distraído com outras coisas, dou-me hoje conta que a "Sá da Costa", a histórica livraria do Chiado, vai fechar nas próximas horas. Sinto-me especialmente triste pelo facto? Nem por isso, exceto na medida em que o encerramento de uma livraria é sempre uma machadada no património cultural.

Recordo, bem jovem, entrar naquele ambiente escuro e sentir, com alguma incomodidade, as conversas da tertúlia idosa que abancava no local suspenderem-se com o surgimento do intruso. Por alguns anos, a "Sá da Costa" intimidava-me, criava-me um certo desconforto, o que me levava a ser um visitante esporádico. Em certas alturas, tinha a sensação de que faziam um favor ao venderem-me algum livro. Nos últimos tempos, sentia, por vezes, alguma curiosidade em entrar naquele espaço decadente apenas para apreciar a estranha mescla de volumes que compunha as mesas laterais de entrada: "best sellers" misturados com obscuras edições de autor, estudos microscópicos sobre temáticas raras junto a volumes para turistas, prolongando a especiosa escolha que era feita nas duas montras. 

Nunca percebi a "Sá da Costa", a sua lógica e a sua filosofia. Reconheço que o defeito deve ser meu. E deve ser o mesmo que fez com que não tivesse sentido muito o fim da vizinha "Diário de Notícias" ou da "Portugal". Ou que me faz ser algo "neutral" face à "Bertrand", que apenas reconheço fazer parte da identidade da zona, hoje transformada numa espécie de Algarve lisboeta. Por mim, guardo saudades livreiras do Chiado apenas para a "Moraes" e para a "Opinião".

sexta-feira, julho 19, 2013

Equação

1. O ministro de Estado e das Finanças demite-se.
2. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros demite-se.
3. Os mercados internacionais reagem muito mal à crise no seio do governo.
4. O primeiro-ministro anuncia ao país que a crise no governo foi superada e que propõe ao presidente da República uma remodelação do executivo.
5. O presidente ignora a proposta de remodelação e pede que os partidos do governo, com o principal partido da oposição, o Partido Socialista, procurem um entendimento programático.
6. O Partido Socialista aceita dialogar com os partidos do governo.
7. Os partidos encontram-se durante uma semana, anunciando, no final, que não foi possível chegarem a um acordo.
8. A culpa da crise de governabilidade em que o país fica é do Partido Socialista.

Fácil e claro, não é?

Algarve

Para o imaginário português (e não só), Algarve em julho (e agosto) é sinónimo de férias.

Há exceções. Eu fui uma delas. Por pouco mais de 24 horas, estive no Algarve, mas em trabalho. Com um tempo fabuloso, lá vi o mar. Mas ao longe.

quinta-feira, julho 18, 2013

FHC

Fernando Henrique Cardoso, que por dois mandatos foi presidente do Brasil, abrindo depois caminho ao presidente Lula, esteve alguns dias em Lisboa. Muito respeitado internacionalmente, é uma personalidade que honra o seu país, em cuja história democrática tem um lugar destacado. Tive o gosto de o encontrar, em excelente forma e bem disposto, no passado fim de semana, durante um almoço de amigos.

Ser uma figura pública tem, por vezes, o condão de proporcionar episódios curiosos. FHC, como é conhecido no Brasil, contou-nos duas histórias deliciosas.

A primeira foi passada numa rua de uma capital sul-americana, onde se deslocara, vários anos decorridos após a sua saída de funções. 

Um casal, ainda jovem, olhava para ele fixamente. Tinham ar de turistas, pelo que deduziu que fossem brasileiros. Não se enganou, ao ouvir o cavalheiro dirigir-se-lhe em português:

- Eu conheço-o! Deixe-me ver...

O presidente estava divertido com a hesitação dos seus compatriotas. Foi então que a senhora se decidiu:

- Já sei! O senhor trabalha na "Globo"! Não é isso?

- Trabalhava! Agora já não apareço mais na "Globo". O meu contrato acabou...

A segunda historieta é mais recente. Passou-se num elevador onde FHC seguia. Entram duas senhoras. Ambas o fitam. Uma delas, após alguma hesitação, pergunta:

- Desculpe! Não é o Fernando Henrique Cardoso?

