O João Paulo Guerra lembrou, há pouco, no seu
blogue, o clássico "agora cheira a setembro", de José Carlos Ary dos Santos. É verdade, sinto-o bem aqui, nesta noite em Vichy, na França profunda, no meu derradeiro dia de férias.
A chuva ronda, já se hesita em ficar nas esplanadas, agradece-se, pelo entrar da noite, "une petite laine". A bem dizer, confessemos ou não, já chegava de verão, de calor, de sol, de suor, de ar condicionado. Setembro rima bem com o estimulante (e saudável?) regresso ao trabalho, com "paletes" de coisas atrasadas para fazer, com as chamadas telefónicas em dívida, com a necessidade de resposta aos e-mails que foram "caindo" pelas páginas abaixo, com os convites para almoço aos amigos com quem estamos em falta, com muitos jantares "sociais" para retribuir. E com alguns textos para rever, com algumas palestras para preparar. E com algumas atitudes a tomar...
Este é o tempo do conhecido "agora é que é", das clássicas manias de uma qualquer "rentrée", da feitura de intermináveis listas (mais ou menos "moleskinizadas") que padecem sempre de erros de prioridade que as acabam por tornar inúteis, da promessa de não falhar as exposições que por aí vêm (quando, ao final daquela tarde, só vamos pedir sopas e descanso), da vontade de não perder alguns concertos e peças (que nos esqueceremos de reservar), de acabar dezenas de livros que jazem (e jazerão, para a eternidade) na estante, sem deixar de estar atento aos muitos que vão saindo, sempre cada vez mais caros (ou seremos nós que, afinal, ganhamos pouco e cada vez menos?).
No meu caso, este é um mês de setembro muito especial, talvez porque a vida que agora vivo se assemelha também, ela própria, um pouco a um setembro. É um tempo para fechar dossiês, para tentar arrumar assuntos em escassos meses, para fazer os "check-up" antes que nos "gaspem" a ADSE de cena, de planear uma nova vida, a aguentar com as reformas dos tempos da "troika" a que temos dever (já não temos direito..), de fazer (muito bem) as contas para (tentar) sustentar o futuro. E também para preparar, com real vontade e (talvez pateta) otimismo, um 2013 já sem horários e compromissos rígidos, com concertos na Gulbenkian, com idas ao CCB e aos teatros, com passeios e comezainas pelo país, com o jardim para tratar, talvez mesmo com alguma escrita para encadernar. E, principalmente, com amigos para rever, conversar e a quem dizer alto o que penso.
Relembro sempre o mês de setembro, em toda a minha vida, como um mês peculiar. Eram finais de tarde chuvosos, na adolescência, em Vila Real, quando apressávamos a saída dos bilhares do Excelsior, depois das "explicações". Poucos anos mais tarde, eram as luzes de Cedofeita a acenderem-se, ao sair de um "martini" no Bissau, comigo ainda convencido de que tinha jeito para vir a ser engenheiro eletrotécnico. Eram também as sete e meia da tarde por um Montecarlo quase deserto, no anoitecer lisboeta, à procura do 21 para os Olivais, com o "Lisboa" debaixo do braço. E lembro muito bem os setembros gelados e escuros, mas muito estimulantes, de Oslo ou de Viena, os setembros que o não eram, em Luanda ou em Brasília, ou a insuperável beleza londrina dos fins de tarde, já bem iluminados, em Knightsbridge, as cores e os sons inconfundíveis da 2nd avenue, no regresso a casa, em Nova Iorque.
Os setembros, na minha memória, assemelham-se muito à recorrente ilusão dos janeiros, quando, passadas as festas, sempre arregaçamos psicologicamente as mangas, apenas por alguns dias, na miragem fátua de que basta querermos para podermos recomeçar tudo de novo, porque "hoje é o primeiro dia do resto da tua vida", como cantava o Godinho. Podia ser assim, para toda a gente, se acaso nós não fôssemos exatamente os mesmos que éramos na véspera, quaisquer que sejam as datas colocadas à nossa frente. As quais, aliás, se vão reduzindo, dia após dia. O que, não sendo uma tragédia, é, valha a verdade, uma boa chatice.