O antigo presidente decidiu brincar um pouco:

- Não, esse é o meu irmão...

Ao que outra comentou:

- Pois é! O senhor é bem mais velho que ele!

quarta-feira, julho 17, 2013

O MES ainda anda por aí?

Foi um partido cheio de ambições. (Alguns não perceberão, outros não concordarão, muitos sabem "onde eu quero chegar" quando afirmo que as suas mais importantes ambições foram realizadas). Criado em 1974, dissolveu-se, "na boa", em 1981. Com uma jantarada, como deve ser!

Por ele passaram um presidente da República, vários ministros, um líder da oposição, muitos secretários de Estado e outros políticos, reitores e professores universitários, altos magistrados, embaixadores e várias figuras com saliência na sociedade portuguesa contemporânea.

Lembrei-me ontem do MES, ao ver Alberto Martins como negociador do "acordo de salvação nacional", exercício a cujas conversações assiste, em representação de Belém, David Justino. Para quem não saiba, ambos foram antigos militantes do MES.

Isto não quer dizer nada? Talvez não, mas não deixa de ter alguma graça.

Uma outra esquerda

A democracia portuguesa tem alguns fenómenos curiosos.

Um deles, bem conhecido, é o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), uma formação na qual nunca ninguém votou diretamente em qualquer eleição, porquanto aparece sempre incluída numa "frente", que em tempos já se chamou APU e que agora se designa por CDU, onde o PCP é, sem surpresas, o partido dominante. O aproveitamento constitucional de uma "quota" de representação política, que permite a criação de um outro grupo parlamentar, duplica assim os tempos de palavra e, como agora se vê, garante que, no âmbito da mesma CDU, possam ser suscitadas duas moções de censura. Durante muitos anos, o PEV tinha como face mais visível a minha amiga Isabel de Castro. De há já algum tempo para cá, é a inconfundível voz de Heloísa Apolónia que passou a fazer parte do património sonoro do nosso parlamento.

A mais enigmática formação neste âmbito é, porém, a "Intervenção Democrática", uma estrutura política cuja visibilidade e atividade quotidiana mereceria, estou certo, ser estudada numa tese de doutoramento. Desde sempre dirigida por um homem simpático, com quem tenho uma relação bem cordial, Corregedor da Fonseca, surgiu como que uma espécie de herdeiro do MDP-CDE, esse "alter ego" ou "compagnon de route" dos comunistas, que chegou a ganhar um lugar na história político-partidária portuguesa. Até 1988, a ID (é esta a sigla de uma formação a cujos comícios os portugueses nunca terão o privilégio de assistir) teve um grupo parlamentar e tudo. Desde então, surge apenas sazonalmente, numa espécie de "troika" com o PCP e o PEV no seio da CDU, criando a ideia de que forma uma aliança política, de incidência eleitoral, fruto da laboriosa conjugação dos três programas.

Se estas três organizações - PCP, PEV, ID - se mantêm independentes, uma lógica de razoabilidade deve levar-nos a pensar que têm doutrinas e programas próprios, os quais, tendo necessariamente pontos comuns que justificam a permanência da "aliança", também têm, com certeza, divergências que justificam a sua existência autónoma. Ora esse é, para mim, o grande mistério. Em que pontos se afastam? Qual a sua idiosincrasia própria? Que conflitos ideológicos alimenta a ID com o PC? Em que se opõe o PEV ao PCP? Que temáticas dividem "Os Verdes" da ID?

Estas são dúvidas com que vivo há anos. Serão bem-vindos comentários que me ajudem a atenuá-la. 

terça-feira, julho 16, 2013

"Gazeta da Selvagem Pequena"

"Há quem tenha a ilusão de que o presidente da República pode impor aos partidos, contra a vontade destes, a sua participação em governos de coligação, por vezes apelidados de salvação nacional".

Aníbal Cavaco Silva, in "Roteiros", vol VI, 2011/12, pag. 22

Os pretos

Na minha infância, em Vila Real, praticamente só havia brancos. O primeiro preto que recordo ter aparecido na cidade foi o Ângelo, um jogador de futebol, depois reconvertido em massagista, que por lá ilustrava a "diferença". Era um homem encantador e educado, que conquistava pelo seu trato humano. Casou com uma senhora branca e, lembro-me bem, isso provocou localmente alguns comentários de desaprovação.

(Por que razão ele escreve "preto" e não "negro"?)

A imagem que, à época, a minha geração cultivava dos pretos era mais de estranheza do que hostilidade. Verdade seja que os livros e as coleções de cromos sobre as raças humanas, então muito populares, mostravam-nos esses outros mundos bizarros e apenas estimulavam uma certa curiosidade antropológica. Os pretos do "Tintin no Congo" não eram muito diferentes, no seu exotismo, do "preto da Casa Africana", que fazia sorrir os passantes. O preto que nos era dado por essas imagens era uma espécie de criança grande, parada no seu tempo mental. Não havia racismo em Portugal? Pois, pois...

(E ele insiste! Escreve "pretos"...)

Depois de 1961, no nosso imaginário juvenil, fomos estimulados  a identificar os pretos com os "terroristas". Para quem hoje não saiba ou possa ter esquecido, lembro que os "terroristas" eram os pretos que "atentavam contra a soberania portuguesa no Ultramar". O facto dos primeiros ataques da UPA (União dos Povos Angolanos), antecessora da FNLA, terem dizimado, de forma particularmente bárbara, muitos civis angolanos (e, para nossa surpresa, também muitos pretos, ditos "fiéis" aos portugueses, isto é, aos brancos), tornou vulgar na comunicação social de então o conceito de "terroristas", logo, de forma simplificada, apodados de "turras". No ambiente jingoísta da época, um preto era um "turra".

(Pior! Agora fala de "pretos" e de "turras"...)

Para dar mostras de abertura, o regime ditatorial português promovia os seus pretos de estimação. Para além do futebol, onde o "4-2-4" era um espaço de convivência inter-étnica que mostrava ao mundo como sabíamos integrar com sucesso o pé-de-obra colonial, a ditadura mostrava alguns dos "seus" pretos, que apresentava ao mundo como a prova provada da abertura do Portugal-do-Minho-a-Timor e da nossa ímpar capacidade de convivência inter-étnica.

Uma dessas caras foi Pinheiro da Silva, que, creio, foi secretário provincial de Educação de Angola e morreu há muito pouco tempo. O que o regime não permitiu que se soubesse através da imprensa, porque não ia bem com a história que pretendia propagar, é o episódio em que o deputado salazarista Júlio Evangelista insultou publicamente Pinheiro da Silva e, perante a reação deste, que se preparava para vingar fisicamente a humilhação, lhe atirou à cara: "Alto aí! Preto não bate em branco!"

(Que história sórdida! Mas, se calhar, é verdadeira!)

Mas a que propósito vem isto hoje, perguntará o leitor? É muito simples: surge a propósito da afirmação de um senador italiano que ontem decidiu qualificar de "orangotango" uma ministra do seu país.

O mundo evoluiu muito. A mesma América que, há escassas décadas, impedia a entrada de pretos em certos autocarros, elegeu Obama. A África do Sul, que não permitia senão a brancos que se sentassem em certos bancos de jardim, revelou Mandela como uma figura ímpar no seu humanismo. E, no entanto, neste século XXI, continuam a subsistir e a ser eleitos atrasados mentais como o tal senador italiano. E a revelarem-se diariamente, no anonimato cobarde dos comentaristas nos "sites", um racismo e uma xenofobia larvares, que mostram que há um Portugal desconhecido (ou menos conhecido) que espera por nós, ao virar da esquina do populismo.

Porque razão utilizei a palavra "preto" e não "negro"? Porque há muito que me convenci que uma postura anti-racista não se demonstra pelo léxico que se utiliza, por muito que alguns puristas nos queiram convencer do contrário. Eu digo, indiferentemente, preto ou negro e desafio quem quer que seja a inculpar-me do menor racismo nas minhas ações. Tenho amigos pretos, ou negros, se quiserem, e a sua cor é uma coisa que só os outros me lembram. A tolerância e a capacidade de convivência com a diferença é uma atitude de vida, de respeito pelos outros e, muito em especial, de orgulho em fazermos parte de um país que, no plano internacional, é hoje distinguido pelas suas políticas de integração das comunidades imigrantes (sabiam?). E onde, contrariamente a outras sociedades mais desenvolvidas, nunca se ouviu um eleito nacional assumir publicamente palavras tão torpes como as do triste senador italiano.

Termino com uma nota menos pesada.  

Sobre a questão do "preto" e do "politicamente correto" (para além do que um dia já referi aqui), recordo uma pessoa que, nos seus primeiros tempos do Brasil, foi um dia apanhada a dizer "Ouro Negro", porque temia que, ao falar em Ouro Preto, estivesse a pisar alguma linha vermelha (ou "encarnada", como o salazarismo subtilmente recomendava e um certo ridículo social lisboeta teima em querer impor).

segunda-feira, julho 15, 2013

Comidas

A delegação portuguesa, chefiada por um jovem governante que, pela primeira vez, se deslocava a Bruxelas, saía do edifício comunitário e encaminhava-se já para os carros quando o mais graduado dos técnicos presentes se aproximou do político e lhe sugeriu:

- Não alinha em comer uma "moules"? Conheço um sítio excelente, onde as há magníficas!

O governante (que nada tinha a ver com os Negócios Estrangeiros, note-se), um pouco embaraçado, respondeu:

- Sinto-me tentado! Mas o que é que fazemos com a nossas mulheres?...

Com maior ou menor rigor, garanto a veracidade desta história.

domingo, julho 14, 2013

Ainda a "salvação nacional"

O conceito de "salvação nacional", há dias invocado pelo presidente da República, remete, na memória da minha geração, para a "Junta de Salvação Nacional", criada na tarde de 25 de abril de 1974 e que viria a sobreviver até à criação do Conselho da Revolução, na sequência dos acontecimentos de 11 de março de 1975. 

Quem conhece melhor esse período sabe que a Junta deixou, na prática, de funcionar como tal após o chamado "golpe" de 28 de setembro de 1974. Embora alargada na sua composição na sequência desses acontecimentos (Nuno Fisher Lopes Pires, que ontem foi a enterrar, integrou-a a partir de então), julgo que não reunia regularmente nessa sua nova composição, passando a trabalhar sob o formato do chamado "Conselho dos Vinte", que incluía os chefes dos três ramos e outras figuras do MFA. Na noite de 11 de março de 1975, quando um grupo de militares, do qual eu fazia parte, se deslocou ao Palácio de Belém para interpelar os poderes militares aí reunidos sob a presidência de Costa Gomes e reclamar a realização de uma Assembleia "ad hoc" do MFA para essa mesma noite, foi o "Conselho dos Vinte" que por lá encontrámos.

A minha "relação" pessoal com a Junta começou bastante cedo, na noite de 25 de abril, quando, como Aspirante, fiz parte do grupo de militares que recebeu os membros Junta à entrada da RTP, na alameda das Linhas de Torres, que a minha unidade tinha ocupado na madrugada desse mesmo dia. Os carros que vinham do "posto de comando do MFA", na Pontinha, que traziam os membros da recém-criada Junta, pararam junto ao acesso à rampa que dava acesso aos estúdios, ao lado de uma bomba de gasolina que por ali havia. Atrás de Spínola, surgiram então umas fardas e alguns civis. Esse grupo começou a subir a rampa mas, porque tememos que alguém se aproveitasse da confusão para ter também acesso à RTP, tomámos a decisão de identificar cada um dos civis - já que quanto àqueles que estavam fardados a questão se não colocava. Recordo-me de, com a minha pequena metralhadora FBP, ter travado o passo a algumas dessas figuras. Uma delas, um homem de fato escuro e ar sorridente, identificou-se: "Eu sou o coronel Galvão de Melo, membro da Junta de Salvação Nacional". Não fazia a menor ideia sobre quem constituía a Junta, salvo Spínola e Costa Gomes. E, atrapalhado, lá deixei passar Galvão de Melo (na histórica foto de Alfredo Cunha, à direita), um dos dois membros da Junta oriundos da Força Aérea (o outro membro, Diogo Neto, estava em Moçambique).

Por razões que não vêm para o caso, em meados do mês de agosto seguinte, eu tive de ir procurar o então major Costa Neves, chefe de gabinete  de Galvão de Melo, que estava de visita à penitenciária de Lisboa, onde, na véspera, tinha terminado um motim dos agentes da "Direção Geral de Segurança", o nome que o marcelismo tinha dado à PIDE, e que aí se encontravam detidos. Eu era então membro da "Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS e LP". Costa Neves ouviu o que eu tinha para lhe dizer e, a certa altura, perguntou-me: "Você é do Exército, não é?". Eu ia "à civil". Respondi que sim. A ordem foi imediata: "Então, fica, desde já, nomeado representante do Exército na Comissão de Inquérito sobre o motim dos pides. Sou eu que presido, há um representante da Marinha e você fica relator. Espero que saiba escrever...". Expliquei que tinha uma "guia de marcha" para me apresentar na prisão de Caxias, onde iria trabalhar nos arquivos da polícia política. Costa Neves não hesitou: "Não se preocupe com isso. Eu requisito-o. A partir de agora, fica a trabalhar comigo". E, logo nessa tarde, fui nomeado "assessor da Junta de Salvação Nacional", no gabinete do então já graduado general Galvão de Melo, que tinha precisamente na sua tutela a "Comissão de Extinção" - nada mais nada menos, a pessoa a quem eu tinha criado momentâneas dificuldades na entrada na RTP, na noite de 25 de abril. E por ali fiquei, até à demissão de Spínola e outros membros da Junta, entre os quais Galvão de Melo.

A Junta de Salvação Nacional funcionava no palácio da Cova da Moura, perto da Avenida Infante Santo. Algumas décadas depois, como acontece até hoje, o edifício passou a acolher a Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus. Que eu viria a dirigir, entre 1995 e 2001. De facto, o mundo é pequeno...

sábado, julho 13, 2013

Campanhas eleitorais

Desde há anos que a "inteligência" portuguesa, na área política e mediática, se refere à irracionalidade do extenso calendário necessário para a realização de qualquer ato eleitoral, muitas vezes sublinhando, como exemplo a seguir, a "sabedoria" de um sistema como o britânico, onde um processo destes se resolve em escassas semanas. Como principal desvantagem do nosso atual modelo, assinala-se a paralisia da vida política e a indecisão que isso induz no país, com efeitos sensíveis no processo económico.

Se se falar individualmente com qualquer deputado do PSD, do PS ou do CDS-PP (tenho menos certezas no que toca ao PCP ou ao BE), quase que posso assegurar que uma maioria esmagadora coincidirá com a ideia de que o tempo que medeia entre o anúncio da dissolução da Assembleia da República e a entrada efetiva em funções de um governo saído de um ato eleitoral é mais do que absurda, fruto de um formalismo de outros tempos. Aliás, há dias, todos ouvimos o presidente da República referir-se a isto, na sua comunicação ao país.

Mas então, se assim é, e se esses deputados são bem mais do que suficientes para encetar e concluir um rápido processo de revisão pontual da Constituição que arrume com o assunto, por que é que ninguém toma a iniciativa de propor uma solução? E, já agora, por que razão o senhor presidente, que deu mostras de estar atento ao problema, não aproveita o ensejo e estimula o nosso parlamento a ultrapassar rapidamente esta situação? 

Estes são os grandes mistérios da nossa classe política!

Nuno Fisher Lopes Pires (1930-2013)

O 25 de abril teve também os seus heróis discretos. Nuno Fisher Lopes Pires, que hoje desaparece, foi um deles. Tenente-coronel do Exército num movimento onde abundavam os capitães, esteve na conspiração desde as primeiras horas e fez parte de quantos, na Pontinha, dirigiram as operações militares.

Conheci-o mal, trocámos apenas breves palavras nesses corredores dos tempos revolucionários, mas recordo-lhe a postura serena, o cachimbo reflexivo e a saudável ausência de ambição ou desejo de protagonismo. É um dos homens a quem, no seu silêncio, devemos a nossa liberdade.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...